16. Marie

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Quando acordo no dia seguinte decido ir à padaria mais próxima para comprar alguma coisa diferente para comer. Era tão divertido pensar que eu estava fazendo coisas que franceses fazem. Coloco uma blusa e vou andando. A padaria parecia mais um coffee shop, o que para mim era ainda melhor. O lugar era bem iluminado e havia algumas pessoas lendo ou mexendo em seus computadores. As mesas de fora estavam vazias devido à baixa temperatura, mas ainda assim penso que no verão esse lugar deve ser ainda melhor.

Entro na fila pensando no que poderia pedir, parecia ser tudo muito bom e decido pedir uma recomendação, só precisava pensar em como pedir, já que eu não sabia falar francês. Pego o Google tradutor na esperança de que isso resolva a situação.

Bonjour — diz o atendente.

Bonjour — respondo. Ele me observa com expectativa, esperando que eu faça meu pedido, pego o celular, digito e tento falar: — que... recommandez...vous? — pergunto, mas não sai nada certo porque ele ainda me observava confuso. Alguém atrás de mim começa a falar algo em francês e finalmente o moço parece entender, me viro para agradecer, e tento esconder a surpresa ao ver Aaron.

Bonjour — ele fala sorrindo.

— Aaron – digo e ele afirma. — Coincidência te ver aqui. O que está fazendo?

— Aparentemente o mesmo que você — ele responde. — Belo francês, aliás. — Reviro os olhos sorrindo.

— Obrigada pela ajuda — agradeço.

— Disponha — fala e dá uma piscadinha. — E então, o que vai fazer hoje? — ele pergunta.

— Não tenho certeza ainda — respondo — mas tem uma garota que conheci ontem. Ela parecia animada em me ajudar com os passeios.

— Não sabe que é perigoso confiar cegamente em pessoas que acabou de conhecer? — Aaron fala negando com a cabeça, mas apenas brincando. Solto uma risada.

— Você tem razão. Aprendeu muito no avião — falo e ele concorda. Escuto meu nome ser chamado e caminho para pegar o meu pedido. — E você? O que faz durante as férias? — Ele dá de ombros.

— Depende — responde. — Passo muito tempo em casa, mas saio com uns amigos também.

— Nada de Louvre? A catedral de Notre-Dame? — pergunto e ele ri.

— Isso é coisa de turista. Sabe o quanto o ingresso para o Louvre está caro? Tudo por causa de vocês, turistas. — Coloco a mão no peito fingindo estar ofendida, ele sorri e pega seu café. Caminhamos juntos até uma mesa, não planejava encontrá-lo novamente, muito menos comer, mas não estamos pensando e é como se fizéssemos tudo no automático. Nos sentamos em uma mesa redonda de dois lugares, um de frente para o outro.

— Isso ajuda na economia — acrescento.

— Você está certa.

Meu primeiro dia em Paris estava sendo agradável, e tenho uma boa sensação de que essa viagem era realmente o que eu precisava para transformar um pouco a minha vida. Quando voltasse para Flórida daria um jeito nos meus problemas, mas enquanto estou aqui, tudo o que eu quero fazer é curtir. Talvez eu devesse começar pela Torre Eiffel, subir lá em cima me parecia uma boa opção.

— Acho que vou subir na Torre — falo, mas ele nega com a cabeça.

— Péssima escolha, Marie — Aaron responde e eu o encaro confusa. — Sei que parece extremamente legal e divertido, mas vou te contar um segredo — ele fala se inclinando em minha direção para colocar um pouco de drama —, não é — ele quase sussurra, o que me arranca uma gargalhada. Aaron realmente era uma pessoa divertida. — Isso pode vir como uma surpresa, mas vou te dar spoilers, e se você quiser ir mesmo assim, sem julgamentos — ele diz levantando os ombros e se recostando na cadeira. Eu assinto com a cabeça. — Você vai demorar muito para subir, tem muitas pessoas e o tumulto vai ser grande, pior do que a 25 de março em São Paulo, lá no Brasil. E lá no topo? Não tem nada — Levanto a sobrancelha surpresa, e ele me imita no ato, adicionando um aceno positivo.

— Então existem coisas melhores para fazer? — questiono e ele sorri.

— Com certeza — diz de maneira exagerada, o que me faz sorrir.

— Muito bem garoto francês, me diga o que eu deveria fazer nessa linda manhã. Ele balança a cabeça, de maneira decepcionada.

— Parece que vou ter que ser mesmo seu tour guia... não acho que fui feito para isso, mas vou fazer esse sacrifício por você dessa vez — ele complementa, sorrio agradecida e animada.

