Capítulo 23

1.6K 253 12
                                    

23

Primeiro dia de trabalho.

Já era janeiro, Carolina e Emily voltaram para Nova Iorque o que deixou tanto eu, quanto o meu irmão, desanimados, mas a empolgação de ter um trabalho conseguiu me distrair desse sentimento. Eu já tinha vestido o uniforme, que era basicamente uma blusa preta com o nome da loja no meio em branco com letras cursivas, uma calça jeans e um tênis surrado qualquer. Penteei meus cabelos e optei por deixá-los soltos, passei uma base leve só para dar uma boa primeira impressão e esconder minhas olheiras. Peguei minha mochila, uma torrada que minha mãe havia deixado na mesa e saí.

Boa sorte no primeiro dia, minha filha! — escutei minha mãe gritar.

Agradeci, mas acho que ela nem entendeu porque eu já estava com o pão na boca. A loja não era longe, ficava no centro como todas as outras coisas em Serro Azul, dava para ir andando da minha casa. Fiz o máximo possível para não soar e não deixar farelo da torrada cair em minha roupa. Eu estava mesmo disposta a fazer isso dar certo. Quando cheguei em frente a loja, li o letreiro: Sepultura. A loja era enorme e não só vendia discos, como vitrolas e instrumentos musicais. A fachada era preta, o letreiro branco parecia que iluminava à noite, a vitrine dava um gostinho do que a loja revelava e, pelo espelho, dava para ver como estava movimentado. Se por fora chamava atenção, por dentro era de arrepiar. Assim que abri a porta de vidro, o ar gelado do ar-condicionado me rondou, tinha várias fileiras com discos dispostos e divididos por anos de sucesso e, mais atrás, era o lugar que vendia outros produtos.

— Annaju? — um senhor sorriu para mim e eu logo percebi a semelhança com a Nick.

— O senhor é o tio da Nicole? — sorri para ele, estendendo a mão para cumprimentá-lo.

— Pode me chamar de Jorge, prazer. — apertamos a mão e ele fez sinal para que eu o seguisse.

— Nicole me contou que vocês tocam na mesma banda. — concordei com a cabeça, mesmo ele não podendo ver. — Ela também me disse que você toca guitarra, violão e bateria.

— Na verdade, eu estava aprendendo bateria, mas decidi me concentrar só nos instrumentos com corda por causa da banda.

— Certo, mas pelo menos você tem uma noção. — ele sorriu, parando diante do caixa. — É seu primeiro trabalho, mas não acho que você terá dificuldades justamente por ter conhecimento no ramo. Você só precisa ajudar os clientes a acharem o que eles querem, tirar as dúvidas ou sugerir de acordo com os gostos deles, também preciso que fique no caixa e organize os discos e os instrumentos quando os pacotes chegarem. Pode parecer muita coisa, mas outra pessoa irá ficar nesse turno com você e vocês podem decidir como dividir as tarefas. — ele me mostrou como usa a máquina registradora, onde ficava as tabelas com as descrições dos produtos e onde cada um se encontrava, depois fez um pequeno tour pela loja. — Você só precisa saber disso. Eu não costumo ficar muito aqui, mas pode entrar em contato comigo se tiver alguma dúvida.

— Certo. — anotei tudo mentalmente, era moleza.

— Pode ficar a vontade, o objetivo da loja é ser algo acolhedor onde as pessoas possam encontrar tantos produtos, quanto pessoas, do mesmo gosto. Muitos adolescentes se encontram aqui para escutar música — ele apontou para um canto da loja em que os clientes poderiam escutar música no fone disponibilizado pela loja. — ou simplesmente assistiram vídeos clipes antigos.

— Hm... Eu posso perguntar uma coisa?

— Claro.

— Por que "Sepultura"? — apontei para a entrada da loja, fazendo referência ao nome no letreiro.

Ele riu antes de responder.

— Não é da sua época. Sepultura é uma banda de heavy metal brasileira. Fazia muito sucesso na minha época... — o sino da loja tocou anunciando que alguém tinha entrado. — Aí está ele, esse é meu filho, Alexandre, ele é um imprestável, mas eu não posso fazer nada, né? Eu e a mãe quem o estragou.

— Pai! — Alexandre esbravejou, fisicamente ele parecia ser dez anos mais novo, mas suas roupas diziam que ele ainda estava na puberdade.

(...)

— Como foi lá na loja, Annaju? Fiquei sabendo que você tá' dividindo o turno com Xande. — ela fez uma careta e eu ri.

— Nick, aquele lugar é simplesmente incrível! Parecia que eu estava no paraíso. Obrigada por ter pedido ao seu tio para ele me deixar trabalhar lá. — falei animada. — Você não gosta do Alexandre? Eu achei ele tranquilo.

— Ele é tranquilo, tão tranquilo que não faz nada da vida mesmo com vinte e sete anos na cara. — rimos.

— Chega de conversinha, vamos logo ensaiar! — Caio, após posicionar a câmera no tripé e colocar o temporizador, bateu uma mão na outra para chamar a nossa atenção.

— Vamos gravar? — PH perguntou, indo até sua bateria.

— Sim, é só para a gente ter uma noção de como vai ficar. Vamos tocar três músicas da, Annju, e depois vemos pela gravação se o arranjo combinou. — Caio explicou.

— Radical.

Cada um pegou seu instrumento e se posicionou atrás do microfone. PH bateu as baquetas uma na outra, contando até começar a tocar. Essa era uma música animada, então, logo depois da bateria, eu entrei com a minha guitarra e Caio começou a cantar, depois foi a vez do baixo da Nick. Nossa tarde foi basicamente tocar, assistir aos vídeos, fazer modificações e tocar de novo. Fizemos isso até o anoitecer, quando minha mãe ligou dizendo que ia dobrar no trabalho e que eu precisava voltar para casa cedo.

— Bom, pessoal, arrasamos hoje! — Caio deu tapinhas nas nossas costas. — As duas primeiras músicas não precisam mais de ajuste, amanhã a gente só vai ensaiar e parte logo para outras. Precisamos finalizar logo o caderninho da nossa compositora.

Caio havia passado a me chamar de "compositora" e toda vez eu tinha um mini surto interno. Fiquei com isso na cabeça o caminho todo até minha casa e, quando entrei e me joguei no sofá, senti todo o cansaço do dia agitado, mas mesmo assim continuava feliz. Ainda com um fio de disposição, puxei o notebook da minha mãe que estava na mesa de centro e pesquisei no google, mas mal conseguia assimilar as informações.

— Você quer ser compositora, Anna Júlia? — Lucas apareceu por trás de mim. — Combina com você e ainda você pode compor as músicas para a sua banda.

Era isso o que eu queria? Escrever músicas não só para Os Forasteiros, mas para outros cantores ou bandas?

— Sim, eu quero. — soltei antes de apagar.

Sobre Músicas e Chicletes Tutti-FruttiWhere stories live. Discover now