XXI - Um baile nos Carreiristas

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Kane

O garoto compreendeu perfeitamente as feições de Ivey a mudarem enquanto explicava seu plano. Ela ouvia tudo com atenção. Quando terminou seu discurso, Kane calou-se para ver o que ela achava. Por segundos que pareceram horas, a garota apenas o encarou com uma expressão inescrutável. Então, suspirou.

–Odeio dizer isso, mas tem razão. A ideia até que é boa. 

–Não é atoa que eu sou o favorito – gabou-se, dando de ombros. – Então, isso significa que você topa?

–Não vejo porquê não. 

Vinte minutos e muitas desavenças depois, ambos posicionavam-se para por o plano em prática. 

Kane, na janela do andar de baixo do qual entrou anteriormente, não tomava o menor cuidado para se esconder dos olhos dos Carreiristas – vulgo seus ex-aliados – que passariam a qualquer momento pela rua. Dito e feito. Ruby, Reyna e Vincent caminhavam sem pressa e atentos, como os caçadores sedentos por sangue que eram. Assim que o viram na janela, Reyna e Vincent saíram correndo para dentro do prédio, enquanto Ruby ficou na rua para o caso dele escapar. 

Tão previsíveis, pensou Kane, sem mover um único músculo para fugir. Ainda não.

Só começou a andar quando os passos pesados dos tributos do 2 já podiam ser ouvidos no andar de baixo. Ele apressou-se um pouco para subir ao próximo andar, pois tinha se esquecido por alguns momentos do seu machucado e como o deixava mais lento. Ainda assim, teve uma margem de tempo para parar no meio da sala vazia e os esperar. Agora, bastava torcer para que sua audição estivesse aguçada. 

–Olha só quem tá aqui, traidorzinho de merda – Vincent ironizou quase gritando, a espada de mais de dez quilos nas mãos. Reyna, logo atrás dele, também cheia das próprias armas, representava uma ameaça um pouco mais silenciosa. – Onde pensa que tá indo?

–Quem diria que eu tô aqui, né? Nem é como se vocês estivessem me procurando. – Sua voz estava consideravelmente mais baixa, já que precisava prestar atenção no ruído mecânico que surgiria a qualquer momento. 

–Você não precisaria fugir se não fosse um apressado, um idiota, um... um... – ele parecia não encontrar a palavra que queria, então repetiu-se mesmo assim: – traidor!  

Kane revirou os olhos. Não havia traído ninguém, só saiu da jogada um pouco cedo demais, fez o que todos eles fariam antes que pudessem prever. 

Aquela manhã havia sido conturbada, turbulenta. Depois de uma noite inteira andando em volta do templo com os pensamentos a mil, o sol levantou-se e, com ele, veio uma dor de cabeça insuportável. Mas ele não tinha muitas opções a não ser continuar com o dia. Os outros três, que desfrutaram de uma noite de descanso, estavam prontos e dispostos a perseguir cada tributo que encontrassem. E foi o que fizeram. 

Com os óculos de raio x que encontraram no meio dos suprimentos, os quatro Carreiristas seguiram por entre os prédios para começar a carnificina. Kane havia argumentado para ficar no templo protegendo as mochilas – parte de si só queria ficar longe deles –, mas foi refutado com um simples "não". Então, estava junto quando encontraram o garoto do 7. 

Ele estava encolhido num canto, dormindo. Acabou por acordar com a risada deles. Tinha quinze anos, mas temeroso como uma criança de cinco. Chorou um pouco, talvez de susto, antes de ter o pescoço cortado no meio. Vincent riu ainda mais com isso.

A busca continuou mais um pouco, mas tinha outro tributo próximo. Muito próximo. A garota do 5, no prédio vizinho. Coincidência muito oportuna. Kane queria fugir dos três desde a noite passada, então arquitetou um plano rápido para dar o fora assim que o canhão da menina soasse. Agora, nem se lembrava mais qual era esse plano exatamente. Com a cabeça cheia de dor e medo e incerteza, qualquer vislumbre de esperança pareceu genial.

Nem preciso dizer que não deu certo. Um outro canhão soou antes, os movimentos do garoto não foram rápidos o suficiente, Ruby estava próxima demais. Quando se deu conta, estava correndo no meio da rua com a lateral cortada, derramando sangue livremente. Para melhorar a situação, com os tributos mais perigosos em sua cola. 

Agora, pelo menos, seu plano era mais razoável, mais certo. Ivey confirmou isso. 

No mesmo segundo que Vincent avançou contra Kane, o ruído mecânico que antecipava uma bola de fogo soou. O mais novo agachou a tempo das brasas passarem entre os dois. Imediatamente, fugiu para as escadas que levariam ao andar de cima. 

Os dois o alcançariam a qualquer milésimo de segundo, Kane sabia disso. Mas também contava com o padrão de disparo das bolas de fogo que observara anteriormente. Isso significava que em 3... 2... 1... 

A bomba atingiu certeiramente o ombro esquerdo de Vincent. Ele berrou, largou a espada e caiu no chão. Reyna, logo atrás, também se jogou contra o solo ao perceber que poderia ser o próximo alvo. Kane, entretanto, continuou a rota para as escadas, pois sabia muito bem que a seguinte só viria em dez segundos. 

Esses dez segundos foram o suficiente para o garoto alcançar a área segura. Em seguida, cinco ataques sucessivos vindos de direções diferentes incendiaram o ar daquele andar, impedindo que os tributos ali presentes continuassem a perseguí-lo. Com um sorriso convencido, Kane subiu mais dois andares até encontrar Ivey o esperando. 

–E aí? – A garota questionou, a ansiedade transparecendo nas feições. Porém, como ele não estava correndo e não parecia muito preocupado, acalmou-se um pouco. Ela ainda possuía as mochilas de ambos nos ombros, o que fez Kane se indagar novamente do porquê dela ainda estar ali. 

–Nós temos algum tempo, mas não muito. A Reyna não tá machucada e, sabendo o tipo dela, daqui a pouco vai perceber que pode cair fora se arrastando. 

–Tudo bem então, vamos logo. Seu curativo ainda tá firme? – Ele havia remendado a si mesmo de qualquer jeito minutos atrás e, quando Ivey viu aquela bandagem decadente, fez uma mais resistente. Dessa forma, deveria ser mais fácil de pular de uma janela a outra sem sentir que estava preso em uma máquina de lavar. Ela não entendeu essa piada quando Kane a contou. 

–Deve estar. 

O segundo salto foi menos pior que o primeiro. Nesse, não precisou ser segurado para não cair estatelado a sete andares, mas ainda tinha a impressão de que a alma sairia do corpo. Pelo menos, também não precisou de meia hora de descanso para passar ao próximo prédio de novo. 

Quando se deu conta, já estavam longe dos outros Carreiristas. Ele não tinha certeza de qual direção pegaram, mas deveria ser a contrária do templo. De qualquer forma, agora estava o mais seguro que poderia estar dentro da arena. 

Claro, caso Ivey não decida traí-lo.

it's time to go - jogos vorazesWhere stories live. Discover now