Capítulo 19

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Outubro, 1992
Morumbi, São Paulo

Marco observava a filha de 8 anos focada no dever de casa. A pequena tinha o olhar atento e escrevia no caderno com delicadeza. Maraisa era como ele. Focada, determinada. Muito diferente do irmão, que era muito igual a mãe – apenas em características boas, porém. Cesar era aventureiro, gostava de atividade ao ar livre, apaixonado pela natureza. Maraisa gostava de livros, de curiosidade, historias antigas. Ela era a garotinha dos olhos do pai.

Em determinado ponto, Maraisa parou de escrever. Olhava fixamente para o caderno como se pensasse. Sentindo a dificuldade da filha, o pai se aproximou e sentou ao lado dela na mesa.

- o que foi, querida? – os olhos escuros de jabuticaba o olharam para ele.

- como era minha mãe?

- achei que já tivesse falado... lembra? Era igual a você.

- não de aparência. De jeito. Tenho que escrever 15 linhas.

Marco olhou para ela e suspirou. Como descreveria Almira sem acabar com a imagem para a filha? Ele sempre quis ser sincero sobre o que levo ele a se separar da mãe deles, mas não achava que era o momento. Eles era muito pequenos. Pequenos demais para entender.

- sua mãe era muito trabalhadora. – ele começou a falar e Maraisa começou a escrever. – ela era secretaria, organizava todos os processos, cuidava das agendas. Era determinada, carinhosa...

Maraisa escreveu, mas algo dentro dela parou. Marco observou o olhar mudando.

- o que foi?

- por que minha mãe adoeceu? – ela perguntou confusa.

Afinal, se ela era tão perfeita, se era tão boa, como ficou doente?

- filha... ainda não sei se está na hora.

- pai, eu já sou grande, eu posso escutar.

Marco se abaixou até ficar a altura dela. Tocou o ombro dela e balançou a cabeça.

- Maraisa, quando for a hora eu vou falar. O que você tem que saber é que sua mãe era incrível, só.

Julho,2022
Vinícola Santa Luísa

A mudança de visão que ela adotou sobre Fernando depois da confissão do mesmo e da conversa com Sonia e Gilda foi uma virada. Olhar para ele agora era diferente, e coisas que ela não entendia no casamento, agora fazia mais sentindo. Ficava aliviada, mas ao mesmo tempo triste. Essas coisas eram para eles terem conversado enquanto casados, para tentarem se entender, para tentarem se curar.

- eu sinto falta desse quarto. – ele falou, parado na porta.

Maraisa tinha ido até o quarto que era deles. Fernando não dormia mais lá, logo que ela foi embora começou a dormir no quarto de hospedes. Ele nunca entrava aqui, e ao longo dos anos Sonia foi deixando o quarto mais fechado, o colchão sem lençol, os moveis cobertos por panos para não pegar pó. Maraisa o olhou por cima do ombro e sorriu.

- imaginei que não fosse mais estar aqui.

Fernando entrou e fechou a porta, acendendo uma das luzes que a essa altura já estava falhando.

- não conseguiria entrar aqui mais... onde fomos tão felizes.

- e onde já brigamos muito também. – ela falou, indo até os armários.

Ele sentou na cama, a observando. Queria que ela tivesse o choque. Quando a mulher abriu os armários e viu algumas peças penduradas, deu um passo para trás. Olhou para ele e sorriu.

Uma vida a mais Onde as histórias ganham vida. Descobre agora