014

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É estranho a forma como os seres humanos se adaptam ao que os corrói, ao invés de se livrar do que os machuca.

Há quase duas semanas atrás fui envenenado pela minha própria aura negra, sufocado pela minha metade ruim, incriminado pelas minhas próprias mãos. Há quase duas semanas atrás, meu corpo se tornou uma carcaça de parasitas chamados pânico, desespero, medo, e até mesmo um tipo diferente de amor que me machuca. Eu poderia me livrar disso, mas não está no meu alcance, então eu simplesmente me acostumei.

Depois de me sentir a deriva tantas vezes, as sensações se enraizaram e se tornaram parte de mim. O medo que me assustava e o pânico que me desesperava se tornaram apenas sentimentos comuns, como qualquer outro. O que antes me dilacerava por dentro, de uma hora pra outra se tornou algo rotineiro, e agora quando as mãos do medo me sufocam, eu ainda consigo respirar.

Me pego pensando se somente me adaptei ao que me machucava, ou se fui completamente sugado pela dor e deixei de existir. Tento reecontrar qualquer pedaço de mim que ainda exista, mas nem sempre encontro, e nem sempre me lembro de quem sou.

A sensação era familiar agora, o desespero já não me torturava tanto. Antes eu tentei lutar, tentei fazer o mundo parar pra que eu conseguisse respirar, mas o tempo simplesmente não para. Ninguém esperou por mim.

Então, eu me perdi dentro da confusão de sentimentos até que se tornassem vagos, quase que indolores ou inexistentes. Fui empurrado em um precipício tantas vezes que a queda não me assusta como antes, pelo contrário, cair parece tão normal feito voar. Esse é o problema. Não sei a diferença de estar caindo ou voando, não sei a diferença do bom ou ruim, estou completamente fora de controle e isso nem sequer me assusta.

— Diz pra ele – sussurra em meu ouvido e me faz voltar pro mundo real. Olho quem está na minha frente e não sinto tanto medo agora.

Changbin espera que eu faça algo e seu olhar me fuzila de novo, diferente da última vez que nos vimos onde ele me olhou com pena. Jisung está sentado do meu lado, ainda em estado de choque, esperando que eu mais uma vez fale por ele.

Estou na toca do lobo, sinto que a qualquer momento posso ser devorado quando descobrirem que quem finjo procurar sou eu. Escolho fingir pra não levantar suspeitas, mas sinto que estou fazendo exatamente o que querem que eu faça, e a qualquer momento quem está vindo por mim vai chegar.

— Encontramos um bilhete na cabana onde Bang Chan morreu – coloquei o papel sobre a mesa com as mãos trêmulas.

Changbin olhou confuso, e Changkyun também não parecia satisfeito. O investigador pegou o bilhete nas mãos, e assim que leu a frase vi seu maxilar travar.

— Vocês estiveram lá? Quem te disse onde era?

Engoli em seco, não esperava por essa pergunta. Não podia envolver Hyunjin, mas não conseguia pensar em mais nada.

— É direito dele, senhor – disse Changkyun – Familiares podem ter acesso a essa informação, e qualquer funcionário da delegacia pode dizer.

— Eu sei – bufou – Mas não deviam ter ido lá sem me comunicarem, podiam ter encontrado algo mais perigoso que um bilhete, entende?

— Sim, claro – respirei aliviado.

Changbin olhou para o papel, não parecia tão assustado como nós quando o encontramos. Talvez estivesse se acostumado com seu trabalho assim como me acostumei com minha culpa.

— Isso é estranho, a perícia não achou nada na cabana.

— Jisung acha que colocaram depois porque sabiam que iríamos pra lá – expliquei – Ele acha que o suicídio era falso e que Bang Chan foi assassinado.

- 𝘼𝙉𝙏𝘼𝙍𝙀𝙎; (𝘮𝘪𝘯𝘴𝘶𝘯𝘨)Where stories live. Discover now