II - Nobre?

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Kane

A viagem do Distrito 1 à Capital era rápida, considerando que faziam fronteira. Desse modo, quando Kane passou pela multidão junto da garota do seu distrito, as pessoas gritaram em plenos pulmões. Educadamente, o garoto acenou e sorriu. Por dentro, estava a revirar os olhos.

Como usual, os dois tributos do 1 foram voluntários. Porém, o que chocou o público naquele ano era que o garoto tinha apenas treze anos. Na visão de alguns, era muita coragem ou muita burrice. Para o bem do sensacionalismo, preferiram a primeira opção.

Sem demora, foi direcionado para o tratamento de beleza. Contudo, não passou nem vinte minutos ali e foi levado à sala na qual um estilista o veria. Observando sempre o arredor, ele pôde perceber bem a decoração sofisticada não muito diferente de casa. 

O que mais lhe chamou a atenção foi a falta de iluminação natural, já que estava de dia e não havia uma única janela no ambiente para aproveitar isso. Pelo menos as paredes não eram brancas, que, combinadas com as lâmpadas fluorescentes, dariam a impressão de hospital.  

– Kane Scobhejilve. 

O garoto virou-se ao ouvir seu nome, dando de cara com um homem de terno completo. Deveria ter cinquenta e tantos anos, mas com plásticas que deformavam seu rosto tentando parecer ter vinte e poucos – essas, porém, não cumpriam o trabalho. Ele colocou as mãos sobre os ombros do mais novo, induzindo-o a se sentar em um banquinho alto no meio da sala.

– Devo admitir, não é todo ano que tenho a oportunidade de por as mãos em um tributo tão... nobre.

Kane riu sarcasticamente.

– Nobre? Eu estou aqui, não? – Questionou de maneira retórica, respirando fundo. – No meu Distrito eu até poderia ser algo similar a nobre, mas aqui, como você mesmo disse, não passo de um tributo. Então, me poupe suas pompas e faça logo seu trabalho.

Entretanto, as pompas não foram deixadas de lado. O sobrenome causava esse efeito na maioria das pessoas que sabiam seu significado. 

Mais tarde, naquele mesmo dia ainda, o garoto subia o elevador com um mentor. Ele dizia alguma coisa sobre escalar árvores, mas Kane não ouvia uma única palavra. Na verdade, estava vidrado na pequena televisão sem som que mostrava a Colheita nos distritos. 

– Vou poder assistir a isso no meu quarto? – Ele perguntou, interrompendo completamente uma fala do mentor (Augusto, pelo que se lembrava) e indicando o aparelho. O mais velho suspirou.

– Sim, você terá acesso a todos os vídeos. Continuando o que eu dizia, é importante seguir meus conselhos para aumentar suas chances de sobrevivência. A sua colega de distrito parece muito interessada no que tenho a dizer, faz perguntas relevan...

– Tá bom, tá bom. – As portas se abriram, revelando o confortável e aparentemente vazio andar do Centro de Transformação do Distrito 1. – Já que ela está tão interessada, pode ir lá. Não perca seu tempo comigo. Eu não me incomodo, juro. 

Ignorou o revirar de olhos do mentor e seguiu até seu quarto, o qual foi acomodado horas antes. Augusto – é, tinha quase certeza que era esse o nome do sujeito – foi o mentor do Distrito 1 escolhido para aquele ano. Ele tinha o tamanho de um urso e, honestamente, a pelagem de um. Havia ganhado os Jogos cinco anos antes, com dezoito. Por onde andava, pessoas desviavam do caminho. Era um cara assustador, com certeza. Mas, na visão de Kane, não tinha nada a acrescentar para si.

Àquela hora, os tributos dos distritos mais afastados ainda estavam chegando. Felizmente, era verdade que o garoto poderia assistir aos vídeos. Portanto, lá estava ele, observando atentamente cada um dos adversários que deixavam o trem enquanto esperava seu estilista aparecer de novo para aprontá-lo para o desfile daquela noite. 

Alguns sorriam, outros faziam cara de mau. A maioria parecia mais velhos, mais que dezesseis com certeza. Pelo que contou, três ou quatro tributos aparentavam menos que catorze. Mais tarde, pesquisaria para confirmar.

Sentou em uma poltrona do quarto, permitindo-se fechar os olhos por um minuto. Precisava se lembrar constantemente do porquê de estar ali. Tinha muitas coisas a pagar, muitas expectativas a serem cumpridas.

Mostaria que era nobre de verdade.

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