Capítulo 8

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PRISCILLA NARRANDO...

Minha filha está enlouquecendo. Temos muitas coisas para serem curadas nas nossas vidas, e a doença da Emilly deixou tudo muito pior. Quando Emilly me ligou dizendo o que a Bella fez no colégio eu me senti num filme. Aquilo só podia ser um filme horrível, porque a minha filha só podia estar ficando maluca. Agredir uma colega e quebrar dois dedos dela na queda, e por sinal a colega é a filha da doutora Smith, eu fiquei tão envergonhada e com raiva. E para piorar tudo, bateu boca com a diretora e a empurrou contra a parede a fazendo cair e saiu da escola dizendo para ela a expulsar. Minha filha enlouqueceu, não tinha outra explicação pra isso. Eu não estava acreditando naquilo tudo. Pedi desculpas a Betina filha da doutora Smith, fiz uma cirurgia depois fui pra casa. Emilly estava sentada na porta do quarto da minha filha chorando.

Eu: O que houve?

Emy: Ela não abre a porta, ela não responde, ela não sai dai... – eu suspirei cansada e muito irritada. Fui até o meu quarto peguei uma chave na gaveta, aquela chave abria todas as portas dos quartos da casa. Destranquei o quarto dela e ela estava dormindo.

Eu: Bella? Acorda... – ela não acordou. – Bella – a sacudi a assustando.

Bella: O que é isso... O que foi?

Eu: O que foi é o caralho. Você quebra os dedos de uma garota, bate boca com a diretora da escola, você a joga na parede a fazendo cair no chão e foge da escola. Você pensa que é quem? Você pensa que está fazendo o quê da sua vida? Você tem 14 anos você não manda na sua vida, você não manda em ninguém. Enquanto você morar nessa casa, enquanto eu pagar o seu colégio, enquanto você viver do meu dinheiro você vai fazer o que eu mando. Você vai se desculpar com a filha da doutora Smith, vai se desculpar com a diretora do colégio, e com quem mais você maltratou hoje e se eu receber mais uma reclamação sequer sobre você, eu te mando para um colégio interno na Alemanha e você não volta nunca mais pra esse país está me entendendo? – ela se encolheu amedrontada. Ela estava muito assustada e Emilly me conhecendo, não se meteria - Já estamos passando por coisas demais pra ter que suportar uma garotinha mimada que acha que só porque viveu um trauma na vida pode sair machucando pessoas, ofendo pessoas, e agindo como se fosse a dona do mundo. Eu também tenho TEPT, sua mãe tem TEPT, o que aconteceu com você no colégio em Boston, aconteceu com a gente dezenas de vezes no Afeganistão e no Iraque e olha pra nós? Estamos vivendo nossas vidas, estamos fazendo tudo pra manter a sua mãe viva porque as chances dela sobreviver são mínimas, enquanto você se comporta como uma imbecil no colégio. Então PARA... – comecei a gritar - PORQUE VOCÊ TEM UMA VIDA PERFEITA PERTO DE TUDO QUE JÁ VIVEMOS E VOCÊ TEM TEMPO PRA CUIDAR DA SUA MENTE E DE VOCÊ, ENQUANTO A GENTE NÃO PODE SE DAR A ESSE LUXO ENQUANTO EU ME MATO DIA E NOITE NUM HOSPITAL TENTANDO SALVAR VIDAS QUE EU NEM SEMPRE CONSIGO, DANDO MÁS NOTÍCIAS A PAIS OU FILHOS QUE SEU ENTE QUERIDO ESTÁ MORTO QUE EU NÃO CONSEGUI SALVÁ-LOS, ENQUANTO EU LIDO COM O MEU CORAÇÃO DOENTE POR CAUSA DE UMA BOMBA QUE CAIU SOBRE MIM, ENQUANTO LIDO COM O FATO DA SUA MÃE ESTAR MORRENDO E EU TER UMA FILHA MIMADA E IDIOTA PRA CRIAR, PORQUE ELA RESOLVEU SE COMPORTAR COMO UMA BABACA 24 HORAS. – Emilly chorava em silêncio com a mão na boca só ouvindo tudo e Bella não estava diferente. - A SUA MÃE VOLTOU PRA MEDICOM PRA SALVAR CRIANÇAS IRAQUIANAS, QUE ESTAVAM MORRENDO COM BOMBAS CAINDO SOBRE ELAS, CRIANÇAS QUE PERDERAM OS PAIS, CRIANÇAS QUE NÃO TEM NADA ENQUANTO OLHA PRA ONDE VOCÊ MORA, OLHA SUA CASA, SUAS ROUPAS, SEU COLEGIO QUE CUSTA 4 MIL REAIS ENQUANTO UM PAI DE FAMILIA NÃO GANHA NEM METADE DO VALOR DA MENSALIDADE DO SEU COLEGIO PRA COMPRAR COMIDA E VOCÊ É UMA TREMENDA DE UMA INGRATA E NÃO DÁ UM PINGO DE VALOR A TUDO ISSO. OLHA PRA SUA MÃE, ACHA QUE ELA NÃO ESTÁ COM MEDO DE MORRER? ACHA QUE ELA QUER MORRER? ELA TEM 35 ANOS BELLA, ELA TEM UMA VIDA PELA FRENTE E ELA PODE MORRER, ISSO É REAL. ENTÃO PARA... – meu celular tocou – Doutora Pugliese? Ok... Eu estou indo. – olhei pra minha filha que chorava em choque e pra Emilly que estava atônita. – Eu tenho que voltar ao hospital.

