12 | Fiel como um cão

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Eu não conseguia mais respirar sem sentir que tinha o peso do mundo sobre mim. Era exaustão precoce de viver, excesso de má rotina, estafa de dias ruins. A lágrima escorre solitária e meu suor era puro cansaço, sentia que flutuava a maior parte do tempo, pois se a correnteza te arrasta para longe, o mais sensato é boiar até um lugar que dá pé.

Parei de acreditar nas notícias falsas e nas esperanças falsas, estive comprometendo meu corpo para além do que poderia suportar, atos constantes de desrespeito próprio. Alguém à espera de um milagre, um salvador. Entretanto não há nada além.

Neste exato instante em que encaro o teto branco imaculado, percebo que se eu não parar de flutuar, irei me afogar. Nadar para a borda depende apenas de mim.

Talvez Cece estivesse certa o tempo todo, talvez agora eu me veja como uma sobrevivente. Cortei em mim a fragilidade que poderia me ferir, mal sabia eu que cortei toda e qualquer fragilidade. Um ato perigoso, cortar um defeito em si, nunca se sabe qual deles sustenta nossa estrutura.

As coisas parecem diferentes agora. O suportável não é mais suportável.

── Boa Noite

A voz sussurrada adentra o quarto, sequer arrasto meu olhar desinteressado para a mulher de meia idade, que coloca a bandeja sobre a cama, parando e esperando que eu dê um gole do chá morno. Como se eu não soubesse o que tem nesse chá, mas prefiro fingir que caio nos jogos dele.

O tempo tem sido apenas um vago conceito da minha mente agora, eu estava refém deste. Estou trancada aqui a pouco menos de cinco dias, não vejo ninguém e não interajo com ninguém, não há nada além da mesma empregada, os mesmos pratos e talheres, o mesmo vulto de Harry que entra apenas a noite e se levanta antes que eu acorde. Ele é a única pessoa que falo, quando consigo roubar alguma palavra do seu pouco tempo e do desinteresse dele em qualquer coisa que eu diga.

Bebo da bebida morna, entretanto não engulo. Apenas encaro a mulher que espera o segundo gole.

── Tem reclamado de dor de cabeça constante, o chá vai ajudar.

── Um remédio iria me ajudar. ── Respondo.

── Não tenho ordem para incomodá-lo... O chá irá ajudar.

Parece que quanto mais fico aqui, mais tenho medo de sair, a vida se passa diferente neste quarto, ela está em câmera lenta. Tenho sido escrava do tempo e me dissociar da realidade e do que aconteceu alguns dias atrás é a minha melhor rota de fuga.

── O seu chefe não toma chá para dormir, ele tem uma seringa mágica na gaveta. ── Seguro a xícara entre minhas mãos e encaro a bebida pouco antes de contemplar o olhar de espanto da empregada. ── Diga ao seu chefe que se ele continuar me mandando chá eu vou jogar no vaso as droguinhas dele e dá descarga.

Ela me olha, com olhos redondos e saltados em espanto, pigarreando em seguida e recolhendo algumas peças de roupas pelo quarto. Bagunçar a ordem de Harry é o que me dá algum prazer por aqui. As paredes brancas, por outro lado, me dão enjoo e os lençóis cinzas me fazem querer chorar, a claraboia por onde vejo o céu é o meu oásis.

Não é o lugar, é a minha mente, estou presa sob minha própria companhia, exilada em minha mente tumultuada e assustada com cada mínima possibilidade. As teorias são tudo o que tenho e acreditar que sou importante ou a parceira do crime perfeita, me traz algum conforto quanto ao meu destino nas mãos de Harry Peckham.

Pouso a xícara na bandeja depois de cuspir o chá do meu segundo gole sem que ela percebesse, desatenta ela prossegue na minuciosa vistoria pra ver se tudo está em ordem. Apenas me pergunto como Nancy não deu minha falta.

CHELSEA - A Ascenção De Um Narco (H.S)Onde histórias criam vida. Descubra agora