XXII - Jogando-se de árvores

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Ivey

Certa vez, quando tinha sete anos de idade, Ivey ficou presa no topo de uma árvore. Ela não conseguia descer, não conseguia pular, não conseguia gritar.  Acabou presa lá em cima porque queria pegar frutinhas para Aurora. A irmã a avisara que não era boa ideia, mas Ivey não deu ouvidos. Horas depois, agarrava-se ao tronco enquanto torcia para ser e não ser encontrada ao mesmo tempo. Se um Pacificador a achasse, estaria em tremendo apuros. 

Um tempo depois, não saberia dizer quanto, o que mais temia aconteceu: um soldado de branco a avistou. Porém, ao invés de matá-la de cara, ele gritou para que ela se soltasse que a pegaria. Na época, tinha certeza de que morreria de qualquer jeito: ou pela queda, ou por quebrar as regras de colheita, ou se ficasse lá em cima para sempre. No fim, jogou-se e deixou o destino decidir. Ela sobreviveu. 

Agora, Ivey sentia-se na exata mesma situação tantos anos depois: iria morrer de qualquer jeito. 

Andava pelas avenidas vazias com Kane ao seu lado, ambos em completo silêncio. Ela carregava as mochilas. Ele carregava uma única faca. O sol começava a esconder-se, assim como eles deveriam.

—Para. — Kane segurou o braço de Ivey, obrigando-a a virar-se para ele. O garoto era naturalmente branco como a neve, mas parecia ainda mais pálido pela perda de sangue e cansaço. Ainda assim, seus olhos tinham um brilho um tanto predatório. — Isso aqui não vai dar certo.

—Do que você tá falando?

Ele riu, sem humor.

—Do que você acha? Essa aliança improvisada até foi útil, mas já deu por aqui. Não posso confiar em você, e você não deveria confiar em mim.

—Confiar é uma palavra forte. Eu diria ajuda mútua. 

—O ponto é: não tem nada te impedindo de correr nesse exato minuto para o mais longe possível com todos os meus suprimentos. Então me diz, o que está te impedindo?

Ivey o encarou. Ele tinha razão. Durante a longa caminhada, ela tivera diversas oportunidades de só dar o fora. Por que não o fez, então?

O mesmo motivo que a fez se jogar da árvore seis anos antes.

—Porque eu não tenho nada a perder e muito a ganhar. — Ela desvencilhou o braço do aperto dele e respirou fundo. — Odeio estar sozinha nessa droga, adimito. Não tenho habilidades incríveis, não tenho nada pra salvar minha pele quando a hora chegar. Só tenho uma pena e um sonho, e espero que isso seja o suficiente. Você, por outro lado, tem muitas coisas, inclusive um machucado bem feio. 

—Lá vem a mesma proposta de novo.

—Minha proposta ainda tá de pé. — Ela estendeu a mão. — Não precisamos nos machucar ou matar, alguém já vai fazer isso. Que tal um pouco de humanidade no meio dessa loucura? 

 Ele alternou o olhar entre a mão estendida de Ivey e rosto dela por tempo demais. Por fim, suspirou.

—Você não é ameaça nenhuma e, aparentemente, não desiste. Por quê não, certo? — Então, selou a proposta, e um sorriso aliviado tomou a garota. Porém, Kane continuou sério. — Posso até não te matar, mas não pense que vou te proteger se alguém tentar. 

—Nunca que vou pensar isso. Não é como se existisse bondade o suficiente em você para tal coisa. 

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⏰ Last updated: Oct 21, 2023 ⏰

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