capítulo 14

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— Fala que é um menino, por favor — interrompo-a. Marcia sorri.

— Calma, Zara, é um menino — se eu andava carregando o mundo em minhas costas, ele acabou de dar um pulo para fora. Lembro da minha oração hoje de manhã, se foi você, muito obrigada. Justin passa a mão pelos cabelos e solta um longo suspiro. Seu abraço forte me prova que eu não ouvi errado.

— É um menino.

— Nosso Jake — suspiro. Fecho meus olhos e sinto essa sensação de alívio invadir meu corpo. Ane, você estava certa.

— Nunca vi um casal tão feliz por ser um menino. — Marcia ri. — Vocês queriam mesmo um menino.

— Você não tem ideia do quanto — Justin fala.

Saímos de lá direto para o shopping, vamos comprar as primeiras coisinhas de Jake.

— Eu ainda não estou acreditando — Justin fala enquanto entramos na loja.

— E você acha que eu estou? — digo, sorrindo. — Como eu queria jogar na cara do Richard.

— Calma, lembra que você tem que esperar nascer.

Começamos a olhar todas as coisinhas para criança. Eu queria chorar toda vez que via alguma roupinha. É como estar voando, e todos esperarem que você caia, mas você sabe que não vai cair. Escolho a maioria dos móveis do quarto branco, quero tudo branco e azul. Compro tantas roupinhas que não sei se ele vai usar pelo menos a metade. Justin queria que o quarto dele fosse do Batman, não deixei, claro. Não que eu tenha alguma coisa contra o Batman, mas é muito obscuro para uma criança.

— Não acredito que não quis o quarto do Batman pra colocar uma decoração dos smurfs.

— Justin, para de drama só porque o quarto do seu filho vai ser azul e não preto.

— Quando eu era criança, meu pai me deixou ter um quarto do Batman.

— Mas não quando você era um recém-nascido — digo, sorrindo da cara de frustrado dele. — E eu prefiro a Marvel.

— Como assim? DC é a melhor, quero divórcio — rio tão alto que todos na loja me olham. Descobri que meu marido é um louco por heróis.

— Se você tivesse pedido o quarto do Capitão América, eu teria aceitado.

— Mas o Batman é o mais foda.

— Não é páreo para os Smurfs.

Quando finalmente terminamos, saímos da loja cheios de sacolas. Pelo menos, o que deu para levar na mão, o resto vai ser entregue em nossa casa.

— Vamos para casa? — Justin pergunta.

— Sim. — Andamos pelo shopping sendo o centro das atenções por estar levando tantas sacolas. — Justin — chamo-o, arregalando os olhos — Aquele é o Luciano — aponto para o garotinho sentado em um banco sozinho. — O filho da Ane, é ele — acelero meus passos até ele.

— Zara, espera — Justin pede, vindo atrás de mim.

— Luciano — digo, parando em frente a ele e sentando ao seu lado —, está com seu pai? — pergunto. Ele apenas faz que não com a cabeça. — Está com alguém? — ele faz que não novamente. — Luciano, você fugiu? — ele faz que sim. Olho para Justin que está tão surpreso quanto eu. — Você quer vir comigo? — ele faz que sim.

— Ele não fala? — Justin pergunta.

— Não — repondo. — Acho que por causa de Lúcio.

Quando chego em casa, levo Luciano para meu quarto e dou banho. Ele continua sem falar nada, por mais que eu tente. Coloco-o para dormir em minha cama e desço.

— Justin — o chamo. — Ele dormiu.

— Preciso ligar para Lúcio. — Ele me olha preocupado.

— Eu sei — não queria ter que fazer isso, mas não é certo esconder o garoto aqui. Justin liga para ele e nós o esperamos sentados na sala sem falar nada. Quando a campainha toca, Justin se levanta e vejo Lúcio entrar sem nem mesmo pedir permissão.

— Cadê meu filho? — ele grita, vindo em minha direção.

— Ele está dormindo — digo, levantando-me, fico cara a cara com ele. Não vou abaixar o olhar, não quando ele entra na minha casa achando que está certo quando não está.

— Eu vou pegá-lo — ele diz, mas entro em sua frente.

— Não vai! — falo o mais firme possível, não quero que ele pense que tenho medo dele, pois tudo que sinto dele agora é raiva. Ane confiava nele e olha como Luciano está agora.

— Quem você pensa que é para me dizer o que fazer? — ele diz tão próximo a mim que sinto seu hálito de hortelã.

— Eu sou merda nenhuma, Lúcio — falo no mesmo tom. — Mas o garoto vai ficar. O que você anda fazendo pra ele? Lúcio, ele nem fala e ainda fugiu.

— Ele não fala com vocês, mas comigo ele sempre fala — o olhar dele muda de raiva para tristeza. — Ele fugiu porque acha que Ane está viva, ele acha que ela está perdida e pode encontrá-la se procurar. — Meu coração se entristece.

— E por que ele correu quando viu você naquele dia?

— Porque ele estava com raiva de mim, eu disse a ele que não seria possível encontrar ela, porque ela estava morta. Você tem razão, ele tem medo de mim. Luciano sempre aparecia em meu quarto chorando quando ouvia os gritos de Ane. Mas essa é a nossa vida, são as regras que movem ela e quanto mais cedo ele aprender isso, mais cedo ele vai aceitar.

— Aceitar isso? Quer mesmo que seu filho se torne isso que você é?

— Isso que eu sou, é o que o seu marido também é.

— Ninguém consegue ser como você, Lúcio.

— Está me desafiando, Zara? — Lúcio volta a me olhar com raiva. — Está mostrando quem é de verdade?

— Eu estou te desafiando, Lúcio, não pelas suas regras, mas por Ane.

— Mal conhecia a Ane, por que se acha no direito de fazer tudo isso por ela?

— Porque eu sentia a dor de Ane em cada marca que tinha em suas costas. Sentia sua dor pelo seu olhar, sentia pena quando ela pensava que ainda era a garota feliz e livre que um dia ela foi.

— Você não sabe nada sobre Ane! — ele grita tão alto que fico com medo de Luciano acordar. — Não sabe nada sobre ela — seus olhos lacrimejam.

— Sei que ela era a garota mais doce que eu já conheci e sei que ela se matou por sua culpa.

— Zara, já chega! — Justin grita comigo. — Respeite Lúcio, respeite a dor que ele sente por perder Ane — sei que ele está falando isso para disfarçar, sei que ele queria que eu falasse mais. Mas não posso, não ainda.

Lúcio parece perdido. Ele apenas me encara triste. Sei que ele sabe que eu estou certa.

— Controle sua mulher, Justin — se vira para ele — ou eu arrancarei sua língua fora com minhas próprias mãos.

— Zara ainda está abalada pela morte de Ane, desculpe ela por isso, Lúcio. — Ele volta a se virar para mim.

— Eu estou de olho em você, Zara. Dê um passo em falso e eu acabo com você.

— Você pode acabar comigo, mas Luciano não sai daqui hoje.

Lúcio apenas se vira e vai embora, batendo a porta com força. 

A escolhida. [amostra]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora