Capítulo 3.

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— Rebeca?! — A voz de Alex me assustou e só então percebi que havia me desconectado completamente da conversa há alguns minutos.

— Desculpa, eu tava pensando numa coisa... — Quando ergui o olhar, percebi que a atenção de todos na mesa estava em mim.

Dei um sorrisinho sem graça e Alexandre riu de mim:

— Que cara é essa? Parece que recebeu uma notícia ruim, garota! — ele disse e Paulina lhe encarou feio, fazendo um sinal com o rosto para a sala de estar da família Rosa. — Puts... Desculpe, Bruna.

— Tudo bem, eu reconheço que não sou tão importante quanto a galinha... — A loira estirada sobre o sofá da sala tentou brincar, mas não conseguia esconder a expressão de dor.

O grupo de saque composto por Celso, Antônio, Darlene e Bruna deveria voltar apenas dali a dois dias, mas o ferimento da loira os obrigou a abandonar a busca e voltar mais cedo. Seguíamos a regra decidida em grupo de não viajar de noite, por isso a chegada do carro no momento em que a janta era servida deixou todos extremamente apreensivos. Bruna entrou no condomínio com a ajuda de Celso, segurando o braço colado ao peito e com o corpo coberto de suor.

Enquanto Victória improvisava uma tala, Darlene, também sobrevivente do grupo de Klaus, contou que haviam parado para abastecer num posto de gasolina próximo a Tubarão. Como nossas viagens de busca se concentravam para o Norte e Oeste do estado, o quarteto resolveu iniciar o desbravamento da parte Sul, mas se depararam com estradas completamente engarrafadas e densas hordas de zumbis. Cansados e famintos perto do final do dia, foram descuidados durante a vigia e receberam o bote de um grupo de errantes. Felizmente conseguiram escapar com vida, mas com vários graus de ferimentos. A pior entre eles era Bruna, que caiu de mau jeito sobre o próprio braço e suspeitava de uma fratura. Não tinham coragem de seguir viagem naquela condição, então aproveitaram o resto de luz do sol e arriscaram fazer a viagem de volta no mesmo dia, chegando já no meio da noite.

— Bruna, deixa seu braço apoiado — Victória disse, naquela voz doce e ao mesmo tempo incisiva moldada pelo mundo pós-apocalíptico. Colocou um travesseiro no colo da mulher e a ajudou. — Essa noite você dorme aqui para evitar mexer muito, tudo bem? Vou te dar mais um analgésico e amanhã vemos como está a dor e o inchaço.

Minha amiga aparentava cansaço após suturar dois cortes (feitos pelo vidro que uma bala estilhaçou) e cuidar dos demais ferimentos. Apesar de tentar tranquilizar Bruna, não conseguia disfarçar completamente a insegurança de lidar com aquele tipo de emergência. Victória aprendeu muito nos últimos seis meses, aproveitando cada visita que precisávamos fazer ao grupo do hospital para oferecer ajuda e aprender com os médicos de lá. Ainda tinha o material de estudo de Alana e fez questão de adquirir novos livros naquele meio tempo, mas estava longe de se considerar capaz de lidar com a maioria dos ferimentos.

Apesar da amizade que cultivamos, nenhum dos grupos disfarçava a relação comercial que nos interessava: precisávamos de atendimento médico e eles tinham dificuldade em alimentar tantas bocas (mesmo estando fortemente armados e contando com um grupo bastante robusto para buscar alimentos). Porém, a hesitação de Victória em pedir ajuda se devia à quantidade exorbitante de mantimentos que devíamos, acumulada pelas diversas visitas que Elisa precisou fazer durante as complicações da gravidez. Inclusive, dentro de alguns dias, ela estava escalada para voltar ao hospital com uma leva de mantimentos reservada à eles.

— Ainda tá pensando na galinha, né? — Paulina perguntou, tomando um gole de sua taça de vinho. Antes do grupo ferido chegar, estávamos comemorando o achado das duas galinhas enquanto Tom contava os detalhes de como as encontraram. Bebidas alcoólicas variadas não faltavam no nosso depósito, mas era de bom tom regular o consumo apenas quando havia motivo para comemoração.

Em FúriaOù les histoires vivent. Découvrez maintenant