Bella: Mamãe, me desculpa, vamos conversar... Eu... – eu a cortei.

Eu: NÃO... – gritei e abaixei o meu tom de voz - Eu não posso conversar agora, sabe porque? Porque no hospital tem uma menininha de 4 anos morrendo de câncer no cérebro. Ela está lá a 6 meses e eu não consegui salvá-la. Ela não tem mãe, porque a mãe dela morreu no parto dela. E o pai, o coitado do pai dela se mata de trabalhar em dois empregos para pagar o plano de saúde dela para dar a ela um atendimento digno para ela viver até hoje, porque se dependesse do SUS ela já teria morrido a 6 meses ou no mesmo mês que descobriu que tinha câncer. Ela está lá sozinha e o pai dela está trabalhando numa cidade vizinha. Eu vou pra lá sabe pra que? – já chorava – Por que ela não tem uma mamãe para pegá-la no colo e confortá-la. Então eu vou até lá, pegá-la no colo e dar conforto a ela, para ela morrer num colo quentinho e seguro, pra ela morrer sabendo que tinha alguém segurando a mãozinha dela e não estava sozinha. Por que eu infelizmente não pude salvá-la, mas eu posso fazer isso por ela. – sai peguei minha bolsa e voltei para o hospital. Cheguei na UTI a Rafaelinha como a chamávamos estava com a respiração ruim. – Alguém avisou o pai dela?

XX: Sim doutora, ele deve estar chegando.

Eu: Me ajuda aqui Antônia – tirei o cobertor dela – Cuidado com os fios – a peguei no colo e me sentei na cadeira de balanço. Antônia jogou o cobertor em cima dela e eu a ninei. – Está tudo bem meu amor. A tia Pri está com você. A nininha também – Nininha era a Joaninha que eu dei a ela quando nos conhecemos. Ela estava assustada então eu comprei uma joaninha e dei a ela. Eu envolvi a joaninha nos braços dela e a ninei. Meia hora se passou e alguém bateu na porta. Eu olhei e ela a doutora Smith.

Smith: Tudo bem?

Eu: Oi... Ela está partindo...

Smith: Oh... Ela é tão linda – fez carinho nela.

Eu: CA cerebral. Fiz tudo por ela. – suspirei me sentindo exausta e derrotada.

Smith: Sinto muito. E a família?

Eu: A mãe morreu no parto e o pai coitado, trabalha feito um louco pra pagar plano de saúde e as contas da casa. Deve estar chegando. Eu já estava em casa quando me ligaram.

Smith: E queria estar aqui quando ela partisse.

Eu: Sim. Eu briguei com a minha filha, vomitei tudo que eu tinha pra vomitar em cima dela e vim pra cá. Por essa pequenininha eu não podia fazer mais nada além de dar um colinho pra ela partir confortável e em paz. Um colinho de mãe que ela nunca teve. Enquanto a minha filha ingrata faz tudo de ruim por prazer. – deixei cair uma lágrima e a sequei rapidamente. Ela puxou uma cadeira e se sentou ali comigo, pegou no pezinho dela e ficou massageando. Eu cantei uma canção de ninar a ela, e ela abriu os olhinhos.

Rafaela: Mamãezinha...- eu respirei fundo.

Eu: A mamãe está com você amorzinho. –dei um beijinho nela. A Smith chorava em silêncio, as enfermeiras que cuidavam dela estavam ali e o pai dela chegou. Ele não disse nada no primeiro momento, apenas tomou o lugar da Smith e logo ficou ali dizendo o quanto a amava e meia hora depois ela partiu. Ele a pegou no colo eu declarei o óbito e sai dali. Assinei as papeladas. – Marli, quando o pessoal da funerária chegar, entregue isso a eles. – peguei meu receituário e deixei um bilhete, pedindo que cuidassem de tudo, que a deixasse bem arrumada, com flores lindas, uma urna bonita e delicada e que providenciasse um tumulo bonito, com mármore claro, fizessem a placa e que me ligassem passando o valor de tudo que eu arcaria com cada centavo daquele funeral. Pedi que me avisassem do horário de tudo que eu fazia questão de estar presente.

NATIESE EM: AMOR A PRIMEIRA VISTAWhere stories live. Discover now