Miss Scarlett e a escrava branca

A versão de Scarlett

— Há chance de que esse impacto que ela sofreu na cabeça tenha sido ocasionado por uma batida de pau, realizada por alguém naquele ponto? Questiona aquele comandante.

— Sim senhor. Mas, pode ter sido ocasionado por muitas outras coisas.

— Tipo o que, por exemplo, doutor?

— Gildásio afirma que Scarlett foi encontrada caída de frente para o chão. Se ela desmaiou, caiu abruptamente no chão sem nenhuma reação, pois estava inconsciente, nesse sentido, aquele corte em sua cabeça pode ter vindo da própria queda que ela teve. Avalia o doutor.

— Faz sentido essa sua análise. Afirma aquele comandante. Quando ele questiona: — E como estava a parte da barriga de Scarlett? Ela afirma que um dos homens que a atacaram bateu nela com um pedaço de pau insistentemente naquele ponto, causando dores terríveis nela. Alguma coisa a relatar sobre isso?

— Scarlett chegou aqui com aquela parte muito roxa mesmo doutor. Ela aparentemente, teve dois fios de costela quebrado naquele ponto. Entretanto, ela chegou inconsciente e não foi possível examinar a extensão daquelas lesões. Mas, mais uma vez isso não é conclusivo. O próprio impacto da queda pode ter levado a ter essas lesões.

— Uma queda pode fazer com que pessoas tenham fraturas nesses ossos senhor?

— Depende da forma que ela caiu. O desespero quando alguém está sentindo o seu corpo queimar senhor, faz o ser humano tomar reações que não são explicáveis em uma situação normal. Há pessoas que quando sente o seu corpo queimado, começa a correr de forma desesperada e se choca abruptamente contra paredes que estão em sua frente, tamanho o seu desespero. Portanto, tudo isso é muito inconclusivo.

— Entendo doutor. E quanto aos pés dela? O senhor pode me dizer se tem alguma explicação deles serem totalmente queimados daquela forma e ela não ter queimado o restante do seu corpo?

— Isso foi uma coisa que eu achei muito estranho também quando ela chegou senhor. Scarlett queimou totalmente os seus pés, suas pernas tiveram queimaduras muito fortes até os joelhos e depois aquelas queimaduras pararam. As próprias roupas dela demonstraram que daquele ponto em diante tudo ficou intacto. Afirma aquele doutor se mostrando confuso.

— Pois é doutor. Ela disse que depois que tomou essa pancada na cabeça, ela acordou amarrada e amordaçada. Isso pode explicar o porque ela queimou totalmente os seus pés e outras partes não foram queimadas. Os pés são um ponto de rápido movimento e reação. Ela não teria queimado eles daquela forma se pudesse se mover. Mesmo dormindo, ela teria acordado. Algo aconteceu de muito estranho naquele quarto e pra mim está cada vez mais claro que Scarlett estava mesmo amarrada naquela noite.

— Isso faz sentido senhor. Se for pensar por essa perspectiva. Há apenas uma hipótese que poderia explicar os pés dela terem queimado dessa forma, sem que ela estivesse amarrada. É que quando ela caiu no chão, algo que tinha fogo, pode ter ficado na direção dos pés dela, enquanto ela estava desmaiada, como uma tocha por exemplo, ou uma lamparina. Mas, isso é apenas uma suposição. Dependendo do tempo que aquele fogo a queimasse, ela poderia sim ficar na situação em que ficou quando chegou aqui.

— A sua versão também é plausível. Eu vou ter que questionar isso a Gildásio novamente. Quando o questionei sobre essa questão ele disse que não havia reparado nesse ponto. Que a situação estava muito preocupante e ele só pensava em salvar a sua senhora e não prestou a atenção em mais nada.

— Eu posso imaginar senhor. Ver uma casa a pegar fogo e estar dentro dela deve ser mesmo muito aterrorizante.

— Pois bem, muito obrigado doutor. Foi muito esclarecedora essa nossa conversa. Eu agradeço muito ao senhor pela disponibilidade em conversar comigo.

— Eu fico à disposição para o que precisar senhor. Mas, antes de nos despedirmos eu gostaria de lhe alertar sobre a situação que Scarlett se encontra no momento. Scarlett ainda não melhorou a sua situação, o seu corpo ainda tem partes inflamadas que tem feito ela ter febres constantes. Essas febres podem gerar pensamentos desconexos, delírios e alucinações, em síntese, perturbações mentais senhor. Por isso, eu coloco que o senhor deve tomar um certo cuidado quanto as versões apresentadas por essa senhora, enquanto essas feridas em seu corpo não cicatrizarem completamente. Afirma aquele doutor demonstrando preocupação.

