Capítulo 1

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Se eu estou triste por deixar tudo para trás? Bem, não sei dizer. Mas sei que uma parte de mim está suspirando aliviada. Sabe o que é passar 10 anos da sua vida vendo sua mãe ser espancada e humilhada por um homem que ela acreditava amar? Bem, eu sei, porque foi isso que aconteceu com a minha. Ter que aguentar aquele homem controlando nossas vidas e sempre ter que vê-la entrando em sua frente para que ele não encostasse aquelas mãos imundas em mim foi a pior parte da minha história. Por que, então, não estou completamente feliz que minha mãe finalmente se livrou dele e estamos recomeçando? Porque, apesar daquela vida desastrosa, estou deixando o que costumava ser normal para algo inesperado, e isso me assusta.

para algo inesperado e isso me assusta.

— Mãe — cutuco-a —, estamos chegando, olha que lindo! — digo, apontando para a enorme São Paulo a minha frente. Nossa viagem foi longa, por isso, minha mãe apenas sorri cansada. Queria que ela estivesse mais feliz do que aparenta estar, mas entendo o que ela está passando. Apesar de tudo, ela o amava, a única parte que não entendo é o motivo disso.

— Está pronta para uma nova vida? — Ela me pergunta. Paro para pensar, acho que nunca estive pronta para nada.

— Uma parte de mim está, outra parte sente medo. É normal? — pergunto enquanto continuo admirando a cidade.

— Todos nós temos medo, não é mesmo? — ela diz sorrindo.

— Agora temos menos um — falo, dando um beijo em sua testa, ela sorri e volta a descansar. Fico observando-a, apesar de tanto sofrimento, continua linda, seus cabelos morenos cacheados, seus olhos castanhos, sua pele que nem o tempo foi capaz de danificar... Somos tão parecidas que sempre nos perguntam se somos irmãs. Quando o ônibus para, suspiro de alívio, foi uma longa viagem.

— Parece que chegamos — Ela diz. Sorrio e nós descemos.

— Ela vem nos buscar, mamãe? — pergunto enquanto pego minha mala.

— Sim, filha. — Ela diz, fazendo o mesmo.

Minha mãe conseguiu um emprego porque uma amiga pediu demissão e recomendou-a. Sua nova patroa ficou de nos buscar, mas, duas horas depois, continuamos no mesmo lugar, olhando para o tempo com várias malas, parecendo duas desabrigadas.

— Me atrasei muito? — Uma mulher muito elegante, por sinal, de cabelos longos e preto, olhos verdes e pele branca diz, aproximando-se de nós.

— Bom, faz duas horas que estamos aqui — falo e minha mãe me cutuca brava.

— Desculpa, ela só está cansada — minha mãe diz apertando sua mão. — É um prazer conhecê-la.

— O prazer é todo meu — Ela diz e vira-se para mim — e você, mocinha, está merecendo descansar — agradeço mentalmente.

Entramos no carro depois de guardar nossas bagagens.

— Qual seu nome mesmo? — Pergunto.

— Melissa, e o seu? Acabei me esquecendo.

— Zara — respondo.

— Zara, lindo nome! — ela sorri para mim. — Qual sua idade, Zara?

— 18 anos.

— Então, já terminou os estudos?

— Não, parei um ano porque... — olho para minha mãe constrangida e penso em uma resposta rápida — tive uns problemas de saúde.

— Então temos que ver uma ótima escola para você, Zara — sorrio para ela.

Parei um ano de estudar porque meu padrasto me proibiu de ir à escola, quando minha mãe o convenceu do contrário, era tarde demais, eu já tinha perdido o ano letivo. Chegamos na casa mais linda que já vi, era enorme.

— Gostou? — Melissa pergunta.

— Tá brincando?

Melissa nos mostrou toda casa e por fim, nosso quarto.

— Vocês ficarão aqui, tem banheiro e uma geladeira, caso precisem não se incomodem em usar a da cozinha, vocês podem fazer suas refeições lá mesmo logo após do meu jantar com minha família — minha mãe concorda com tudo.

— Você não se incomoda caso eu precise ajudar minha mãe? — pergunto.

— Claro que não, entendo você querer ajudá-la, a casa é grande e não gosto de muitos empregados — concordo e ela continua. — Minhas regras são simples para isso, Zara, não quero você andando pela casa enquanto meu marido e meu filho estiverem em casa, não se preocupe, isso é raro. Todas as vezes que eles estiverem em casa, se mantenha em seu quarto. Não pense que eu sou chata, mas gosto que as coisas funcionem assim, estamos entendidas?

— Sim, senhora — digo. Fico sem entender o porquê disso, mas não a questiono.

— Senhora está no céu, me chame de Melissa. — Ela sorri e sai do quarto.

— Promete que vai se comportar? — Mamãe pergunta.

— Prometo.

— Mesmo que o filho dela seja lindo?

— Mãe, eu prometo — falo e ela começa a rir. Minha mãe adora me constranger quando o assunto é meninos.

A escolhida. [amostra]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora