52. Aaron

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Foi terrível ver o olhar de Marie daquele jeito. Ela estava dividida entre acreditar em mim ou discutir, mas fiquei aliviado dela ter simplesmente aceitado. Eu esperava que meu olhar fosse o suficiente para ela entender o quão sério eu estava falando.

Minha mãe não sabia a hora de desistir, eu teria que tomar cuidado agora, sabia que ela não deixaria isso de lado, mas estava preocupado com Marie. Sabia que minha mãe não iria tão longe, mas...às vezes eu tinha minhas dúvidas. E ela era ótima na arte da manipulação, tenho quase certeza de que ela não havia dito quase nada para Marie, e ainda assim, ela se ofereceu para simplesmente dar a herança.

Eu até que gostava de John. Quando minha mãe voltou a namorar, odiei. Fiquei uma semana sem falar com ela, não conseguia entender como ela podia substituir meu pai tão facilmente, mas depois comecei a entendê-la. Ela costumava procurar homens ricos de preferência, dizia que estava fazendo isso por nossa família, assim teríamos uma vida melhor, pelo menos até conseguirmos comprar a empresa de novo. E depois de um tempo, ela começou a namorar com John. Ele foi o melhor, era um cara legal, mas não conversávamos muito. Ele nunca havia citado que tinha uma filha, o que certamente era estranho, já que aparentemente ele parecia se importar. Independentemente disso, não gostava do fato dele ter desistido de Marie, nem imagino o que ela deve ter passado quando criança.

Era madrugada quando escutei sussurros vindos do corredor. Olho para o lado para me certificar de que Marie estava dormindo, e quando chego à conclusão de que ela não iria acordar tão cedo, tento me desvencilhar com cuidado. Ela se remexe um pouco na cama, mas não acorda. Me levanto e visto a camiseta preta que estava no chão, por fim, fecho a porta tentando fazer o mínimo de barulho possível.

Lá estava Natalee e Ryan, parados no quarto de meu irmão, a porta encostada, porém não fechada, e a luz escapando pelas frestas. Reviro os olhos, não acredito que teria que conversar com eles de novo.

— Ela se ofereceu. — Escuto minha mãe dizer. Não entro no quarto de imediato, fico um tempo para escutar a conversa.

— Aaron não vai deixar, você sabe — Ryan fala.

— Nosso dinheiro não vai durar para sempre, Ryan, e não quero arriscar você ser preso de novo. Sua ficha já está muito manchada.

— Eu não me importo — fala com desinteresse.

— Pelo amor de Deus! Não se faça de durão. Acorde para vida!

Consigo ver Ryan sentado na ponta da cama, com os braços e calcanhares cruzados. Por um segundo, ele consegue me ver, e um sorriso discreto surge no canto de seus lábios. Minha mãe, por outro lado, não parece perceber. Que diabos Ryan estava fazendo? Até parecia que ele está...se importando.

— Ela confia na gente, vi em seu olhar, ela parecia culpada, sabe como sei disso? Somos muito parecidas, é o mesmo olhar que eu tinha quando comecei a namorar. — Escuto meu irmão soltar uma risada debochada.

— Também, você começou a namorar um cara que tinha idade para ser seu pai. — Quase consigo sentir minha mãe revirando os olhos.

— Não vamos machucá-la. Ela está se oferecendo de boa vontade. Se quisesse que Aaron descobrisse, já teria contado, mas ela não quer. Como disse, ela se sente culpada, sabe que o dinheiro não lhe pertence.

Bom, meus ouvidos estavam sangrando, por mais que as palavras saindo da boca da minha mãe fossem verdade.

— Compramos a empresa e tudo fica bem — conclui. Vejo Ryan balançar a cabeça negando.

— Você está louca.

— Ela está apaixonada por ele. Existem diversas coisas que podemos fazer, várias saídas diferentes, é só o que estou falando. — Decido me intrometer, porque claro, isso era muito errado, e não queria que nada acontecesse com ela. John estava bem ciente do que estava fazendo, e se deu o dinheiro para sua filha, ele tinha um motivo.

— O que vocês pensam que estão fazendo? — pergunto abrindo a porta, tentando fazer meu máximo para não falar alto. Minha mãe se assusta, e vejo seus ombros pularem. Por mais que sua expressão era de culpa, dura apenas poucos segundos, porque logo ela cruza os braços e levanta o queixo, tentando passar um ar de superioridade.

— Precisamos da sua ajuda.

— Você está louca se acha que vou machucá-la de alguma forma. Se você acha que vou te ajudar em alguma coisa relacionada a isso, você não me conhece direito — respondo e ela revira os olhos.

— Marie não é uma garota para você. Ela é uma boa pessoa, sei disso, um amor, mas não é o suficiente. Você pode encontrar qualquer outra. Pense no que Katherine vai achar quando descobrir que recuperamos o dinheiro, ela vai voltar correndo — fala e não posso acreditar em suas palavras. Ryan arqueia a sobrancelha surpreso, até ele parecia perceber o quanto isso era loucura.

— Katherine não me largou por causa disso — afirmo. — Mas não importa. Marie vai voltar para os Estados Unidos, e eu não vou impedi-la. Você também não — continuo, apontando o indicador em sua direção.

— O que aconteceu com "família em primeiro lugar"? — ela pergunta cruzando os braços. Nego com a cabeça, estalando a língua, por que raios ela tinha que envolver meu pai nisso?

— Não me venha com essa. Você perdeu noção do que é certo e errado, mãe — respondo. — O que acha que ele acharia se tivesse te vendo agora? — digo referindo ao meu pai. Isso parece afetá-la, pois consigo vê-la engolindo em seco.

— As pessoas mudam... — Ryan diz encarando o chão.

Era verdade. Meu pai estaria 100% desapontado com todos nós. O filho que mexe com drogas, a mulher que namora outros por causa de dinheiro, e por último, o filho fracassado. Que reviravolta, não? Solto um suspiro pesado.

— Isso está errado — digo apontando para o espaço entre nós. Solto os braços ao lado do corpo. — O que aconteceu com a gente?

Minha mãe coloca a mão no peito, e olha para o piso manchado. Talvez fosse Coca-Cola, meu irmão não era muito organizado. Eu sabia como isso a afetava, a verdade era que isso afetava todos nós. Não só minha mãe, como meu irmão também. Tentávamos evitar o assunto, empurrando para o fundo da nossa caixa de "assuntos não ditos", foi assim desde o início, e mesmo depois de tantos anos, lá estávamos nós.

Eu estava cansado, e tinha quase certeza de que eles também. Demorou muito para finalmente encararmos tudo isso, precisou de uma garota aleatória surgir em nossas vidas.

Ela caminha em direção a cama, e se senta ao lado de Ryan, vejo uma pequena lágrima rolar pela sua bochecha, mas ela a seca rapidamente, como se não quisesse demonstrar fraqueza.

— Você está certo — diz derrotada, finalmente me encarando.

— Precisamos ser melhores — falo. — Vamos começar a fazer as coisas direito, juntos, como uma família. E vou começar mandando Marie de volta para os Estados Unidos. É o certo a se fazer.

— Achei que gostasse dela — Ryan diz finalmente, mas sem expressar nada além de talvez um pouco de curiosidade.

— Eu gosto, mas não temos futuro juntos. Acho que já é hora de lidarmos com os nossos problemas, de uma vez por todas, e não vamos conseguir fazer isso se não estivermos focados — respondo. — Você — falo referindo-me a minha mãe — precisa parar com essa palhaçada de se mostrar para os outros, papai não gostaria disso, e você sabe. Se sente culpada? Foda-se, lide com isso, não vai adiantar esconder. Nossa família está cheia de merda, e to cansado disso. Ryan, arranja um emprego, qualquer coisa do tipo, se queremos comprar a empresa, temos que arrecadar, vende aquela Ferrari idiota, pelo amor de Deus — falo esfregando o rosto com as mãos, e vejo meu irmão abrir um pequeno sorriso.

— Tá, mas eu vou ficar com a moto — ele concorda.

Era um começo. Tinha que agradecer Marie depois, mas isso era entre mim e minha família, e ela não precisava saber dessas coisas. Por mais que estivesse interessado nela, família ainda vinha em primeiro lugar, e se eu queria consertar as coisas, teria que me afastar dela.

Seria difícil, mas às vezes temos que sacrificar algumas coisas para termos outras.

Mas não tinha porque mentir, eu ia sentir falta.

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