XIX - Quem é o bonzão agora?

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Ivey

Utilizando da sua nova maneira de se movimentar, a garota não demorou para se afastar de Mitch. Porém, não parou para descansar até conseguir a distância entre eles que considerou segura. Não fazia ideia qual direção havia pegado, mais para perto ou longe do templo em que chegaram, mas não ouvia nenhum sinal de outras pessoas, então achou bom o suficiente.

Já devia ser perto das duas da tarde. A última refeição dela foi o almoço do dia anterior, que parecia ter sido uma vida atrás. Precisava comer.

Começou a preparar uma fogueira. Com a falta de galhos, usou de inspiração a fogueira dos do 4 que viu mais cedo: acendida a partir da faísca de dois tijolos em atrito e alimentada pela corda que havia em sua mochila. Duvidava que fosse usar aquela corda e, mesmo que precisasse depois, alimentar-se agora era mais importante. Escondida no canto de um andar aleatório, seria difícil alguém passar pela rua e ver a luz da fogueira. Poderiam até localizar a fumaça, mas ela não planejava ficar parada por tempo o bastante para isso acontecer. 

Ela tentou esperar a cabeça do peixe cozinhar por completo para comer, mas não conseguiu aguentar a fome. Ficou uns cinco minutos sobre o fogo até ser devorado pela garota. Em circunstâncias comuns, ela teria achado nojento. Agora, era a coisa mais deliciosa que já experimentou.

Enquanto comia, apagou a fogueira. A corda continuava utilizável, só um pouco carbonizada na ponta. Bebeu mais um pouco do que sobrou da água na garrafinha, deixando ainda dois dedos do líquido para depois. Terminou o peixe com um suspiro de satisfação. Em seguida, verificou os ferimentos cobertos pela faixa em sua cabeça. Não estavam mais sangrando, mas poderiam infeccionar a qualquer momento. A possibilidade a preocupou, porém, não tinha nada que pudesse fazer para impedir isso.

Se ao menos eu pudesse lavar as feridas, pensou. Mas não tinha a menor chance de voltar ao subsolo, não com aquele monstro lá embaixo. Além disso, a única outra fonte de água que conhecia era no templo, outra alternativa impossível. Devia ter mais opções, só que ainda não descobertas.

Até queria dizer que por hora ela estava bem, mas não era verdade. Uma cabeça de peixe e alguns goles d'água não sustentam ninguém por muito tempo, principalmente com o tanto de machucados que a garota possuía. O corpo inteiro dela doía e implorava por descanso, mesmo estando parado. E o pior é que ela não fazia ideia de onde procurar o que precisava.

Encostada na parede, fechou os olhos para prestar atenção apenas nos barulhos ao redor. Silêncio quase absoluto. Hora ou outra, piar de pássaros. Pegou-se perguntando que espécie era aquela. Será que tinham passarinhos daqueles em casa? Não soube identificar.

Falando nisso, como estavam as coisas em casa? Queria forçar a mente para imagina-los. Vizualizar seus primos e primas torcendo por ela, seu pai falando o quanto a ama, a avó espalhando palavras de esperança, os tios e tias acompanhando cada movimento que fazia. Mas sabia que imaginar a deixava distraída, totalmente desconexa da realidade. E, além disso, uma partezinha dela tinha medo de divagar demais e a saudade a consumir. Agora mesmo, já estava desconcentrada.

Voltou a prestar atenção nos ruídos ao arredor no exato momento que um barulho diferente soou. Abriu os olhos imediatamente.

Murmúrios de dor vinham de alguns andares abaixo. A respiração da pessoa estava pesada o suficiente para ser ouvida daquela distância. Os passos, tão arrastados que ecoavam pelo edifício inteiro. Desse jeito, aparentava que a qualquer momento um canhão soaria. 

Ivey se levantou para tentar ver quem era o indivíduo. Pelas frestas da escada, pôde ver um borrão branco andando no andar de baixo. Seu coração deu um salto no peito.

it's time to go - jogos vorazesWhere stories live. Discover now