XI - Cair da neve

15 4 0
                                    

Kane

–Eu não acredito nisso – o garoto sussurrou para si mesmo, sem tirar os olhos incrédulos da tela onde a companheira de distrito era entrevistada. A plateia e os outros tributos que prestavam atenção também mantinham expressões similares. Até Caesar Flickerman, o Mestre de Cerimônias responsável pela interlocução dos tributos há 33 anos, conhecido por sempre levar as conversas para lados positivos, parecia desconcertado com Ruby.

–E foi assim que envenenaram minha garrafa d'água! Eu tô dizendo, foi tudo planejado! – Por fim terminou seu monólogo de quatro minutos e meio que explicava a teoria da conspiração, vulgo a que alguém queria matá-la antes de chegar na arena. Ela quase ultrapassou o limite da entrevista, cinco minutos. Ceasar, com apenas trinta segundos sobrando, perguntou das suspeitas, que foram alegremente respondidas: – Os do 4, é claro. Só porque nós não ligamos para a proposta de aliança deles, aqueles dois estão querendo acabar com tudo antes de começar. Mas eu juro, vou caçá-los até o inferno naquela arena!

–Boa sorte na sua tarefa então. Senhoras e senhores, uma salva de palmas para Ruby Jondz!

Mas o aplauso que se seguiu foi, no mínimo, ridículo. Daquele jeito, Ruby perdeu todos os patrocinadores que supostamente tinha, mesmo com a nota 9 do dia anterior. Podia ser visto no rosto da plateia a decepção: e se todos os tributos daquele ano fossem desinteressantes?

Kane sentiu a responsabilidade recair em seus ombros. Não podia deixá-los pensarem isso. Se o público julgasse os Jogos como chatos, os Idealizadores triplicariam o inferno na arena. Não, sua entrevista teria de ser espetacular.

A única coisa que ele não percebera foi que aquela edição já estava fadada a reviravoltas.

–Obrigado pela deixa, qualquer coisa depois de você vai ser incrível – ele não pôde evitar de murmurar para Ruby ao se esbarrarem enquanto ela saía do palco e ele entrava. Pelo canto da vista, reparou o revirar os olhos. Não importava mais, todos os olhos estavam nele agora. Sorriu e acenou para as centenas de fileiras cheias, para as câmeras e para Caesar. 

O apresentador parecia animado para começar uma conversação de verdade, como sempre. Nesse ano, possuía os cabelos e lábios tingidos de verde neon. Aparentemente, aquela cor estava na moda da Capital. Ele sabia disso pois Ettore pôs um delineado desse tom, afirmando que o público adoraria o detalhe que ressaltava os olhos azuis claro. 

–Kane, o cara do momento! – Caesar introduziu, levantando-se para apertarem as mãos. Em seguida, ambos sentaram em poltronas de frente uma para a outra, com a multidão e as câmeras ao lado acompanhando tudo. Sorridente e com um tom de zoação, indagou: – Antes de começarmos, nos diga um negócio, como pronuncia esse sobrenome? Acredito que não fui o único a quase pular da cadeira ao ver esse palavrão na minha frente, não é pessoal? – Quase toda a plateia riu, concordando. – Scob... ah, eu não consigo!

–Acredite, até os dez anos eu também não sabia pronunciar isso aí – afirmou, unindo-se a todos na risada. Mentiu, obviamente, já que seu pai o obrigara a proferir o sobrenome da família assim que começou a falar. Segundo ele, tratava-se de algo que jamais poderia errar. Mas precisava se conectar com a plateia, e tendo falhas bobas em comum trilhava um ótimo caminho. – Tente em partes, Scob-hel-jive. – O mais velho tentou, porém falhou de modo cômico. Mais uma onda de risadas se seguiu. – Com o tempo você aprende. 

–Certamente que sim, vou seguir seu conselho, afinal, parece que você sabe o que faz. Conte para nós, o que aconteceu na Cerimônia de Abertura? Aquilo com certeza foi chocante.

–Bem, desde a hora que subimos na carruagem os cavalos já estavam agitados. Demorou até demais para eles se rebelarem. – Fez menção em arregalar os olhos por um milésimo de segundo, arrependido pela escolha de palavras. Rezou mentalmente para que ninguém tenha percebido sua pequena hesitação e continuou a contar. Narrou o que lembrava do evento, exagerando de leve ao relatar seus feitos. – Aí eu joguei a adaga improvisada e, pronto, problema resolvido. Simples.

–Se isso é simples, fico imaginando o que fez para conseguir seu 10 nas apresentações. Poderia nos revelar um gostinho?

Sabia que não podia. Na verdade, nem queria. Ninguém precisava saber da sua carta na manga. Então, apenas abriu um sorriso de lado despretensioso.

–Tudo o que posso afirmar é o que eu fiz, seja o que for, – piscou para a câmera mais próxima – mexeu com os Idealizadores. Vendo minha nota, acho que foi pelo lado bom. 

–Disso eu tenho certeza. Nossa entrevista já está acabando, mas acho que temos tempo para mais uma pergunta: por que você se voluntariou tão cedo? Não conseguia esperar para trazer a glória pra casa, hein?

Sentiu a bomba se armando no peito. Ele havia se preparado para aquele questionamento, que obviamente viria. Todos se perguntavam isso. Em suas cabeças, achavam que ele poderia esperar mais alguns anos para entrar na arena e na loucura dos Jogos. 

Entretanto, a realidade não era exatamente assim.

–Não há motivos para esperar se já estou pronto – mentiu com tanta convicção que seria impossível dizer o contrário. Olhando para a platéia, ansiosos pela frase de efeito que seria o clímax da apresentação e marcaria o seu fim, declarou: – Minha vitória é como o cair da neve: o único destino possível é para baixo.

it's time to go - jogos vorazesOnde histórias criam vida. Descubra agora