Capítulo 50.

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Abri os olhos e os fechei imediatamente por causa do forte latejar em minha cabeça. Então, permaneci mais tempo do que era necessário com eles fechados, tentando comprar tempo enquanto repassava mentalmente os detalhes em que pude reparar nos poucos instantes em que eles estiveram abertos.

Eu estava em uma sala fechada, algo parecido com um escritório: estava bem iluminado graças ao sol que entrava pelas janelas largas e havia uma escrivaninha, de onde uma mulher me encarou. Sua pele negra era retinta, a cabeça careca e havia algo branco que eu não consegui identificar no lado direito do seu rosto. Seu olhar fez um arrepio atravessar meu corpo.

A outra coisa em que eu reparei, igualmente desconcertante, era em Samuel ajoelhado na minha frente, com os braços atrás do corpo e a boca coberta com uma fita silver tape grossa. A lateral do seu rosto estava suja de sangue seco, havia uma atadura nova em seu braço e seus penetrantes olhos azuis estavam fixos em mim.

Só então tentei mover discretamente minhas próprias mãos, apenas para encontrá-las também atadas às costas. Senti a aspereza da corda justa roçando nos meus pulsos e engoli um gemido de frustração, desejando que pudesse engolir também o medo que me fazia suar frio. Então tentei respirar fundo, sabendo que não poderia fingir que estava com dor para sempre.

Abri lentamente os olhos, sentindo um pouco de dificuldade por causa da claridade. Aos poucos me lembrei do conflito na noite passada, do encontro com homens desconhecidos, do grito de Samuel dizendo que eles eram inimigos e... de ser nocauteada. Provavelmente estávamos no dia seguinte, sendo feitos de refém. Apesar de não estar com fita na boca, permaneci quieta.

Então finalmente percebi que Mei não estava ali e meu coração acelerou. Virei o rosto para os lados, esquecendo momentaneamente a situação em que eu e Samuel nos encontrávamos, tentando achá-la em algum lugar. Sermos levados de refém era uma coisa, mas nem todo mundo consideraria a vida de um cachorro digna do transtorno de trazê-la junto.

Enquanto procurava por ela, lutando contra as lágrimas, percebi que haviam duas pessoas próximas a mim, uma em cada lado. Reconheci a cicatriz da mordida do homem da noite passada, e agora também havia uma menina que não deveria ser muito mais velha que eu. Ambos tinham armas em seus coldres. Também percebi que eu estava ajoelhada, com as costas apoiadas contra uma poltrona virada na direção da mulher careca, e por algum motivo a formalidade da situação me fez entrar ainda mais em alerta. Se eu e Samuel havíamos sido levados até ali, eles provavelmente queriam nos arrancar informações...

Lembrei do ferro quente de Klaus, a última pessoa que me torturou para conseguir as respostas que queria.

— Calma, calma, não precisa se desesperar. — A mulher do outro lado da escrivaninha falou primeiro, um sorriso largo no rosto deixando os dentes brancos à mostra. — Sua cachorra está aqui comigo.

Senti vinte quilos saindo dos meus ombros quando ela puxou um pedaço de corda e Mei acompanhou o movimento, saindo de trás da escrivaninha. Minha companheira ergueu as orelhas e abanou o rabo quando me viu, soltando ganidos excitados, mas seu focinho estava preso em uma focinheira.

— Uma graça ela, aliás. E o único motivo para eu não ter colocado uma bala na sua cabeça ainda, sabia? — comentou com naturalidade enquanto acariciava a cabeça de Mei. — Eu mesma gosto muito de cães e, por ter um tão bem cuidado a esta altura do apocalipse, pelo menos sei que você não é nenhuma maníaca. Para a sua sorte, temos isso em comum. Lobo!

O súbito aumento da sua voz me fez estremecer e a princípio não entendi o motivo de gritar aquela palavra, até uma cortina negra passar ao meu lado.

Afastei-me por reflexo por causa do susto, o que fez o Pastor Belga virar o rosto na minha direção. Seus pelos eram longos e escuros e o corpo tão grande quanto o de Mei. Uma das orelhas estava cortada no meio, conferindo-lhe uma aparência particularmente aterradora, mas ele sequer mostrou os dentes para mim. Continuou caminhando até a mulher na escrivaninha e Mei tentou rosnar por trás da focinheira conforme ele se aproximou.

Em FúriaWhere stories live. Discover now