X - Sistema humano

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Ivey

Quando sua vez chegou e foi chamada para se apresentar aos Idealizadores, o coração acelerava e as mãos suavam. Para seu azar, eles já estavam entediados.

De repente, todas as ideias pareceram estúpidas. Tinha planejado mostrar sua velocidade e habilidade de se esconder, mas, olhando para eles, sabia que de pouco iria adiantar. Precisava de uma loucura para fazer-se notar.

Oliver, que foi logo antes dela, demorou pouco. Ainda não o viu e esperava que tivesse se saído bem, já que os dois estavam engajados em serem uma dupla. Os outros tributos – céus, odiava essa palavra –, não fazia ideia. Normalmente, os Carreiristas ficavam com notas maiores, entre 8 e 10; os demais, medianos, na faixa do 4 a 7. Não se recordava de alguém já ter tirado mais que dez, o máximo sendo doze; nem tirando menos que quatro, pois para isso precisaria de muita incompetência.

Respirou fundo e limpou a garganta, na intenção de a ouvirem. Inútil. 

Uma onda de irritação subiu à cabeça. Sua vida dependia daquilo, e nem um segundo de atenção lhe forneciam. Não era justo, obviamente. Por alguma razão, lembrou-se do pai.

No Distrito 11, reclamações do sistema tinham tolerância zero. Qualquer fala que os Pacificadores considerassem rebelde trazia execução pública como consequência. Em casa, porém, pequenas queixas eram aceitas. Crescendo, Ivey acostumara-se com comentários questionantes vindos dos adultos: muitas horas de trabalho, recompensas insuficientes; fome e medo disputando para ver quem manteria as crianças acordadas à noite. Habituou-se em pensar no mundo como algo imperfeito, no sistema como algo humano. Erros por toda parte. 

Em algum momento que não soube determinar, esses questionamentos desapareceram. Subitamente, sua própria casa tornou-se outro ambiente no qual precisava tomar cuidado com o que dizia. Do nada, gostavam do sistema. "Se trabalharmos duro, tudo é possível", virou o lema de seu pai. Na época, ficou confusa. O sistema continuava o mesmo, por que de repente suas falhas não existiam mais se nada mudara? Mas algo mudou, sim. As plantações prosperaram, a comida começou a aparecer nas mesas, as bochechas adquiriram um rosado. Por um tempo, acreditou na doce ilusão de que o mundo era justo. 

Trancou a mandíbula. Não acreditava mais nisso. 

A morte iminente já foi aceita, vendo todos treinarem como monstros. Não importava o que ela fizesse ali, patrocinador nenhum nesse mundo poderia mudar o destino. Entretanto, aquilo não significava que iria cair sem gritar. Não queria matar, não queria lutar, mas não podia deixar de expor tudo de errado daquele sistema injusto. 

Se há algo que aprendeu, é que o sistema não é humano. 

Dane-se.

–Ei! – Gritou para os Idealizadores. Confusos com a chamada inesperada, viraram todos a tempo de verem-na mostrar o dedo do meio na cara deles. – Queimem no inferno!

E saiu correndo dali antes que pudessem puni-la.

***

–Como você conseguiu tirar zero?! – Dennis, completamente furioso, questionou a garota à noite, enquanto se reuniam para assistir às notas. Chaff, Melina e Hugo também estavam ali, expressões tão perplexas quanto a do homem. Após verem a nota 7 de Oliver, todos comemoraram e o parabenizaram. Em seguida, os ânimos mudaram completamente com o zero brilhante na televisão ao lado do nome e foto de Ivey. 

No almoço, quando a perguntaram como havia se saído, mentiu dizendo que seguiu o plano original e mostrou sua velocidade. Não conseguiu dizer a verdade, sentia que nem poderia. Agora, também não conseguia pensar em como manter a mentira.

it's time to go - jogos vorazesWhere stories live. Discover now