XVIII - Truque na manga

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Ivey

Aquele monstro parecia uma mistura de jacaré, cobra e ser humano. Escamas verde musgo cobriam a pele asquerosa, dando a impressão de que estavam encravadas na carne sangrenta. A cabeça ofídia possuía uma boca projetada para a frente com duas presas afiadas — e com certeza venenosas — se destacando no meio de dentes irregulares. Com quase dois metros, tinha pequenos braços que deviam servir para nada de pé, mas deitado conferiam maior velocidade. Já as pernas, musculosas como as de um atleta, mesclavam as articulações humanas com o pé de crocodilo. Tudo isso, unido à cauda do réptil, era capaz de aterrorizar qualquer pessoa.

Eva deu um grito digno de filmes de terror e se apressou para se afastar da água, a tempo de fugir do ataque que a atingiria certeiramente. Mitch empunhou o facão da mão dela e investiu contra a criatura, já que estava mais afastado. Porém, sua arma estilhaçou como vidro ao entrar em contato com as escamas. Seu rosto se transformou em puro desespero. 

Ivey agarrou sua mochilinha e saiu correndo no exato momento que os dois do Distrito 4 concluíram a mesma coisa: não seriam capazes de matar aquele bicho. Contudo, para seu azar, o túnel mais próximo para ambos era justamente o que ela estava escondida. Mal tinha corrido dez metros quando eles a avistaram. 

A perseguição de dois Carreiristas e um animal encomendado diretamente das profundezas do submundo foi incentivo o suficiente para que a garota disparasse numa velocidade quase inumana. Olhando constantemente para trás para verificar a distância, não percebeu o degrau de meio metro no meio do caminho escuro. 

A primeira coisa que pensou ao sentir o corpo ser esmagado contra o concreto duro foi que aquele degrau não estava ali na ida. A segunda foi: fudeu.

Mesmo ignorando as novas dores e se movendo o mais rápido possível, os perseguidores já estavam em seu enlaço quando levantou. Desenfreado e abrupto, Mitch passou voando por ela e pulou o degrau para continuar a corrida. Ela pulou para continuar a fuga, mas foi pega no ar e arremessada para trás. 

Eva lançou Ivey para a criatura com tanta facilidade que parecia que a garota era um saco de batatas. Mas um saco de batatas não se agarra em seus braços, e foi exatamente isso que ela fez. A mais velha caiu junto, com o peso de uma pessoa grudado nos braços. 

As duas rolaram, a velocidade aumentando a dor do impacto. Ivey tentou se livrar do aperto da outra para fugir, mas ela era mais forte. Foi tudo rápido demais para que acompanhasse. Num momento, o cotovelo de Eva pressionava seu peito contra o chão para que ela não levantasse; no outro, o monstro avançava na sua garganta. 

Por puro reflexo, encolheu-se. Mas Eva ainda estava acima de si. Então, a criatura foi diretamente nela. As presas cravaram no crânio. Ela finalmente soltou Ivey para berrar de dor. O berro não durou tanto, contudo. Só enquanto sua cabeça continuava inteira. Quando explodiu com a pressão da mordida, o grito parou. O canhão soou.

A essa hora, Ivey já estava subindo a escada que a levaria de volta à rua. Abriu a tampa do bueiro, saiu e a fechou novamente. O coração batia na boca e os pulmões queimavam. Ela puxou o ar com força, tentando voltar a respirar. Nem percebeu que estava ajoelhada no meio da rua até ser derrubada com um chute. 

—Cadê ela?! — Mitch berrou, dando outra bicuda na barriga da mais nova. Ela gritou de dor e rolou para se afastar. Ele estava tão extasiado que não fora a sua amiga a sair do bueiro que nem conseguiu dar outro passo. No fundo, ele já sabia o que aconteceu com ela. — Cadê ela?!

—Sinto muito — Ivey disse com a voz fraca e rouca de dor. Respirava com dificuldade, as dores a impedindo de levantar e correr. 

Ele parou, encarando o nada com uma expressão vazia. Seus olhos azuis foram ficando vermelhos pelas lágrimas acumuladas. De repente, fechou os punhos e gritou a plenos pulmões. 

it's time to go - jogos vorazesWhere stories live. Discover now