2.A RAINHA DAS BABACAS

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Kara zorel

Eu não sou horrivelmente desfigurada, nem sequer faço parte daquele grupo de pessoas que são estranhas o suficiente para parecerem mutantes e participarem do filme como discípulos do professor Xavier, eu apenas sou o tipo de garota que sempre tem pelo de gato laranja na roupa e que não se importa tanto sobre quando deve retocar a raiz do cabelo para não aparecer a cor natural.

A questão é que durante os cinco minutos em que conheci lena luthor , ela me fez questionar cada detalhe da minha aparência. Ela me olhou como se eu fosse uma garota repugnante, alguém que sequer deveria ousar estar no mesmo espaço que ela,sem falar em todo aquele papo de eu estar no nicho menos visível do YouTube e que eu seria mais reconhecida se usasse maquiagem e colocasse meu corpo para jogo.

Foi nojento, repugnante e qualquer sinônimo existente não
será o suficiente para mostrar o quanto a odeio.

É por isso que quando a aula de Literatura acaba, a mesma aula que eu não fui capaz de prestar atenção porque estava ocupada demais pensando em formas de fugir do trabalho, seguro meu lápis com muito mais força do que o necessário apenas para não ficar tentada a fazer de lena uma nova espécie de unicórnio com um lápis verde saindo da testa.

Estar com raiva e frustrada me assusta porque eu não sei como lidar com meus sentimentos nos últimos tempos. Qualquer coisa que eu sinta minimamente diferente é o suficiente para que o pavor tome conta de cada célula do meu corpo.

É como se eu fosse um balão cheio demais, frágil, a ponto de a qualquer segundo explodir.

Quando lena  se aproxima da minha mesa, andando daquele seu jeito seguro e com o rosto marcado por uma expressão arrogante, eu sinto um pouco mais de medo, não de eu surtar e atacá-la, mas de deixar transparecer que o problema que me afastou de tudo não está nos meus rins, mas na minha cabeça, e eu não quero que ninguém saiba disso, mas quando o assunto envolve a mim e lena, as pessoas meio que ficam por perto, esperando o circo pegar fogo.

Noto o instante em que ela pega a cadeira da mesa ao lado e a posiciona no corredor, virando o encosto em minha direção e sentando-se de um jeito meio ridículo, apoiando os cotovelos onde deveria ser as costas e me olhando como se já estivesse preparada para nossa troca de farpas.

Por favor, não seja tão babaca, apenas por hoje.

Imploro em pensamento por algo que eu sei que não vai acontecer. Estou no terceiro semestre da faculdade de Letras e em nenhum deles lena foi minimamente gentil comigo.

— Então, mau elemento, como vamos fazer esse trabalho? — ela questiona e eu posso ver o olhar de nossos colegas, estão enrolando apenas para ver como iremos resolver a brincadeirinha do professor John .

— Cada um faz sua parte — falo, tentando parecer tão segura quanto antes, mesmo sentindo como se meu estômago estivesse borbulhando. Sinto a bile subir até a garganta, fazendo meu esôfago arder e sequer sei se isso é possível.

— Acho que deveríamos nos encontrar para fazer tudo do jeito certo, Kara . — Ela ajeita os óculos de aros redondos e eu sei que usa apenas por estética, não por realmente precisar. — Que tal eu ir até sua casa? -

— Eu não quero você na minha casa! - A afirmação escapa da minha boca rápida demais, fazendo com que eu me esquecesse dos olhares que ainda estavam na gente.

— Ótimo, então você vai na minha. — Ela se levanta e coloca a cadeira no lugar. — Não pense besteiras, meu bem. -

Lena pisca  e sai da sala antes que eu tenha tempo de dizer algo. Não demora para seu grupo de fãs ardorosas o seguir para o corredor lotado e não demora nem um minuto para eu sair correndo também, sentindo que iria vomitar minha dignidade com o bolo que mamãe preparou mais cedo.

