Calma respira

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Eu estaria mentindo se eu dissesse que eu lembrava do que tinha acontecido nas últimas três horas. Minha cabeça apenas me recordava de alguns flashes de dor e desespero, não só meus, mas de todo mundo que estava ao meu redor.

Apenas de uma coisa eu lembrava muito bem: do olhar horrorizado do Wendell me encarando, enquanto corria pelos corredores esbravejando ordens, desesperado, segundos antes de eu fechar os olhos.

Depois, eu acordei ali: grogue, sem dor, o braço direito ligado em pelo menos uns três acessos venosos diferentes, deitada em uma cama de hospital em um quarto branco sem vida nenhuma. Apenas eu e o silêncio, quebrado apenas por uns bipes contínuos e irritantes de um dos monitores ao meu lado.

Fiz menção de levantar o tronco para sentar na cama, mas uma fisgada na barriga fez com que eu desistisse no mesmo instante e lembrasse o motivo de eu estar ali. Os bipes no monitor claramente dispararam, enquanto eu puxava o lençol branco, destapando minha barriga, na tentativa desesperada de entender o que havia acontecido durante o tempo que eu estava apagada.

Por óbvio, o pequeno volume no meu abdômen ainda existia. Mas eu estava mesmo era preocupada em saber se a "monstrinha" que ali habitava ainda estava bem.

Fiz menção de tentar levantar novamente, mas fui interrompida pelo barulho da porta abrindo e um pigarro de reprovação vindo daquela direção.

- Meu deus, você já acordou? - um homem alto e moreno, vestindo um jaleco branco, adentrou o quarto, caminhando devagar até a cama - achei que o calmante ia fazer efeito por mais tempo...

Ameacei responder algo, mas só o fato de respirar fundo para tentar falar fez com que meu estômago doesse.

- Dói, né? - o médico me lançou um olhar pesaroso, mexendo em um dos monitores ao meu lado - os remédios são fortes para o estômago. Mas em algumas horas vai passar...

- A bebê... - finalmente consegui interromper, me esforçando para soltar uma mísera palavra.

- Está bem - ele sorriu, se encostando na beirada da minha cama - você teve descolamento de placenta. Provavelmente por excesso de esforço físico - o médico me deu um claro olhar de reprovação, fazendo com que eu mordesse o lábio inferior.

- E agora? - eu soltei, nervosa, sentindo meus batimentos cardíacos acelerarem e os bipes dos monitores, mais uma vez, aumentarem.

- Se você estivesse com a gravidez mais avançada, eu recomendaria o parto. Mas, hoje, ainda é muito cedo... - ele suspirou, sem desfazer o olhar sério - inclusive, é a primeira vez que vejo uma gravidez tão no início ter descolamento de placenta...

Senti uma onda de raiva e desespero subir pelo meu peito, fazendo com que algumas lágrimas surgissem nos meus olhos e escorrerem, quase que imediatamente, pelas minhas bochechas. Era óbvio que a minha irresponsabilidade em levar a vida como se nada diferente estivesse acontecendo ia resultar nisso.

A rotina de shows, a correria, o estresse, os problemas amorosos... Eu tinha colocado absolutamente tudo acima da maternidade. E eu quase havia perdido minha filha por isso.

- Calma - o médico enxergou o desespero nos meus olhos e a culpa me corroendo por dentro - vou te dar alguns medicamentos e você vai repousar. Por completo. E tudo vai ficar bem.

Concordei com a cabeça, olhando ao redor, me atropelando nas palavras para verbalizar o que eu estava angustiada para dizer.

- Eu preciso do meu celular... Ele deve estar desesperado...

Encontro com o passado - MADELLOnde as histórias ganham vida. Descobre agora