Eu havia combinado com Aimee de jantarmos juntas, e aviso Aaron que não posso voltar tarde. Uma parte de mim ficou aliviada de ver Aaron novamente, acho que os encontros mais inesperados são na verdade os melhores, além disso, eu certamente precisava aprender o básico do francês. Saímos do café e vamos em direção ao seu carro. Era novo e bonito, nenhuma Ferrari, mas ainda assim impressionante. Ele revira os olhos quando analiso o carro brincando. Entramos no carro e coloco o cinto.

Estava animada para saber aonde iríamos, era apenas meu primeiro dia, e eu estava entrando no carro de um estranho, que iria me levar para um lugar que nunca fui, de surpresa. Eu estava indo na direção certa, se queria uma emoção em minha vida, estava pisando em lugares arriscados. Mas algo dentro de mim me dizia que eu poderia confiar nele, prefiro me agarrar a essa vontade de acreditar que está tudo bem. Ele me observa com o canto dos olhos quando estávamos na estrada, mas eu estava ocupada captando cada lugarzinho dessa cidade que já estava amando.

— Preciso aprender francês — falo abrindo a janela e colocando a mão para fora para sentir o vento, estava muito frio e por isso fecho logo em seguida. Aaron solta uma risada anasalada antes de responder:

— Não quero soar indelicado, mas eu concordo cem por cento. — Não entendo como uma ofensa, até porque, eram apenas fatos. Ele sorri quando paramos no farol vermelho para me olhar. — Usar o Google tradutor não vai te ajudar sempre, sem contar que é falta de educação — continua e eu solto uma risada nervosa, bem, ele estava certo.

Aaron parecia ser uma boa pessoa, de repente fiquei com vontade de conhecê-lo melhor. Apesar de termos conversado bastante durante o voo, existem milhares de coisas que eu ainda não sabia sobre ele, como sua vida pessoal, por exemplo. Ele tinha família? Onde ele morava? Como ele era durante o Ensino médio? O pensamento me faz voltar um pouco no tempo. Meu Ensino médio não foi excepcional, todos dizem que é incrível, mas ninguém fala sobre o bullying, drogas, falsidade. O último ano é aquele que todos dizem que tem que ser o melhor, baile, formatura. Eu era aquela que todos viam no corredor, mas nunca lembravam o nome. Mas eu tinha meu grupo de amigos, pessoas que hoje, nem converso mais. Incrível como tudo pode cair no esquecimento.

Olho novamente pela janela pensando no presente. Esse era o único jeito de superar todos os meus traumas da infância, superar a Marie antiga que tinha a sensação de que não merecia ser feliz, porque se tem uma coisa que aprendi nesses últimos dias, é que eu mereço sim ser feliz. Todo mundo tem seu tempo, e acho que o meu finalmente chegou.

— Vamos lá, vou te ensinar. Os básicos cumprimentos você sabe, certo? Bonjour, bien, merci, S'il vous plaît, oui, pardon, excusez-moi, au revoir — ele cita algumas palavras e eu ainda o observo, sim, eu sabia a maioria desses. Aaron solta uma risada antes de traduzir: — Olá, tudo bem, obrigada, por favor, sim, desculpa, com licença, e tchau.

O básico que eu sabia do Ensino médio começa a voltar aos poucos, mas não acho que sabia nada além disso. Afirmo com a cabeça e repito algumas das palavras, Aaron me corrigia quando pronunciava errado, e até que não estava tão péssimo. Ele sorri orgulhoso.

— É um começo. Estamos chegando — ele anuncia e percebo que estávamos em um tipo de parque, mas parecia muito alto se comparado a onde estávamos antes, em questão de altitude. Ele estaciona o carro e tira o cinto. — Vamos!

Desço do carro e analiso o local. Estava praticamente deserto, mas estava frio, muito, e esfrego as mãos e as assopro tentando enviar um pouco de ar quente para a pele antes de congelar totalmente. O sigo até que ficamos em um tipo de elevação, era aberto e não havia segurança nenhuma, eu certamente poderia tropeçar, cair e morrer. Estremeço um pouco, mas tudo vale a pena.

— Olha para baixo — Aaron pede ficando ao meu lado, e quase perco o fôlego. Eu conseguia ver a Torre Eiffel, mas não só isso. Eu conseguia ver absolutamente tudo. Eu estava boquiaberta e Aaron parecia satisfeito com a minha reação, até eu estava impressionada. — Bem-vinda a Paris, Marie. 

Efeito ParisWhere stories live. Discover now