CAPÍTULO FINAL

Começar do início
                                    

Não entrei pela porta da frente de casa, pois não queria encontrar ninguém. Novamente, estava guardando esse momento só para mim.

Deitei em minha cama e respirei fundo, esse seria o último sopro de novidade de Pablo em minha vida. Abri na primeira página e antes de começar a ler, tornei a fechar.

Comecei a chorar. E se aquelas páginas não trouxessem nenhum alívio? E se só piorassem? E se ele dissesse algo ruim no diário que estragasse toda uma possível ilusão que eu alimentava sobre nós?

Abri, dessa vez, na página do meio. Consegui distinguir sua letra dizendo "dia três de...".

Tornei a fechar.

Envolvi o diário em um lençol, com todo o cuidado do mundo, e guardei embaixo da minha cama. Eu não estava pronta para fazer isso, imaginei que talvez nunca estivesse.



Um dia depois...


Marga tossiu muito nesse dia em especial, quando fui visitá-la. Continuou tossido por quase cinco minutos e mesmo depois de beber o copo de água que eu lhe ofereci, continuou tossindo ruidosamente.

Quando cruzei a porta, fui recebida com o mesmo sorriso de saudação e percebi que, assim como na toca do Magrelo, o tempo aqui parece não andar da mesma maneira. Depois que repeti o meu processo de verificar se tudo andava em ordem, sentei-me ao seu lado e pela primeira vez Marga foi quem fez a primeira pergunta:

- E como você se sente?

Complexo.

- Não sei - respondi. - Um monte de coisas ao mesmo tempo. É uma sensação esquisita, como se não fosse existir o próximo segundo do mundo, e quando esse mesmo segundo surge, simplesmente não estou preparada para ele. Entende?

- Sim, amor. Entendo perfeitamente.

- É tudo tão... Errado! Não deveria ser assim. É tudo tão sem sentido, sem propósito, que tenho certeza de que o mundo não deveria funcionar dessa forma. Nós tínhamos planos para os próximos cinquenta anos. Estávamos construindo algo e agora tudo isso foi em vão! - desabafei.

Marga sorriu para mim.

- Melissa, ninguém passa por nossa vida em vão. Absolutamente nada é inútil - e voltou a tossir, muito mais debilitada do que antes.




Ela está certa.

Naquela noite, peguei o caderno debaixo da cama e sentei-me para ler, aproveitando cada segundo daquele momento. Senti o cheiro do Pablo pregado no coro da capa, podia ser apenas a minha imaginação e eu não ligava.

Um passarinho pousou na janela do meu quarto. Atrás dele, a lua se encontrava cheia e reluzente. O céu estava limpo, ideal para voar.

Resolvi abrir na última página.

Pela data, esse texto foi escrito na época em que tínhamos brigado. Não iria me intimidar por isso, respirei fundo e li.



Olá, caderno de memórias.

Eu sempre soube que queria voar, mas nunca soube o porquê. Encontrei um milhão de funções sociais para o meu objetivo e as propaguei como se fosse verdade, mesmo sabendo que, para mim, nunca foram.

MAIS LEVE QUE O AR (HISTÓRIA COMPLETA)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora