Capítulo 34

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Que a esperança me guie
E um dia eu volte a caminhar com você

Chego enfim a última página do livro. Temo não gostar do que vou ler aqui. Soa como uma despedida e receio que não tenha um motivo para continuar quando mais uma vez o efeito da poção cessar. Voltarei para o abismo de um mundo sem objetivos. Olho para Dane, desejando poder continuar minha vida ao seu lado, mas ela merece mais do que eu posso lhe dar. Meu coração está nas mãos de alguém que provavelmente nunca mais verei: Anabelle. A senhorita Kinsey sente que está sendo observada e me devolve um olhar sorridente, alheia aos meus tristes pensamentos. Retribuo e continuo a ler.

"Depois que acordei na caverna sentindo meu pé pulsando de dor, lembrei-me de Paulina e usei minhas ultimas forças para retirar as pedras que bloqueavam o caminho. Corri para o esconderijo de Alberta. Estava vazio, assim como ficaram meus pensamentos sem saber o que fazer. Minha esperança recaía sobre Benittes, que mais cedo ou mais tarde apareceria em minha cabana com a minha menina nos braços. Mas os dias passaram com uma velocidade cruel e dizimaram minhas esperanças rapidamente. Comecei a escrever esse livro neste período. Não tive coragem de procurar Alberta e buscar a verdade.

Como reagiria se ela confirmasse a morte da minha filha? Provavelmente me mataria também para ir ao seu encontro. E foi com minhas lágrimas que escrevi cada uma destas páginas. Apenas alguém com os sentidos muito aguçados será capaz de ler, alguém como você. Estou ficando sem lágrimas, e já contei tudo sobre a minha história. Vou usar a insanidade que me guia para mais uma vez falar com Alberta e partir para o meu destino seja ele qual for,  em busca de minha filha ou para o desfiladeiro, de qualquer maneira eu irei reencontrá-la. Por ela eu sei que vale a pena viver ou morrer."

Dane está adormecida abraçada a mim quando sou tomado por uma visão, depois que uma rajada de vento perpassa meu corpo colocando-me em transe. Mais uma vez me visto com corpo de Lizandra, desta vez nos seus momentos finais.

"Guardo o livro na estante, deixando um pequeno frasco com a poção dos sentidos oculto atrás dele. Sigo até o tumulo da Alberta preparada para a pior das noticias. Invoco-a de joelhos esperando obter a informação que definirá o meu destino. Ela surge sorridente à minha frente, sua expressão me conforta:

- Há dias você não vem Lizandra, aguardava ansiosa o seu retorno. – Diz o vulto da mulher enquanto vai tomando forma.

- Temo pela verdade, não estou preparada, acho que você consegue me entender. – Digo.

- A verdade nesse caso é sua amiga Lizandra, sua filha vive! – Responde a senhora da floresta com uma alegria radiante.

Ponho-me de pé sentindo a vida inundar-me novamente e pergunto:

- Onde ela está?

- Na Vila da Passagem, sendo protegida pelo seu esposo Benittes. – Revela Alberta. – Mas tome cuidado, ainda estão caçando a nova bruxa da floresta. Use a noite a seu favor.

Agradeço ignorando o aviso e corro na direção da vila. Sinto-me radiantemente leve, como se meus pés não tocassem mais o chão, mas volto à realidade com um grito:

- Ali!

Vejo dois homens em suas montarias partindo em minha direção. Corro no sentido oposto buscando a proteção da caverna de Alberta. Avançam rapidamente e quando estou prestes a me esconder ouço o som de um tiro. Fazendo a mira na minha direção está um dos cavaleiros. A fumaça azul esconde seu rosto, e uma revoada de pássaros até então invisíveis se espalha no céu. O empurrão me atinge as costas e sinto a bala queimar dentro de mim, o impacto me lança para o interior da caverna. 

O mundo está imerso no mais profundo silêncio, ouço o som dos cavalos se aproximando e os passos dos cavaleiros. Sinto o gosto do sangue inundando minha boca, enquanto tento em vão me levantar. Deixo um rastro de sangue nascendo na entrada da caverna e terminando na cama de palha de Alberta, aonde desabo já quase sem forças. Sou virada pelo pé de um dos meus caçadores que agora estão na minha frente felizes com a vitória:

- Ateie fogo! Vamos garantir que ela não saia desta caverna nunca mais! – Ordena o que empunhava a arma.

Aos poucos, minha visão se nubla pela fumaça que sobe da cama e a presença da morte que se aproxima, convidada pelo som do disparo. Sinto meu corpo queimar à medida que o fogo ganha força e mergulhada no mar da dor eu lembrei da minha filha, do meu esposo, dos momentos felizes ao lado do meu pai e da minha mãe e por fim de Alberta:

- Não era para ser assim Lizandra, eu prometo que você reencontrará sua filha novamente, eu juro." 

Volto do transe de sobressalto assustando a senhorita Dane:

- O que houve Marcus? Você está pálido. Está tudo bem? – Pergunta ainda tentando se recuperar do solavanco.

- Está tudo bem, mas por mais estranho que isso possa parecer eu acabei de ver como a sua bisavó morreu. – Respondo recuperando-me da experiência de sentir a dor de ser queimado vivo.

O Livro (Lizandra's Book)Where stories live. Discover now