Capítulo 61

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PRISCILLA NARRANDO...

Eu estava num lugar muito seco. Eu usava minha farda e uma braçadeira com uma cruz. Era a farda do exército, exatamente a que eu usava quando trabalhava na Medicom. Eu estava armada, aquilo não era estranho pra mim, embora eu fosse médica, eu andava armada, afinal o inimigo não tinha hora para surgir. Estava tudo muito silencioso, aquilo não era normal. Eu me sentei numa escada de uma ruína e ouvi passos, mas não sabia de onde vinha. Eu me coloquei em posição de defesa com minha arma em punho e olhava em volta.

XX: Priscilla?

Eu: Quem está ai?

XX: Sou eu... Calma... – o sol bateu em meus olhos dificultando que eu visse quem era. E eu vi apenas a farda e os coturnos. Uma mão foi estendida a mim e eu peguei e me sentei na escada novamente e a pessoa sentou ao meu lado.

Eu: Léo? – assustei.

Léo: Oi – sorriu.

Eu: O que faz aqui?

Léo: O que você, faz aqui?

Eu: Não sei... A gente está no Iraque?

Léo: Sim. Estamos. Mas você deveria estar no Rio de Janeiro atendendo seus pacientes, vivendo sua vida, com a sua filha e sua noiva.

Eu: Como sabe de tudo isso?

Léo: Eu estou morto. Eu sei de tudo.

Eu: Eu... Eu estou morta?

Léo: Não. O véu entre a vida e a morte é muito fino. Você não está morta não. Mas está onde te feriu.

Eu: Eu estava tirando pessoas do hospital por causa de uma explosão a fumaça era tóxica. Eu acho que fui intubada, estou confusa, mas eu não conseguia respirar direito.

Léo: Sim, você foi. Priscilla, do que você tem medo?

Eu: Do que está falando?

Léo: Você está com medo de acordar.

Eu: Eu quero acordar. Eu quero ver minha filha, minha noiva.

Léo: Você está com medo Pri. Por causa do seu coração.

Eu: Eu posso não voltar. – abaixei a cabeça triste.

Léo: A gente corre risco o tempo todo. Saindo na rua, trabalhando, até mesmo dormindo. Lembra do fuzileiro Tuck? Você passou 18 horas operando ele junto com a Emilly e mais 4 médicos.

Eu: Sim eu lembro. A gente salvou ele e ele aposentou. Não tenho notícias dele a uns 5 anos ou mais.

Léo: Morreu.

Eu: Como? – assustei.

Léo: Dormindo. Ele passou por autopsia, e as causas foram naturais. Ele poderia ter morrido aquele dia aqui no Iraque, mas você e toda a equipe médica passaram 18 horas usando todos os recursos possíveis e impossíveis para salvá-lo. E ele voltou pra casa, voltou para a família dele. A dois anos eu fui busca-lo. A esposa dele acordou e ele não estava mais vivo. Causas naturais.

Eu: Meu Deus... E como ele está agora?

Léo: Em outra... "esfera" da vida. Ele está ótimo. – sorriu. – Estou dizendo isso pra te mostrar que isso pode acontecer com você e com qualquer pessoa. A única certeza que temos na nossa vida é que a nossa morte chega de uma maneira ou outra. Não tenha medo dela.

Eu: Eu vi sua filha... A Aliah está linda.

Léo: Ela é perfeita. Ela e a Amanda estão se mudando pra São Paulo. Eu estou sempre com elas. Foi difícil partir, mas era minha hora, minha missão terrena foi cumprida e elas estão bem. Estão seguras.

Eu: Porque está aqui ainda? No Iraque.

Léo: Eu venho aqui as vezes, eu tenho pessoas para orientar, mas eu estou mesmo num lugar muito melhor. O ar é melhor, é bonito. Aqui eu trabalhei, e aqui eu desencarnei. E é aqui que eu ainda trabalho. Quando um soldado desencarna, é tudo muito confuso, é muito brutal e eles precisam de ajuda. É isso que eu faço.

Eu: Você disse que eu não estou morta – o encarei e ele riu.

Léo: E não está. Eu vim pra dizer a você pra não ter medo. Aqui não é mais o seu lugar... Você tem muita coisa pra viver. Não tenha medo de voltar Priscilla... Não tenha medo... – ficou de frente pra mim. – General? – fez continência. Respirei fundo.

Eu:A vontade soldado. –ele sorriu e desapareceu. 

NATIESE EM: AMOR A PRIMEIRA VISTAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora