56 Capítulo 🦊 (1° PARTE) Fim

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RAYKA VARGAS









Eu conseguia enxergar, mas eu não me via ou me sentia. Nada. Eu não sentia nada. Eu não respirava, eu não tinha memória alguma. Não podia descrever o que exatamente eu era, eu não era algo sólido sobre o chão, mas eu estava ali, não pude me tocar, pouco sei se tenho mãos. É estranho, não sinto realmente nada, não me vejo... Eu não existo, não tenho mais vida. É como se eu fosse apenas um espírito invisível sem emoção e do outro lado, no mundo dos mortos. Estou morta... morta.

Que sensação horrível.

Não faço a mínima noção de onde estou e em um passo, não sei exatamente como o fiz, mas pareço está flutuando. Não sinto meus pés, não sei se ainda os tenho. Aliás, eu tinha? O que sou? O que eu era? Onde estou?

Está tudo tão confuso em minha cabeça. É confusão o nome que se dá quando não se compreende nada e fica atordoada, não é? Como sei disso?

Ô meu Deus!

Deus? Quem é Deus, e porque o chamei em meio a essa lamúria?

Alguma coisa, de repente, como um sopro fez-me virar e degraus foram surgindo, um por um, subindo. Observei melhor e não era exatamente degraus sólidos, eram feitos de nuvens brancas e ia diversificando num tom azul a cada pilar que emendava sobre o outro. O processo se repetiu até o topo e logo uma porta branca se abriu e uma luz forte emanou de dentro, causando algum sentimento que eu consegui descrever. Era calmaria, paz, tinha cheiro indestrutível. Era o paraíso.

Aproveitando da sensação e embasbacada, senti finalmente meus pés e pude tocar o pé direito sobre o primeiro pilar de nuvem e um sorriso longo cresceu em mim. Eu sabia que ali dentro eu encontraria respostas, eu encerraria algum tormento da minha encarnação e descansaria a minha alma, o meu espírito.

Feliz, contente, alegre e puramente decidida a subir de encontro a claridade da luz que enfeitava meus olhos e abrilhantava lindamente o caminho perfeito para um descanso eterno, iria firmar meu pé esquerdo no segundo pilar de nuvem para subir de vez e me proteger lá dentro quando abaixo vislumbrei degraus de cimento sujo e craquelado surgindo misteriosamente e emendando um degrau no outro a cada descida, fazendo um barulho ensurdecedor pelo caminho, apavorando-me, me assustando. A fumaça errônea subia pelas crateras que abria a cada degrau de cimento pelo caminho com destino incerto. Por alguma razão, uma lágrima dos meus olhos escapou e eu os apertei com força, me proibindo de chorar ao entender onde aqueles degraus sujos iriam cessar.

Minha consciência pesou numa medida que eu me senti impura sobre os pilareres de nuvens que dava acesso a porta com uma luz divina. O terror em mim foi tão grande que meus pés furavam, cortavam e rasgavam em espinhos.

Em um impulso forte, para escapar da dor na alma corrompida, me joguei para trás e olhei a nova porta que se abriu no fim dos degraus esfumaçando. Então vi fogo, muito fogo, labaredas de chamas enormes sobressaía da porta e o medo, horror e tremor me tomou por completa, deixando-me fraca.

Inferno!

Esbugalho meus olhos e tudo fez sentido, ergui minhas mãos e me vi pegando fogo. Trêmula, minha cabeça revirou e minha vida passou rapidamente em pensamentos. Tudo passou, tudo eu senti e tudo em mim se quebrava. Era dor de espírito entregue ao fracasso. Eu não podia subir, porque o que me despertou foi a descida. Meu lugar não era de encontro aquela luz no céu, a luz que me guiava agora era das trevas.

Chorando uma linha de larva em chamas ardentes, novamente olhei para a porta do inferno e me vi em tormento. Clareava tanto ou quanto a luz do paraíso, era tentador por ressoar em meu corpo como um chamado, me abraçando e me revelando que aquilo que eu era não passava de um ímã atraído pelo inferno.

LUZ NAS TREVAS (3)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora