O Livro (Lizandra's Book)

Capítulo 37

E diante de mim surge a torre
A chance de realizar qualquer desejo

Sigo a estrada para a Vila da Passagem. Na cabeça guardo o som da voz da minha mãe, como prêmio por ter unido Lizandra e Paulina, e no coração o retrato vaporoso de meus pais juntos novamente.

Durante o trajeto relembro tudo que aconteceu nos últimos dias e já sei que vou sentir falta das palavras de Lizandra ou das visões que Alberta me induziu. Concluo que ela foi a responsável pelo desaparecimento da mãe da Dane e reaparecimento depois de tantos anos, trazendo consigo uma poção que me devolveu minha antiga vida. Um claro sinal de gratidão.

Não serei leviano em levantar essa possiblidade. Ficará sendo nosso segredo, Alberta Tolvaj. Independente dos meios utilizados, acredito que os fins os justificam. Estou ciente que em breve a poção dos sentidos perderá o efeito, mas já descobri como mantê-lo para sempre.

Chego à vila tarde da noite e sigo até a casa dos Kinsey onde sou recebido por uma Dane sorridente de braços abertos e coração apertado. Conto tudo que havia acontecido após Mat e Lally se juntarem a nós. Tão logo termino a narrativa dos eventos da noite passada, aproveitando o espanto refletido em seus olhares prossego:

- Mat, acho que está na hora de vocês abandonarem de uma vez por todas essa vila. E vim até aqui lhe fazer uma oferta.

- Pode falar meu rapaz. – Responde solícito enquanto admira sua esposa.

- Gostaria muito que toda a sua família se mudasse para a minha casa e, juntos iniciassem uma nova vida longe daqui. Você deixará de ficar sentado assistindo ao movimento para trabalhar pesado no curtume? O que me diz?

A família se entreolha sem entender direito o que estava acontecendo. Sabem pouco sobre mim, mas o que vivemos juntos estreitou nossos laços e eu me sinto confortável o suficiente para realizar a oferta, mas um dos motivos eu ainda não revelo.

- Darrin vai ajudar vocês. O andarilho quer parar com as andanças e tratarei de pôr uma ancora nele. E se você concordar com a mudança, pode começar a arrumar suas coisas já amanhã pela manhã. – Concluo.

- Não é uma decisão fácil Marcus, vamos pensar sobre sua proposta e decidiremos se iremos morar com você na sua casa. – Pondero Mat.

- Desculpe Mat, mas eu não vou morar mais lá. O único representante da família será o tio. Meu destino será outro. – Revelei.

- Pensei que você e Dane, enfim... – Fala decepcionado ao ver o semblante da filha murchar de repente.

- Sua filha merece alguém melhor do que eu Mat, um homem completo. Um que vai amá-la de verdade. Infelizmente uma parte minha está vagando pelo mundo e eu nunca mais vou recuperá-la. –Digo resignado.

Dane desaparece chorando, para tristeza dos pais, mas eu não posso mentir, ela não merece sofrer. E se for morar em uma vila muito maior, muitos serão os pretendentes. Ela certamente encontrará alguém à altura.

- Passarei a noite na estalagem e amanhã sigo meu caminho. Durante está semana, Darrin virá e dependendo da sua decisão, partirão juntos para uma nova vida. Um merecido recomeço longe daqui. Obrigado por toda a ajuda Mat, sempre terei você em boa conta, independente da tentativa de assassinato. – Brinco, me despedindo do casal.

Durmo pouco é bem verdade. Acordei cedo sentindo o gosto amargo das lágrimas da Dane, mas estou certo de que era isso que eu tinha de fazer. Vou embora sem olhar para trás, mas se tivesse olhado, teria visto Dane acenar para mim. Teria a visto uma última vez.

Enquanto passo pela floresta, no ponto onde tive a visão da perseguição da Lizandra, o vento da floresta, ou quem sabe um último sussurro de Alberta, me revela algo. Uma frase que me enche de tristeza e ao mesmo tempo de esperança. Sigo seu conselho e parto para meu novo destino, acelerando o rítmo do galope.

Abandono a estrada e passo voando ao lado da pequena cabana onde tudo isso começou. Lanço folhas secas no seu interior e sinto que Lizandra penteava os cabelos da filha pacientemente ali dentro.

A noite já havia caído há horas quando o rosto do anão preenche a vigia na casa da senhora Leona Achilles. Ele me reconhece e me conduz até a grande sala, onde moças já conhecidas, me despem com o olhar.

- Boa noite, Leona. Vim conhecer Le Petit. – Digo confiante.

- Como sabe que ela voltou? Não que isso seja da minha conta, mas ela acabou de chegar. – Pergunta a senhora Achilles estranhando minha pontualidade.

- Tenho amigas em muitos lugares. – Respondo.

- Entendo. Leve ele até o quarto Nikolas. – Pede ainda desconfiada, mas negócios são negócios.

Entro no quarto indicado pelo anão e encontro a moça em pé de costas. Ouço a porta se fechar atrás de mim.

- Já faz algum tempo, não é mesmo Anabelle?

A moça reconhece minha voz e se vira assustada, fazendo menção de fugir.

- Como você me encontrou? – Questiona mostrando muito nervosismo e buscando com o olhar uma rota de fuga.

- Isso pouco importa. Não vim lhe julgar, tampouco me vingar. Vim atrás dos serviços de Le Petit. Sendo assim trate de despir-se. – Digo com tanta calma que sequer posso acreditar em minhas próprias palavras.

A moça chora deixando seu vestido cair. Diante de mim, tudo que eu sempre quis. A paixão que me roubou a sanidade, que invadia meus sonhos, que tanto me fez sofrer, agora ao alcance da minha mão, Anabelle, a minha torre dos desejos.

Mas tenho certeza que o meu pedido me fará afundar, e não estou mais disposto a isso. A poção dos sentidos me libertou. Solto sobre a mesa o seu devido pagamento e a deixo chorando sem tocar em um fio de cabelo sequer.

Depois daquele dia ninguém mais me viu. Soube apenas que os Kinsey se mudaram para minha casa e continuaram o negócio da minha família. 

Escrevi esse livro para contar a minha história e porque descobri que a poção dos sentidos não é um liquido de sabor doce. 

A verdadeira poção é um livro. São as palavras que têm o poder necessário para aumentar nossos sentidos.

Fim.

Nota: Deixei algumas páginas em branco. Conte-me um pouco sobre a sua história e passe o livro adiante. Não temos como saber onde ele vai parar, nem a quem vai ajudar. O importante aqui é simplesmente acreditar. Sou testemunha de que as palavras certas podem mudar a nossa vida.

Marcus Ravensdale