III - Conselhos

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Ivey

A garota suava frio no banheiro do vagão. Inclinou-se contra a pia, segurando fortemente as laterais da mobília. De repente, era como se uma corda estivesse presa em sua cintura sendo puxada para apertá-la até a partir no meio. 

A realidade finalmente a acertara. 

Fechando os olhos com força, soltou-se da pia. Seu equilíbro abalado a derrubou no chão, os ossos se chocando naquele piso que parecia uma pedra de gelo. Não ousou olhar o redor, nem quando parecia que todas as suas extremidades estavam estilhaçando. 

—Levanta daí, garotinha. — Isso a fez abrir os olhos.

Chaff, seu mentor, escorava-se na porta, observando-a com um misto de pena e agitação. Ele havia dado um discurso muito motivacional assim que a mesma entrara no trem, algo como: "aceite a sua morte e tente fazer dela o menos dolorosa possível". 

—Eu não consigo — Ivey disse, a voz falhando de cansaço. Mal havia se passado algumas horas desde a Colheita, mas a menina já chorou até esgotarem suas lágrimas. 

Ele se aproximou dela e a levantou pelo braço, causando um tremor por todo o seu corpo. De pé novamente, ela precisou se apoiar na parede para não voltar ao chão. O mais velho colocou a única mão que tinha no ombro da menina, fazendo-a observá-lo com mais atenção.

—Escuta aqui, se você quiser sobreviver o máximo de tempo possível, vai precisar ser forte. Eu sei que é um caralho isso tudo, que você deve tá acabada por dentro. Mas ninguém liga pro que você tá sentindo, e sim pra como vai agir. O mundo não vai parar só porque tu tá triste.

—Me deixa em paz — reclamou, tentando se desvencilhar da mão dele, porém apenas recebeu um aperto mais duro. 

—Eu preciso te ajudar, garota. Ouve o que eu tô dizendo, se isolar não vai dar em nada. Tenta ser amigável, faz as pessoas gostarem de você.

Ela queria chutar ele, mas sabia que estava certo. Nunca ganharia pela força, mas poderia se destacar se conquistasse o coração do público. Portanto, apenas respirou fundo e gentilmente tirou a mão dele de seu ombro.

—Eu tô com fome, com licença. 

Chaff percebeu uma compreensão no rosto dela, então a deixou passar livremente. Ivey foi direto para o vagão-restaurante, onde uma mesa cheia encontrava-se sempre posta. Não estava com a menor vontade de comer, mas se obrigou a ingerir alguma coisa — afinal, ainda era humana e precisava se alimentar.

—O bolinho de laranja é o melhor. — Ela se virou rapidamente para ver quem dissera isso. Oliver, o tributo masculino do 11, entrava de maneira despreocupada no vagão e se sentou na cadeira oposta da que ela estava. — Só não come todos porque eu também quero.

Ela abriu um mínimo sorrisinho e pegou um dos bolinhos. Ao mordiscar, Oliver ficou observando suas expressões para ver se ela gostou. 

—Hum, é bom — comentou ela, com a voz afetada pela boca cheia. O garoto abriu um sorriso orgulhoso de si.

—Eu não disse? 

Por um momento, ambos ficaram em silêncio, apenas aproveitando as respectivas refeições. Pelo menos, o clima não estava constrangedor, mas sim tenso. Uma pequena interação amigável não apagou a razão deles estarem ali. Ao se lembrar disso, Ivey engoliu em seco. 

—Ivey Roux Valentine — Oliver falou reflexivamente, como se o nome tivesse passado por sua mente e escapado pela boca. A garota desviou os olhos para ele, esperando que dissesse algo a mais. Porém, o mesmo continuou em silêncio.

—Sim...?

—Ah desculpa, eu só pensei alto. Tava lembrando, acho que conheço a sua família. Minha irmã é amiga de uma prima sua, eu acho. 

—É possível, você é do sul também?

—O mais sul que dá.

Então, muito comunicativo, começou a contar de toda a sua família. Da situação de seus pomares, da escola, de como foi a Colheita. Oliver lembrava a ela muito o seu primo, Flint, também com dezessete anos e uma língua impossível de ser contida.

—E aí, eu finalmente consegui soltar aquele pequenininho do meu tornozelo e vim pro trem —terminou seu relato, após quinze minutos descrevendo em detalhes as horas anteriores. — Ele me fez prometer que voltaria, e a última coisa que quero é decepcioná-lo. Minha família precisa de mim, sabe? Eu sou o filho mais velho de casa, se comigo já é difícil cumprir com as metas de plantio, sem mim vai ser impossível. Modéstia a parte, claro.

—Eu entendo. Em casa eu sou a mais nova, mas ainda assim, fico com medo de que uma pessoa a menos trabalhando cause a minha família passar fome. Lembro quando perdemos minha irmã... foi complicado os meses depois.

Ele hesitou por um momento, em seguida a olhando com assombro.

—Espera um pouquinho aí, não é só daí que eu lembro desse sobrenome. Teve uma menina da sua família que já foi pros Jogos, não teve?

Ivey fez uma careta. Um pequeno descuido e seu assunto menos favorito veio à tona.

—É... acontece, né? — E deu uma risadinha desconfortável. 

—Sem ofensas, mas que azar. Duas escolhidas em um intervalo de tempo tão curto que até eu lembro. Porra, acho que nem eu sou tão azarado quanto sua família. 

—Com licença, eu já tô cheia. Te vejo por aí. — Levantou-se, já virando para voltar ao próprio quarto.

—Calma! Foi mal, eu não quis forçar. Se você quiser conversar sobre isso...

—Eu não quero. 

Subitamente, a porta do vagão-restaurante foi aberta, Chaff e Dennis — o representante da Capital no Distrito 11 — entraram com expressões bastante distintas.

—Olha só, os dois já estão aqui. Ótimo, então podemos começar com nossos conselhos — Dennis, com uma animação exagerada, praticamente gritou.

—Conselho número um: não façam o que acabaram de fazer.


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