I58I - Jantar

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Era ridículo ter que usar um vestido nessa situação, mas quando a noite caiu e a lua surgiu, eu usava prata cintilante como as estrelas. 

Criadas carrancudas haviam invadido o quarto e me oferecido tantas opções com os cumprimentos do simpático anfitrião que pensei que só podia ser uma forma de tortura. Por fim, eu tinha apontado sem olhar para uma peça em um amontoado. 

O vestido era lindo, não possuía saiotes para aumentar seu volume, nem tecido demais que limitasse meus movimentos, era acinturado com alça finas e um decote que me fazia parecer ter mais dotes naturais do que eu realmente possuía.  

Quando olhei meu reflexo no espelho do quarto, me senti incrível. Eu não tinha mais olheiras ou ossos saltados, as cicatrizes dos ferimentos que eu tinha ganhado haviam desaparecido como se nunca houvessem existido, meus lábios estavam corados e macios. E não era apenas isso, meus olhos estavam diferentes, o preto comum e sem graça, estava vivido e brilhante. Nada da garota de meses atrás que se olhara no espelho com amargura e desilusão. 

 Eu me sentia poderosa.

O que era uma baita insanidade já que se meu plano não desse certo, Raymond e eu teríamos que lutar até a chegada da meia noite, quando eu desapareceria sem explicações levadas por Eksean até o meu pai. Sem dúvidas, uma bela sobremesa para o jantar oferecido pelo Lukoi.

Esperei até que Kay reaparecesse para me guiar pelo castelo. Ele veio com passos apressados e uma expressão culpada no rosto. Ficamos em silêncio por todo o percurso, eu não tinha mais palavras para oferecer, tudo que me importava era encontrar uma forma de fazer Raymond se confessar para mim e de sairmos todos inteiros.

Quando chegamos na imensa sala de jantar apenas duas cadeiras estavam ocupadas. A do anfitrião com Drivand e a da sua esquerda com Raymond. Vendo-os reunidos um ao lado do outro era incontestável as semelhanças físicas. 

- Ai está ela, nossa estimada Liones. - Disse o Lukoi, levantando-se, Raymond fez o mesmo. - Venha, sente-se ao meu lado.

Fiz como pediu, ocupando a cadeira a sua direita. Eles se sentaram em seguida e Kai deixou a sala.

- O que tem achado do castelo? - Perguntou para mim. Erguendo sua mão para pegar uma jarra com vinho. 

- É bonito. - Respondi com um sorriso falso, enquanto ele se servia.

Eu pouco tinha reparado no castelo além de quando entrei pela primeira vez, minhas prioridades estavam em escapar.

Ele inspirou profundamente.

- Castelos refletem as facetas de seus senhores. - Falou, girando o liquido rubi na taça. - Sabe o que isso quer dizer?

Pensei por um momento na resposta.

- Que a forma como um castelo é construído está diretamente ligada a personalidade de seu dono. Um rei paranoico se cerca de muros, um rei benevolente cria salões grandes para receber sua população. 

- Exatamente. - Disse. - Então irei perguntar novamente, o que achou do castelo? 

Era um teste, como os que Raymond constantemente me submetia. Eu só não fazia ideia do porque o Lukoi querer me testar, sem dúvidas ele tinha um objetivo oculto ligado com a minha ascendência. Talvez roubar o meu poder como Ulrik desejara, mas se fosse só isso, não precisaríamos de toda essa formalidade.

- Solitário. - Respondi, foi a primeira coisa que me veio a cabeça.

- Interessante. Porque escolheu solitário? - Perguntou.

- Não há muitas pessoas aqui e mesmo que houvessem não há salas comuns de uma dependência para outra, apenas corredores, seria difícil encontrar alguém que não estivesse indo para outro lugar de forma apressada, também não vi jardins internos e até mesmo essa sala, apesar de grande é totalmente fechada. 

Não havia janelas na sala de jantar, apenas a porta principal e uma porta lateral.

Ele me estudou por um momento, depois olhou para Raymond.

- Fez uma boa escolha.

- Não preciso da sua aprovação, Lukoi. - Respondeu. 

Por um momento me veio o pensamento contrario, desde que me falara do seu alvo, Raymond me instruíra a melhorar minha compostura e comportamento. Tudo tinha sido apenas um subterfugio para me fazer chegar mais próximo do composto Lukoi e fincar uma adaga em suas costelas quando menos esperasse? 

O que Raymond pensaria ao saber que eu havia negociado uma saída que não acabaria com Drivand morto? Teríamos outra oportunidade para mata-lo? E se não houvesse, uma guerra estouraria porque fui covarde e optei pela saída mais segura? Ele havia me pedido para partir antes, havia me feito juras e promessas, escancarado seus sentimentos mais de uma vez. Ele não me culparia por apenas salva-lo privando-o de sua promessa de vingança ou estaria enganada?

Só há um jeito de garantir tudo. Tome-o agora, um ataque enquanto a guarda do Lukoi está baixa.  

 Olhei para Raymond e depois para o Lukoi. Eu tinha deixado minha espada no quarto, não havia lugar para esconde-la no vestido. Se tivesse que derrota-lo teria que ser apenas com o meu próprio poder. Com a constante de caos e ambição que parecia aumentar a cada vez que eu usava. 

Sangue era o preço. Olhei para os talheres na mesa, arrumados de forma impecável. A ponta afiada de uma faca ou o dente de um garfo seria o suficiente. Lentamente inclinei minha mão em direção a faca.

- Tragam os pratos, quero que estejam bem alimentados para a disputa. - Anunciou o Lukoi, fazendo com que vários empregados saíssem da porta lateral carregando bandejas. 

Eles rapidamente cobriram a mesa com dezenas de opções, cada uma cheirando espetaculosamente bem. Apenas um empregado permaneceu com sua badeja, a única que fora coberta, ele ficou parado atrás de Raymond.

- Pedi que preparassem um prato especial para você, não queremos que o resultado da disputa da Cidade do Norte se repita. - Disse o Lukoi, com um ar severo na voz.

Ele estalou os dedos e o empregado se moveu colocando o prato em frente a Raymond, assim que puxou a cobertura percebi do que se tratava.

Fresco com um cheiro metálico que se espalhou pelo ar, banhado com o mais escarlate tom de sangue, havia um coração. 

Um coração humano.






VermelhoWhere stories live. Discover now