Capítulo 64.

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Vendo-me cercada e sem qualquer possibilidade de fuga, não tive opção além de erguer as mãos para que ficasse visível que eu não estava armada. Esperava que isso ajudasse a passar a imagem de uma garota indefesa e apavorada.

O que eu de fato era naquele momento.

Meus olhos lentamente se acostumaram com a baixa iluminação que vinha de dentro das janelas da casa ao lado. Consegui enxergar Lorenzo me examinando antes de abaixar a escopeta. Mei soltou um grunhido nervoso e ele fez menção de erguê-la novamente.

— Pera, por favor! Eu estou sozinha! — falei e embora não fosse uma atuação, não achei ruim que minha voz transparecesse pânico. — Minha cachorra está comigo, mas só. Ela é grande, mas não vai atacar vocês.

Apesar de parecer um dos mais novos dentre os quatro homens, sua posição em frente a eles e expressão particularmente entediada me dava a impressão de que tinha algum poder naquela relação. Lorenzo era alto, não tinha barba no rosto e usava um chapéu estilo cowboy.

— A cachorra te obedece? — perguntou.

— Sim, completamente.

— Mande-a sair, então.

Aquela ordem fez o medo apertar com mais força o meu coração, mas a pior parte era o sentimento de impotência. Eu estava cercada de homens armados, sem qualquer sugestão de sua índole, e só podia obedecê-los na esperança de que não me vissem como uma ameaça a ser eliminada — ou punida. Tentei me consolar pensando que eu não tinha nada a esconder ou oferecer: estava viajando sozinha em busca dos meus amigos; havia vindo de Chapecó, cidade da qual eles provavelmente já tinham conhecimento, pelo que Ana e Pantera haviam me relatado. Ninguém estava comigo e ninguém me esperava.

Perceber aquilo me deixou um pouco melancólica. Pelo menos, era algum sentimento além de medo.

— Garota, junto — chamei e Mei se aproximou de mim. Então ergueu as orelhas quando percebeu que tínhamos companhia.

— E não tem mais ninguém com você nessa casa? — Lorenzo perguntou. — É melhor você falar de uma vez. Se eu descobrir que você está mentindo...

— Não tem — interrompi-o, não querendo ouvir ameaças. — Somos só eu e ela.

— Entendi — falou, então tirou o cigarro da boca para soprar a fumaça para cima.

— Lorenzo, você acha que... — Um dos outros homens tentou falar, mas foi interrompido. Era mais alto que Lorenzo, branco como ele mas mais magro, com cabelos escuros escorridos.

— Cala a boca, Ian. Qual é o seu nome, garota?

— Rebeca.

— Rebeca, eu sou Lorenzo. Vou te explicar qual é a sua situação: não era para você estar aqui. Temos garotas conosco e não queremos assustá-las. Então, você vai colaborar comigo e não vai me dar motivo para achar que você é uma ameaça, tudo bem?

Estreitei os olhos, ainda imóvel. Seu tom de voz transparecia calma. Desinteresse, até. Eu não gostava daquela confiança exagerada, como se eu não fosse mais do que uma mosca, mas definitivamente era melhor do que medo.

— Tudo bem.

— Tire sua mochila e pegue isso aqui. — Com a mão livre, tirou algo das costas e jogou em minha direção. Peguei no ar um pedaço de corda. — Você sabe dar um nó? — Engoli em seco e assenti. Leonardo havia nos ensinado alguns que aprendeu no tempo do exército. Quis que ele estivesse ali. — Então prenda a sua cachorra. Primeiro o focinho, depois em volta do pescoço, como uma coleira. — Abri a boca para protestar, mas ele me cortou, sem alterar o tom tranquilo: — Rebeca. Só não queremos que ela ataque ninguém, tudo bem? Ela é grande e não conhece nenhum de nós.

Em FúriaWhere stories live. Discover now