34 - O Bastão de Salomão

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Não havia um único arranha-céu na cidade e a névoa caía feito cortina translúcida a farfalhar sob a iluminação dos postes públicos

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Não havia um único arranha-céu na cidade e a névoa caía feito cortina translúcida a farfalhar sob a iluminação dos postes públicos. Morcegos rodopiavam em torno da torre da igreja no centro da praça com pilhas de entulho e madeira a circundá-la. Deslizou o dedo na vidraça da janela do quarto do hotel, incomodada com a imagem do portal aberto no bosque a qual mesclava com a paisagem enfadonha da cidadezinha.

Pegou uma lata de cerveja da geladeira. O que fazer agora? Faria por Gar o que fez por Olin? O trataria com a mesma devoção? O amor tinha lá suas obrigações e regras, ao menos foi o que Olin e Bel a ensinaram. O murmurinho da água assinalava que Gar estava disposto a se demorar no banho como gostava de fazer. Tinha por hábito relaxar na banheira, o banho demorado o ajudava pensar, dizia. Precisava pensar também, por isso solicitou tequila e uísque ao serviço do hotel. As opções da geladeira eram medíocres demais para alguém pressionado a pensar no rumo a tomar.

Da mala de Gar entreaberta no chão, um cabo peculiar feito de ouro e cobre escapava, e a ilustração do livro saltou à mente. Sem titubear apanhou o objeto e boquiaberta, tanto pela beleza quanto pela vibração espalhada pelo braço como um leve choque, a arrebatou e lançou Beatrice numa lembrança ainda mais perturbadora.

Quando ela e Olin evocaram o demônio pelo ritual do livro dos LeBlanc, não foi hostil ao se materializar na casa abandonada onde abriram o portal e se dispôs a responder algumas questões. Muito interessada em saber sobre o pai, questionou o demônio, alegava ser capaz de saber tudo sobre o passado e o futuro, e disse na noite fatídica que para encontrar o pai tinha de encontrar o portador do cetro de Salomão.

Gar.

Qual a relação dele com o pai? Ou o bastão tinha por poder conjurar algo em particular? Analisou todos os desenhos da peça, as pedras preciosas encravadas ao longo do cabo, as inscrições em letras hebraicas. Não tinha dúvida, se tratava do Bastão de Salomão. Contudo, o ritual feito para materializar Saul insistia no uso da baqueta. Gar tinha o poder de trazer demônios para o mundo. Estava ligado aos demônios os quais a perseguiam? Queria matá-la?

A ponta da baqueta, em diamante, se iluminou e pulsou. O colar ressoou. Os dois objetos estavam sincronizados? A pulsação das luzes combinou com o próprio coração de Beatrice e a envolveu em tênue claridade tal qual fogo brando. E o estado hipnótico a carregou para uma espécie de sonho.

E a voz sibilou e a enlaçou, repetindo feito mantra tibetano, num tom grave e vibrante. "O Veneno de Deus é seu nome. É a mão esquerda de Deus. General de hostes angelicais. Soberano nos infernos."

O campo estava forrado por cadáveres frescos. Abutres e corvos deliciavam-se no banquete medonho de mortos vestidos com elmos e armaduras, agarrados aos seus escudos e espadas. O sino de uma antiga catedral badalava misturando-se ao estranho mantra, assim como ao murmúrio da rebentação contra as pedras de um mar invisível de onde estava. Figuras negras e humanoides arrastavam-se sobre os defuntos, disputando-os com as aves e aventuravam-se para além do bosque de pinheiros coberto pelo nevoeiro.

E o Verbo Se Fez Carne  ⚠️Completo⚠️Where stories live. Discover now