Capítulo 22.

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Eu precisava manter a respiração estável.

Era questão de vida ou morte.

Quer dizer, nunca deixava de ser, mas aquela era a questão de vida ou morte daquele dia. E, como todas as outras, precisava ser tratada com igual cautela.

Eu tinha de ignorar as pontadas que ainda eram frequentes quando eu inspirava. Na verdade, sequer podia respirar muito profundamente, porque isso seria o suficiente para nos denunciar aos mais perspicazes. Precisava ignorar as gotas de suor misturadas à chuva que escorriam pelo meu rosto, os impulsos treinados por quase um ano naquele inferno, que me urgiam a tirar o machado de Leonardo do coldre e cravá-lo na cabeça do zumbi mais próximo.

Que estava cada vez mais perto, aliás.

Depois de tanto tempo, considerava-me alguém experiente em meio àqueles monstros. Não sentia mais o nervosismo incapacitante, a angústia de gritar por ajuda... Na verdade, se tornou fácil reduzir meus barulhos, verificar rapidamente os arredores e calcular uma rota de maneira efetiva. Mas também, todas as vezes que eu fazia isso, estava de armas em punho e pronta para derrubar qualquer criatura que se aproximasse demais.

Apesar da necessidade ter me tornado igualmente letal com facas, sempre dava preferência à armas de longa distância. Eu realmente odiava ter zumbis próximos de mim (e de nada tinha a ver com seus cheiros repugnantes).

Então senti um puxão leve, quase imperceptível, no pedaço de corda em minhas mãos, e entendi que Samuel provavelmente percebeu (talvez pela minha respiração acelerada) que eu estava tendo dificuldades e tentava me lembrar da importância de manter o foco. Ou era apenas o que eu interpretei, visto que não podíamos abrir a merda das nossas bocas e eu estava à beira de um ataque de nervos.

Meu amigo segurava a outra ponta de uma corda de pouco mais de um metro e meio, a única coisa que nos mantinha unidos e também nossa única maneira de "comunicação" em meio àquele plano de maluco. Corrigi-me mentalmente: não, Samuel não era maluco. Na verdade, era paciente e capaz de controlar seus impulsos... características que de maneira alguma se aplicavam a mim. Ele não era maluco de estar tentando aquilo. Eu era.

"Sem falar, sem movimentos bruscos, respira baixo e devagar..." tentei lembrar a mim mesma, mas estava começando a achar o calor cada vez mais infernal. De maneira nenhuma eu arriscaria atravessar uma rua repleta de mortos em plena luz do dia sem usar uma jaqueta de couro, mas o clima começava a ficar sufocante. Todas as dores que me acompanharam nas últimas semanas pareciam mais intensas do que nunca naquele momento.

Um leve puxão de Samuel na corda chamou a minha atenção e percebi um movimento sutil da sua mão, indicando que seguiríamos para a direita. Era ele quem estava na frente e também ditava o caminho, então mudou a nossa rota a fim de desviarmos de um quarteto de zumbis que vagava na direção contrária.

Estávamos a cerca de seis metros deles, mas não podíamos parar. Qualquer mudança inexplicável de comportamento podia ser o suficiente para alertá-los que não éramos mortos vagando ao acaso, mas sim as presas que eles tanto ansiavam. Caindo de bandeja a menos de alguns passos deles.

Para que a estratégia de Samuel funcionasse, precisávamos nos camuflar entre eles. Nossas semelhanças físicas tornavam aquilo mais fácil: em diversos graus de decomposição ou não, as criaturas ainda tinham a forma humana. Quando os possuíam, caminhavam com seus dois pés em ritmo persistente. Mesmo os que despontavam em corridas frenéticas quando encontravam uma presa, apenas andavam enquanto não havia nada que atraísse sua atenção. Além de tudo, a chuva fina que caía em seus olhos que nunca piscavam certamente devia dificultar a nossa identificação.

A princípio, hesitei com o plano, pois pensava que seria necessário que abandonássemos qualquer arma ou vestimenta que chamasse atenção, mas Samuel me mostrou o contrário. Na verdade, lembrei como eu e Melissa costumávamos nos divertir apontando para zumbis peculiares que encontrávamos em nossas buscas.

Em FúriaTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon