I - Ainda não estava morta

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Ivey

O destino é algo muito irônico, não?

É impossível controlar o tempo, achar que sabe o futuro é ingenuidade. Entretanto, mesmo sabendo disso, a esperança às vezes obriga pobres almas a julgarem ter certeza do que virá a seguir. Caso contrário, o caos tomaria controle.

A iluminação natural da manhã invadiu o quarto repleto de corpos inertes, por um momento com a promessa de descanso. Porém a realidade não demorou a bater, na forma de uma porta sendo escancarada e um berro:

– Levantem! Já são cinco horas! – Seguido de gemidos insatisfeitos. Mas, apesar do desgosto, as cinco mulheres que ali dormiam levantaram-se.

Ivey foi a última a deixar o colchão, ganhando um minuto a mais por ser a caçula. Depois de uma rápida troca dos trapos de pijama por farrapos de trabalho, ela juntou-se aos quatro primos na mesa da cozinha, na espera da sua fatia de pão pro café.  

– Até que hoje estamos esbanjando, meus pequenos – a avó deles, Rose, disse docemente. 

–Já não somos tão pequenos, vó – Flint, com seus dezessete anos, reclamou. Mas quando ela, em seguida, entregou para os quatro sanduíches recheados, ele calou a boca. 

– Geleia de amoras fresquinhas, aproveitem. 

A comida não durou muito, mas deu lugar a sorrisos nos rostos dos mais novos. Entretanto, ao saírem para os campos de plantio, esses se transformaram em caretas de cansaço com o decorrer do dia ensolarado implacável. No cair da noite, ainda havia trabalho demandado, mas naquele dia – e apenas naquele dia – poderiam encerrar mais cedo. 

– Eu tô com medo. – Não era possível saber quem exatamente dissera aquilo, pois o sentimento era compartilhado por todos na mesa de jantar. 

No dia seguinte, haveria a Colheita. Um tributo feminino e um masculino seriam sorteados entre todos os jovens de doze a dezoito anos do distrito para participarem dos Jogos Vorazes. Ou, como era apelidado carinhosamente naquela casa, "convite para a morte". Ali haviam quatro com seus nomes na roleta. 

– Vai ficar tudo bem – Rose afirmou com segurança, tomando a mão de uma das netas, Willow, que estava do seu lado. – Ninguém aqui vai ser escolhido, estão me ouvindo? Vai ficar tudo bem.

– A Aurora já foi escolhida – Willow, soltando a mão da avó, relembrou. Todos olharam para ela, afetados pelo simples nome mencionado, fazendo-a se encolher no banco. – O que foi? É a verdade. Ninguém aqui quer acabar igual ela.

– Não fala besteira, Willow – reprimiu Ivey, levantando-se do seu lugar para ser ouvida melhor. – Sei lá o que você quis dizer com isso, mas não significa nada. Minha irmã morreu cheia de coragem, acabar como ela seria uma honra. Os Jogos são terríveis, eles são o problema. A Aurora, não.

– Exatamente, querida – Rose continuou, com um tom sempre doce, antes que mais alguém pudesse argumentar. – Não sei vocês, mas eu acredito em sorte. Nas últimas semanas, nossas colheitas estão boas. Estamos até com comida para três refeições, oras! Os dias sombrios dessa família já se foram, quando a Aurora foi levada de nós. Agora, temos tempos de glória. Posso afirmar com toda certeza do meu coração, nenhum de vocês vai ser escolhido. 

O destino é mesmo algo muito irônico.

Menos de 24 horas depois, a mesma Rose estava aos prantos se despedindo da neta mais nova. A família toda não pôde se despedir, por isso estavam na sala do prefeito apenas a avó, Ivey e seu pai. E, por incrível que pareça, a caçula era a mais calma do ambiente.

– Esse sistema injusto! – Mack gritava ao mesmo tempo em que abraçava sua filha fortemente, como se pudesse livra-la dali com isso. – Uma criança! Você é só uma criança!

– Pai, para. Eles devem estar ouvindo.

– Que ouçam! Não tem nada mais que podem tirar de mim! Primeiro a sua irmã, agora você! – Seus joelhos cederam, o levando ao chão junto com a menor. – Eu devo ser a pessoa mais azarada do mundo, não é possível!

– Não fala assim, pai. Ainda tem o resto da família, eles ainda estarão aqui mesmo depois que eu morrer.

Ouvi-la dizer aquilo causou soluços mais intensos, pois ele sabia que era verdade. Era só uma questão de tempo até que o fim de Ivey chegasse. 

Nesse momento, os guardas invadiram a sala para a levar. Precisaram dois deles para soltarem-na do pai e o tirarem daquele lugar. Em seguida, ela acompanhou os restantes para fora da prefeitura a caminho do trem que levaria à Capital. 

À medida que passava pela multidão ainda reunida na praça, podia sentir seus olhares de pena. Era sempre assim com menores de quinze anos, ainda mais uma garota de apenas treze. Ela não sobreviveria, todos sabiam disso. Portanto, era como se já estivesse lamentando sua morte: um funeral antecipado.

Ivey levantou a cabeça e continuou andando – ou melhor, sendo empurrada – até chegar ao meio de transporte luxuoso. Não estava morta. Ainda não .

it's time to go - jogos vorazesWhere stories live. Discover now