— Sim doutor. Pode deixar que levarei essas informações do senhor em consideração. Mais uma vez muito obrigado. Diz aquele comandante em despedida.

Em seguida, aquele comandante vai até a fazenda para conversar com Gildásio. Ele queria saber se aquele matador de aluguel havia se lembrado do momento em que resgatou Scarlett, com mais detalhes. O que aquele investigador precisava saber é se aquela senhora estava a queimar a região de suas pernas e pés quando aquele senhor a resgatou. Entretanto, naquele diálogo, Gildásio afirmou que não conseguia se recordar desse ponto em específico, que tudo aconteceu de forma muito rápida e que tudo que ele queria fazer naquele momento, ao ver aquela casa em chamas, era fugir dali com a sua patroa.

O comandante sai daquela fazenda com a impressão de que quanto mais próximo ele estava de chegar da verdade naquela investigação, novos fatos apareciam e o deixavam confuso. Foi um caso muito atípico e complexo. Ele estava com muitas dificuldades para chegar a uma conclusão sobre aquelas investigações. De certa forma, ele sabia que tudo que Scarlett dizia tinha fundamento. A sua última versão estava totalmente amparada pelas provas. Mas, era muito difícil confiar naquela senhora pela situação física e psicológica que ela se encontrava.

Nesse meio tempo, havia também a investigação do roubo daquele registrador, que o comandante também se preocupava em entender a dinâmica daquele crime, pois o pai daquele jovem era muito rico e estava a pressioná-lo por uma solução. Entretanto, aquele crime parecia ser ainda mais complexo do que o de Scarlett. Em uma visita que fez a aquele registrador, ele chegou a questionar se ele viu aqueles homens e se havia alguma característica física naqueles assaltantes que poderia facilitar a busca por aqueles criminosos.

Forçando um pouco a sua memória, aquele registrador se lembrou que um daqueles criminosos tinha uma marca de queimadura em sua mão direita, que mesmo aquele quarto estando muito escuro, ele conseguiu ver, antes que a sua visão fosse tampada. Daquele momento em diante, o comandante já tinha um indício. Precisava procurar um homem com uma marca de queimadura em uma das mãos para continuar a investigação.

Antônio Dias Filho, sedendo por novidades sobre aquela investigação, chamou aquele comandante outras vezes para beber, mas, aquele comandante insistia em beber menos nesses encontros, afirmando que passou muito mal naquela última ocasião que se encontraram e que não beberia mais tanto daquele momento em diante. Por beber menos, sempre que questionado sobre os rumos das investigações, ele dizia que elas estavam sobre sigilo e que não poderia contar nada mais sobre aquele assunto. Tudo isso deixava Juliano, para alguns, Antônio Dias Filho para outros, ainda mais preocupado.

Por onde passava aquele comandante observava as mãos das pessoas para ver se tinham uma queimadura conforme aquele registrador havia visto no criminoso que assaltou a sua casa. Ele pediu que os policiais observassem isso pelo vilarejo, pois essa pessoa era suspeita de realizar um crime.

Foi então que no dia 30 de maio de 1796, um dos soldados viu que aquele capataz de Antônio Dias Filho tinha uma marca nas mãos conforme aquela descrição enquanto ele estava a comprar mercadorias no Vilarejo e contou isso ao comandante de polícia. O comandante imediatamente foi até a fazenda daquele homem e prendeu o seu capataz para interrogatório, assustando intensamente Antônio Dias Filho naquela tarde, enquanto via o seu trabalhador a ser levado.

O fazendeiro chegou a questionar ao comandante o que estava ocorrendo para ele levar o seu funcionário preso daquela forma. Tudo o que aquele investigador disse, sem dar qualquer satisfação mais profunda, era que aquele homem estava sendo levado para interrogatório.

Antônio Dias Filho, entendeu que aquele comandante poderia estar suspeitando que ele participou do ataque ao registrador. Extremamente preocupado, ele sabia que dependendo do que aquele trabalhador dissesse, todo o seu plano estaria arruinado e ele poderia ser preso por ter participado daqueles atos contra a senhora Scarlett. O destino de todos que participaram daquela ação, inclusive dos escravos fugitivos, estavam agora nas mãos daquele capataz. A lealdade dele definiria se aquele caso seria esclarecido ou não.