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Eu sabia que ele voltaria, mas durante boa parte da minha vida, eu neguei isso.

Desde que passei a morar com Gahyeon e nossos pais ficaram na China cuidando dos negócios da família, eu tentei me convencer de que minha vida sempre seria ali, só com a minha irmã e com quem se juntasse a nós, e nunca voltaríamos pra junto dos nossos pais como quando éramos crianças.

Apesar de sempre ter lutado pelo amor deles, com o passar do tempo eu adormeci essa ideia, e nunca mais acessei as memórias de infância novamente. Então, dediquei minha vida a esquecer que tinha um pai e uma mãe, e a nunca deixar ninguém arruinar a vida monótona e isolada que eu e Gahyeon construímos.

Mas no fundo, eu sabia que eles iriam voltar.

O olhar que meu pai me deu no momento que me reconheceu foi como se tudo que eu amadureci, conquistei, ou aprendi durante esses anos, fosse tirado de mim em um só solavanco que me desequilibrou e me fez desmoronar outra vez. Tudo que eu achava que era, todo valor que eu pensava que tinha, e todo o restante de esperança que eu guardava pra ser alguém melhor apesar dos meus erros, em uma fração de segundos foi amassado e jogado no lixo com todo o desprezo que alguém pode sentir.

Ele nunca se orgulhou de mim, e disso eu não precisava de provas e nem ficaria surpreso, pois desde que nasci nem ele e nem minha mãe demonstraram sentir o mínimo de satisfação ao me ver fazendo alguma coisa, ou simplesmente estando vivo.

Isso não me dói mais, deixou de doer faz tempo. Desde que me afastei deles eu pude parar de procurar meios de faze-los sentirem orgulho, e enquanto fingia cursar a faculdade e depositar todos os meus esforços pra realizar o sonho deles, eu secretamente tentava realizar os meus sem me sentir culpado por tentar construir minha vida como quero.

De fato, eu jamais esperava que quando meus pais me vissem eles sentissem orgulho ou esboçassem qualquer reação positiva, mas nunca pensei que alguma coisa doesse tanto quanto a vergonha, o desprezo, a forma como seus olhos mesmo mais baixos que os meus puderam me olhar de cima, e me fazer abaixar a cabeça como alguém que se lamenta desde o dia que nasceu até o dia de hoje.

Vejo meu crachá pendurado e imediatamente me lembro do dia que consegui esse emprego. Recebi uma confirmação pelo e-mail um dia depois da entrevista, e me lembro de bater palmas e gritar baixinho no banheiro da faculdade, depois gastar meus últimos centavos pra poder pegar um táxi e contar pra Gahyeon o mais rápido possível.

Não tive vergonha de dizer a ela, é claro que ela sabia que esse emprego era totalmente distante da realidade que tínhamos, sempre cercados de dinheiro, vivendo em casas luxuosas e andando em carros caros. Nunca fez diferença pra nós dois vivermos essa vida, na verdade, a única coisa que eu e Gahyeon sempre buscamos era paz, e isso nós só encontramos a quilômetros de distância da nossa família.

Desde que eu decidi construir minha vida, ela sabia que não seria fácil, e que sem a ajuda financeira dos nossos pais eu teria que conquistar tudo por conta própria. Nunca me importei, na verdade, pensava que tudo seria mais valioso se eu tivesse conquistado com muito esforço, assim como um emprego de frentista.

Não era grande coisa, eu disse pra ela, mas nada explicava minha felicidade de poder ser dono de mim, de saber que cada won que eu recebesse no fim do mês significava que eu tinha feito meu trabalho corretamente, e que eu poderia ser um adulto independente e conquistar muito mais se continuasse me esforçando com humildade e dedicação.

Gahyeon sabia de tudo, e é por isso que naquele dia ela me abraçou e comemorou comigo, porque quando você ama sua família você compartilha da mesma felicidade quando vê alguém feliz, e quando meu pai me olhou daquele jeito, eu entendi que a última coisa que ele quer no mundo é que eu sinta felicidade.

- 𝘼𝙉𝙏𝘼𝙍𝙀𝙎; (𝘮𝘪𝘯𝘴𝘶𝘯𝘨)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora