Capítulo 36

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Espalho histórias ao vento
Dissipo a tristeza estocada em mim

Os dias seguem com um ar fúnebre. A cor da morte tinge um céu triste repleto com nuvens de lembrança. Durante esse tempo, conto tudo que havia visto e lido sobre Lizandra. O evento da partida de Paulina gera uma enxurrada de perguntas então achei prudente colocar todos à par da história, desde o caminhar triste do inicio até a partida da matriarca, sendo guiada por sua mãe que retornou dos mortos.

Durante esses dias meu tio Darrin vem me visitar, fica ciente da tentativa de assassinato e implora para que eu desapareça dali. Alerta este que decido não seguir. Contrariando toda sua expectativa, peço para acompanha-lo de volta a minha antiga casa, a casa dos meus pais. Apesar de todos os pedidos, em vão, tentando me persuadir a esquecer dos Faucheux, eu iria seguir com meu plano, tendo ajuda ou não.

Despeço-me, prometendo voltar em breve e torço para que possa cumprir essa promessa. Aos poucos vejo o armazém diminuindo de tamanho e parados, na grande porta os quatro representantes das famílias Kinsey e Araya pareciam um retrato, paralisados sob o contorno negro da angustia, aguardando minha silhueta sumir na estrada rumo à floresta. Levo comigo a poção que me foi dada por Lally e um pedido especial que fiz ao Mat, cedido por cortesia.

A viagem demora mais que o normal, talvez pelo ritmo lento do meu tio, ou pelo pedido para eu não partisse de Dane que parecia me segurar. Quando a noite desce, eu já estou em frente ao curtume e sigo até minha casa, a fim de presentear velhos amigos.

A missão dada ao meu tio é simples: entregar à poção para Bettina para que esta fosse misturada no vinho que eles vão beber na comemoração do meu desaparecimento. Um falso motivo para uma visita inesperada de Darrin. Guardo comigo o outro presente que será enviado depois.

Bettina atende a porta, como era de se esperar e as instruções lhe são passadas enquanto ela guarda o pequeno frasco no bolso:

- Isso é veneno? – Pergunta, não querendo se tornar uma assassina a essa altura da vida.

- Não, isso é a verdade. - Respondo oculto nas sombras, fazendo Bettina suar frio só de imaginar que um Faucheux pudesse aparecer.

- Mar... - Diz Bettina sendo interrompida pela mão do tio em sua boca.

- Silêncio! Vamos seguir com o plano. - Sussurra Darrin. - Informe aos Faucheux que eu estive aqui para dizer que Marcus desapareceu.

- Meu Deus! Pensem bem no que vocês estão fazendo. Por mais que eu odeie essa família, não me passa pela cabeça matá-los. - Pondera Bettina.

- Após servir o vinho venha até a porta. Haverá uma encomenda aqui. Leve-a para dentro. - Sussurrei.

A porta se fecha e uma Bettina preocupada transmite a boa nova quando questionada de quem foi atender. Os Faucheux atribuem sua expressão de inquietação a tristeza da notícia da possível perda. Anselme abre a porta, caçando Darrin na escuridão, mas não há ninguém na rua. Enquanto isso Simon, o patriarca da família, ordena que o vinho seja servido, para desespero da empregada.

Uma jarra de vinho é cheia e dentro desta, um pequeno frasco foi esvaziado. A criada faz o sinal da cruz e leva a bebida comemorativa.

- Como prevíamos o rato fugiu! - Grita Jeannot satisfeito.

- Se não fosse pela sua loucura ele já poderia estar morto, seu imbecil! - Retruca Anselme enquanto os copos vão sendo cheios.

- Parem de brigar vocês dois! Parecem crianças! - Ordena a mãe iniciando o brinde.

Os copos se tocam no ar, a cara feia entre os irmãos Faucheux é desfeita e a jarra de vinho volta vazia à mesa.  Após alguns goles os copos vêm lhe fazer companhia.

- Mais vinho! - Grita ainda babando Simon para Bettina que está recolhendo uma saca deixada na porta.

- Que porcaria é essa? - Indaga Jeannot.

Tentando mostrar o conteúdo, Bettina acidentalmente derruba o pacote revelando diversas cordas, cuja semelhança com serpentes faz a matriarca se assustar.

- Deixe essa porcaria ai? Trate de nos trazer mais vinho! Eu já mandei! - Grita Simon batendo o copo vazio sobre a mesa enquanto Anselme chuta as cordas espalhando-as.

Enquanto Bettina enche a jarra com vinho, os Faucheux são preenchidos pelo remorso, levando as mãos à garganta tentando respirar, querendo pedir ajuda em vão. Os olhos esbugalhados buscam ajuda nos outros que também agonizam. Lutando contra si mesmos cada um junta um pedaço de corda, fazem o laço, sobem na mesa e depois de amarrar a outra ponta na estrutura do telhado, dão um passo último passo ruma à morte.

A segunda jarra de vinho explode no chão, quando Bettina presencia os quatro agonizando, dependurados ao redor da mesa. Os espasmos vão diminuindo de intensidade e no momento que Anabelle vem se unir ao grupo, desaba desmaiada ao presenciar a cena.

Na manhã do dia seguinte, enquanto os corpos são retirados da casa, eu e Darrin, voltamos. Encontramos uma Bettina apavorada que nos conta como tudo aconteceu. Disse que deixou Anabelle desmaiada no quarto, mas que pela manhã ela havia desaparecido.

Tratei de acalmá-la e informo que em breve a casa terá novos moradores. Parto para a Vila da Passagem e não posso deixar de sorrir ao ver os corpos dos Faucheux, perfilados em uma carroça descendo a rua. Os mortos me lembraram de algo e desviei meu trajeto, passando pelo cemitério.

Diante dos túmulos de Alec e Katherine eu rezo, peço perdão pelas minhas faltas e os invoco:

- Ibi sanguis ultimam scintillam vitae. Veni ad me, Alec. – Repito chamando minha, Katherine.

A imagem dos meus pais surge translucida em minha frente, tenho vontade de morrer para ficar com eles:

- Não pense isso meu filho, você ainda será muito feliz. - Diz minha mãe me emocionando de tal maneira que eu não tinha voz para responder. Meu maior desejo havia se realizado, ouvir sua voz novamente.

- Desculpe-me Marcus, perdoe seu pobre pai por lhe trazer tanto sofrimento, eu não sabia sobre você e Anabelle. - Fala Alec arrependido pelo rumo que sua escolha tomou. 

Eu ainda não consigo falar, e penso que  gostaria de ter sido um filho melhor.

- Você é o melhor filho que poderíamos ter Marcus, e se existe algo que nos conforta é saber que você é um homem bom. Temos muito orgulho em sermos seus pais. - Diz Katherine abraçando Alec e por alguns instantes me fazendo voltar a sorrir. - Cuide-se. Estaremos sempre com você. - Conclui enquanto se dissipa no ar.

Choro a tristeza de suas mortes prematuras. Em agradecimento a Alberta pelos ensinamentos. Por Lizandra, que sempre acreditou e seguiu seu coração. 

Pelo amor que tenho a meus pais continuarei a viver, mas antes de seguir meu caminho, ainda tenho alguns assuntos para resolver.


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