A verdade sempre vem à tona

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O Mundo Inferior era grande e cheio. Mas tipo, muito grande e muito cheio mesmo.

Imagine a maior aglomeração de gente que você já viu em um show, um campo de futebol lotado com um milhão de fãs. Agora imagine um campo um milhão de vezes maior do que esse, também lotado, e imagine que a energia elétrica falhou e não há barulho, não há luz, nem aquelas bolas gigantes quicando por cima da multidão (coisas que eu só vi em filme). Algo de trágico aconteceu nos bastidores. Uma massa sussurrante de gente fica simplesmente vagueando nas sombras sem direção, esperando um show que nunca vai começar. 

Se é capaz de imaginar isso, tem uma boa ideia de como são os Campos de Asfódelos. Meio deprimente, né? Pois é. 

A grama preta tinha sido pisoteada por eras de pés mortos. Um vento morno e úmido soprava como o hálito de um pântano. Árvores negras — Grover disse que eram choupos — cresciam em grupos aqui e ali. O teto da caverna era tão alto acima de nós que poderia passar por uma massa de nuvens de tempestade, a não ser pelas estalactites, que brilhavam em um cinza pálido e pareciam malvadamente pontudas. Tentei não imaginar que poderiam cair sobre nós a qualquer momento, mas havia várias delas salpicadas ao redor, que caíram e empalaram a si mesmas na grama preta. Acho que os mortos não precisavam se preocupar com pequenos riscos, como ser espetados por estalactites do tamanho de foguetes. 

— Imagina chegar até aqui, depois de ter enfrentado diversos monstros como a Cachinhos Verdes e o Chihuahua Raivoso, só pra morrer empalado por uma estalactite gigante? — eu pensei em voz alta. — Que vergonhoso...

— Cala a boca que isso atrai. — mandou Annabeth, olhando pra mim repreensivamente. 

— Desculpe...— murmurei, encolhendo os ombros. 

Annabeth, Grover, Percy e eu tentamos nos misturar com a multidão, permanecendo de olho nos espíritos da segurança. Não pude deixar de procurar rostos familiares entre os espíritos de Asfódelos, algo honestamente meio idiota, mas é difícil olhar para os mortos. Seus rostos tremulam. Todos parecem ligeiramente zangados ou confusos. Eles até nos veem e falam, mas a voz soa como trepidações, como o chiado de morcegos. Depois que eles percebem que você não consegue entendê-los, fecham a cara e se afastam.

Os mortos não são assustadores, são apenas tristes. 

Arrastamo-nos, seguindo a fila de recém-chegados que serpenteava desde os portões principais em direção a uma grande tenda negra, com uma faixa que dizia: 

JULGAMENTOS PARA O ELÍSIO E PARA A DANAÇÃO ETERNA
Bem-vindos, Recém-Falecidos!

Do fundo da tenda saíam duas filas muito menores. À esquerda, espíritos flanqueados por espíritos malignos de segurança marchavam por um caminho pedregoso rumo aos Campos de Punição, que incandesciam e fumegavam á distância, uma vastidão desértica e rachada com rios de lava e campos minados, e quilômetros de arame farpado separando as diferentes áreas de tortura. Mesmo de longe, pude ver pessoas sendo perseguidas por cães infernais, queimadas na fogueira, forçadas a correr nuas por plantações de cactos ou ouvir música de ópera. Pude apenas distinguir uma colina minúscula com o vulto do tamanho de uma formiga de Sísifo lutando para empurrar sua pedra até o topo. E vi também torturas piores — coisas que nem quero descrever.

A fila que vinha do lado direito do pavilhão dos julgamentos era muito melhor. Dava num pequeno vale cercado de muros — uma comunidade com portões, que parecia ser a única parte feliz do Mundo Inferior. Além do portão de segurança havia belas casas de todos os períodos da história: vilas romanas, castelos medievais e mansões vitorianas. Flores de prata e ouro floresciam nos campos. A grama ondulava nas cores do arco-íris. Dava para ouvir os risos e sentir o cheiro de churrasco. 

Alex Jackson | A Filha de PoseidonWhere stories live. Discover now