Os corredores lotados da faculdade parecem muito mais ameaçadores do que antes, talvez porque agora eu esteja sentindo que a qualquer momento irei perder o controle e isso simplesmente não pode acontecer porque não tem ninguém confiável perto de mim.

Minha melhor amiga, também conhecida como prima, Alex , está do outro lado desse prédio e não quero ter de incomodá-la porque sinto que irei passar mal. Na verdade, estou cansada de precisar tanto de todo mundo, é como se eu tivesse sido tirada tanto do eixo que sou incapaz de ser independente de novo.

A prova maior é que quando consigo entrar no banheiro feminino do final do corredor, estou à beira das lágrimas e sentindo o pavor se acumular em mim, dando a impressão de que minha garganta está comprimida, impedindo o ar de entrar.

Tento me lembrar das instruções de Cat, minha psicóloga, quando entro em uma das cabines femininas e me sento em cima da tampa do vaso, mas nesses momentos, minha mente dá um branco, quase como se virasse aquela tela azul do Windows. Eu só consigo focar na falta de ar e no medo de perder o controle.

Respire devagar, até sentir que está com o peito cheio de ar.

Então solte devagar. Sinta que está no controle da situação.

Visualize as coisas que estão ao seu redor.

As instruções flutuam por minha mente enevoada pelo pânico e eu começo a tentar fazer minha respiração acelerada voltar ao normal.

É um pouco difícil visualizar o que está ao meu redor porque estou em um cubículo que não é lá muito higiênico, mas não quero pensar nisso agora.

Concentro-me nas vozes das pessoas que também estão no banheiro e isso alivia a dor pulsante em meu estômago e a ânsia de vômito. Mais alguns segundos se passam até que eu me sinta quase bem.

Não posso evitar o pensamento de culpa quando saio do banheiro e olho meu reflexo no espelho. Meu rosto pálido e sem maquiagem, os cabelos arrumados de qualquer jeito em um nó no alto da cabeça. Lembro- me de que antes, me arrumava uma hora mais cedo apenas por gostar de ficar bonita, agora vejo minhas maquiagens e penso que perderei tempo me arrumando, eu sempre acabo chorando ou suando frio e parecendo um figurante de filmes de zumbis.

Lavo as mãos na água fria e em seguida meu rosto, não deixando de respirar de forma ritmada. Em algumas ocasiões, é um pouco irritante tentar essa técnica para me acalmar. Nas primeiras vezes em que fui ao consultório de Cat, ela me colocava em frente ao espelho e me instruía a como me acalmar, eu ficava um pouco frustrada porque em momentos de crise, respirar fundo é simplesmente impossível.

Na teoria tudo é lindo, mas na hora do aperto, todas essas técnicas parecem distantes demais da minha realidade.

Seco o rosto com o papel áspero que fica em cima da pia e volto a caminhar em direção à sala de aula. O barulho e todas essas pessoas aglomeradas fazem com que a sensação de sufocamento volte a tomar conta de mim, assim como a culpa por não estar conseguindo agir como antes.

Sinto vontade de me esconder em algum canto e chorar de pura frustração, mas continuo persistindo e entro na sala, vendo a minha mesa como se esta fosse uma boia salva-vidas no meio do mar revolto.

Percebo, antes de me sentar na cadeira, os olhares curiosos em minha direção, e me forço a sorrir quando Imra me olha de um jeito preocupado. Tento lembrar das palavras que usei mais cedo. Infecção renal. Se alguém vier perguntar, irei dizer que estou com dor.

Só que, conforme os minutos restantes do intervalo vão passando, começo a sentir a necessidade de ir embora. Aquele sentimento de que sou uma estrangeira nesse lugar toma conta e não demora para o medo fazer minha nuca suar e as mãos tremerem.

Guardo meus materiais e saio da sala rapidamente, pegando um atalho até a parte da frente da faculdade e respirando o ar frio da noite.

Eu sou uma covarde.

É meu primeiro dia depois do atestado e eu sequer aguentei ficar até o final da aula.

Se não fôssemos OpostasOù les histoires vivent. Découvrez maintenant