28 - Fuga

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Não esperava que o destino fosse a mansão dele, por mais agradável que fosse, Ayla teria preferido um restaurante ou teatro

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Não esperava que o destino fosse a mansão dele, por mais agradável que fosse, Ayla teria preferido um restaurante ou teatro. Distribuía tarefas aos criados, um dentre os quais a serviu a taça de champanhe. O jardim bem cuidado a convidava para a aventura embora a noite fria e desagradável implorava para que ficasse dentro de casa. Andras caminhava de um lado a outro compenetrado, preparava-se para algo, não ousou incomodá-lo, as tarefas aparentavam carecer urgência. Organizado e pomposo, diferente de Beatrice em todos os sentidos. Por que não ficar ao lado dele? Por causa de sonhos sem sentido? Ou do anel de sua avó? E sorriu, lindo, com o cabelo cobre cortinando o semblante luminoso. Andras a guiou ao terceiro andar, um terraço com piscina, janelas de vidro as quais iam do chão ao teto e se sentaram em poltronas confortáveis. Acendeu o charuto e bebericou o uísque. Focou o celular.

— Gar está retirando Faure da cidade.

— Ela concordou com isso?

— A mensagem dele foi bem clara. E preciso fazer o mesmo com você. Ao que parece você não está disposta a abandonar Faure e seguir com sua vida.

— Não tenho muitos amigos e nós somos parecidas.

— Parecidas? Você e Faure? — Riu, divertido.

— Nós duas mostramos o contrário do que realmente somos, por razões similares.

— Quais razões?

— Fomos criadas entre as pessoas comuns, educadas para sermos medíocres, porém não somos.

— Não, não são.

— Tentamos nos adaptar ao mundo. Bia vestiu a máscara da indiferença e eu da dissimulação.

— Não é dissimulada, meu anjo. É tão sensível que temo te quebrar ao tocar. Faure em contrapartida é uma diaba e se enfiou numa confusão enorme. Minha amizade com Gar me força a me preocupar com ela. Acho que pude provar ao longo desses meses de que não sou o demônio que pensa que sou.

Não provou. Contudo, considerava o que Bia dissera, se quisessem matá-la teriam feito, ao contrário não despenderiam tanto valor para mantê-la viva. E seus pensamentos divagavam entre os acontecimentos mais recentes. Beatrice se mostrou má, assim como provou ter Andras certa razão ao falar dela. Além de que, óbvio que Gar era amigo íntimo do demônio sedutor, e com ele deixava a cidade naquele momento. Se Bia apaixonada podia ficar com o homem do qual gostava, por que não lutar pelo amor que sentia?

— Não tinha por intenção te emudecer. — De posse do controle remoto encheu o ambiente com musica clássica.

— Clássica?

— Combina mais com você. E é ambiente, não tenho como errar. Gosto de pensar ao som de musica clássica.

— E no que pensa?

— Tenho muito no que pensar, bem mais do que gostaria. Nos negócios, na sobrevivência entre seres hostis, em você.

— Com o que trabalha?

— Sou empresário. E por sorte tenho uma boa equipe, assim posso me focar apenas em proteger você e Faure.

E não continuou. Elias adentrou a sala acompanhado de poucos criados. O primeiro entregou o computador para Andras e se sentou ao lado, os criados dispuseram pratos elegantes e apetitosos no bufê ladeado por vasos altos de alabastro. Do outro lado da vidraça as copas sacudiam-se iluminadas de baixo para cima e a cidade distante crescia como pontos luminosos entre veios negros de morros. A princípio a conversa afigurou-se interessante, tratavam de negócios e planos, as fantasias revolveram na mente como uma revoada de pássaros selvagens.

Imaginou-se casada, vivendo na mansão. Espiou o quintal pelos vitrais, construiu em minutos um parquinho para os demoninhos os quais seriam seus filhos. E como um longo filme, milhares de anos à frente se desenharam no tédio do momento. Andras não queria deixar qualquer pendência, afirmou, e todo o romantismo escoou para o ralo ao entrarem no carro.

Nem se lembrava do momento em que consentiu em deixar a cidade, arrebatada por seus sonhos de amor, a falta de perspectiva, o desemprego. O que havia para ela? O que Santa Fé ainda tinha para oferecer? Entre conversas banais, discussões sobre qual seria a próxima musica a tocar, fantasias criadas no negrume da estrada infinita, cochilos e pesadelos. Um alívio hospedar-se num hotel de quinta à beira da estrada, precisava descansar.

O banho relaxante a afetou como se tivesse despertado de um sonho. Procurou pelo celular na bolsa para falar com Haniel e se certificar de que sua casa não tinha ido pelos ares. E deu-se conta que não estava de posse do aparelho. Solícito, Andras ofereceu o telefone, entretanto não sabia o número do anjo de cor. O sexo foi rápido e o sono reparador. E encararam mais centenas de quilômetros.

Houve certo nervosismo quando cruzaram a fronteira do país. Deixar a cidade não tinha o mesmo impacto do que deixar a pátria. Ayla chorou. Despiu-se da velha mulher, como se a fronteira fosse um ritual de iniciação. E era. Nunca foi tão longe. Possuída pelo espírito da loucura, nascia uma nova mulher, com outros planos, até as vacas eram diferentes na nação estrangeira.

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E o Verbo Se Fez Carne  ⚠️Completo⚠️Where stories live. Discover now