8. MACHADO DE ASSIS, ME PERDOE

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Kara zorel

Sinto-me culpada por mentir para todo mundo, não que nos últimos tempos eu não tenha feito isso, mas a evolução de uma mentira sobre como eu me sinto para uma sobre onde eu estava das dez da manhã às quatro da tarde é um pouco mais grave.

Então me senti na obrigação de contar para alguém o que eu estava fazendo e essa pessoa era minha melhor amiga.

— Você está trabalhando naquela lanchonete de frango horrorosa e ainda por cima vestida de mutante? — Alex pergunta assim que conto a ela, logo depois de eu terminar meu primeiro turno e receber uma linda nota de cinquenta reais.

— Grita um pouco mais alto, acho que aquelas pessoas que estão pintando a unha de preto ali naquela mesa do canto não ouviram. -

— Como se os veteranos de teatro fossem se importar com você. Eles estão lutando muito para trazer a moda Emo de volta — diz com desdém e aponta para uma das poucas mesas ocupadas do refeitório da faculdade.

— Olha, eu sei que você é vegetariana e ativista em prol da causa dos animais e eu acho muito válido e me sinto um pouco culpada quando como um hambúrguer gostoso, mas eu preciso de dinheiro para ajudar em casa. As coisas estão bem complicadas. -

— Eu sei. Ouvi o tio zorel pedindo dinheiro emprestado para o meu pai hoje. - Quase derrubo meu copo de suco de melancia. Meu pai? Ele simplesmente odeia pedir dinheiro emprestado para os outros, ainda mais para quem é da família, mesmo que tenhamos uma família grande, barulhenta e bem unida.

— Ele bateu o carro ontem — murmuro e respiro fundo. — É por isso que tenho que continuar nesse emprego. Preciso ajudar em casa e pagar a rematrícula. -

— Você poderia ajudar mais se voltasse para o... -

— Não irei voltar para a internet. Eu sei que meus pais pensam que eu só parei de gravar por conta das crises de pânico e que você também acredita nisso, mas tem aquela outra coisa. Não posso voltar, não se eu quiser manter o mínimo de sanidade. Certas coisas ficam para sempre, ainda mais quando vazadas. -

— Quem vê assim você teve alguns nudes vazados e não...-

— Alex , você só precisa me ajudar dizendo que estou em época de voluntariado por causa da bolsa. Não quero que ninguém saiba desse meu emprego. -

Percebo que ela quer dizer mais alguma coisa, mas ainda assim permanece em silêncio. Agradeço por isso em pensamento. Tenho que lidar com um problema de cada vez e no momento, todos os meus seriam resolvidos com dinheiro, coisa que claramente eu não tenho.

Passou menos de uma semana desde que eu resolvi retomar minha vida, mas se alguém me dissesse que eu passaria um final de semana vestida de mutante de frango e lendo Dom Casmurro, eu iria olhar para pessoa e perguntar o que ela andava usando para estar tão loucona.
Mas, apesar do calor insuportável dentro da fantasia horrorosa, foi assim que eu passei meu sábado e domingo e meus pais sequer desconfiaram do meu trabalho temporário, estavam mais ocupados fazendo contas e ficando surpreendidos por eu sair de casa sozinha e de bicicleta.

Não é como se todo o meu medo tivesse passado, longe disso. Em muitas horas do meu dia, penso que simplesmente não irei aguentar. Tenho vontade de chorar e voltar para casa. A vida é mais segura em casa, mas Cat me disse que segurança nunca fez as pessoas evoluírem e talvez ela tenha um pouco de razão.

Acho que é por isso que eu estou colocando o endereço de lena luthor em meu celular e me preparando para pedalar até o bairro chique onde ela mora. Trabalhar fantasiada e dançar da forma mais vergonhosa possível não é nada perto de ter de fazer um trabalho com aquela pateta, mesmo que tenha sido ela a responsável por fazer o único ato de gentileza que recebi nos meus poucos dias de emprego.

Se não fôssemos OpostasWhere stories live. Discover now