Parte 2 | Capítulo 23: Marcus

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Às vezes tomamos decisões precipitadas que com o passar dos dias percebemos que fizemos uma cagada. Logo após pedir e Raphael aceitar o meu pedido de namoro me vi arrependido imediatamente.

Bastou racionalizar o que fiz que percebi que estava gostando de sentir algo por alguém e mesmo esse alguém sendo o Raphael, eu não estava gostando dele e sim do meu sentimento. Eu estava encurralado, pois ele estava apaixonado e eu apenas curtindo. Achei melhor manter nosso relacionamento para ver no que iria dar, mesmo achando que o mais prudente seria ter ido com mais calma.

Entretanto com o tempo passei a gostar dele de verdade. Após a conversa com o Cássio, me senti livre. Não tinha como continuar sentindo algo pelo meu ex porque sabia que qualquer sentimento amoroso por ele seria extremamente destrutivo. Nossa história tinha definitivamente chegado ao fim e insistir no erro era algo que eu não podia fazer mais.

Raphael foi me conquistando aos poucos, sabia respeitar meu espaço, era muito carinhoso, nosso sexo era fantástico, conversávamos sobre tudo e ele estava muito interessado em mostrar ao mundo inteiro que me namorava.

Quando fizemos três meses de namoro, o contrato de aluguel dele acabou e o dono pediu o apartamento de volta. Enquanto procurávamos por outro apartamento que coubesse no orçamento dele, sugeri que ele viesse morar comigo, que aceitou no mesmo momento. Eu me arrependi de tê-lo chamado, mas assim como o pedido de namoro, foi uma decisão por impulso que se mostrou acertada.

Morar junto com ele é fantástico. Nos dávamos o espaço que precisávamos, mesmo morando em uma quitinete, e, acima de tudo, vivíamos em uma harmonia impressionante. Ele me apresentou coisas que eu não conhecia e muito interesse em conhecer meus gostos musicais, de filmes e livros.

Raphael é um leitor compulsivo, daqueles que compra livros e mais livros mesmo tendo muitos ainda não lidos em casa. Todas as noites ele ficava na dele lendo, enquanto eu ia para academia.

Meus amigos gostam muito dele: Marcel apoiou meu namoro, Juliano adorava conversar com ele, Marília o amava.

Quando tirei férias fomos para Natal. Me encantei com o lugar, conheci toda a família dele, de sua avó idosa até sua sobrinha de cinco anos. Todos me conheceram como o namorado do Raphinha. Foi nessa viagem que me descobri completamente apaixonado por ele.

Alguns meses depois decidimos ter um cachorro. Eu não queria cachorro pequeno, ele queria cachorro pequeno. Foi nosso primeiro impasse. Raphael se recusava a comprar um cachorro, tínhamos que adotar. Quando fomos a um abrigo, encontramos um filhotinho de Pastor Alemão que estava muito debilitado. Nos apaixonamos por ele no mesmo momento.

Em poucos meses Leão, nosso cachorro, já estava lindo, saudável e atentado. Enquanto nós dois morávamos em uma quitinete muito pequena para nós três. Decidimos morar em minha casa em Campinas. Raphael encontrou um emprego na cidade. E eu voltei à antiga rotina de acordar às 5h da manhã para pegar fretado para São Paulo, mas nunca me senti tão recompensado.

Com o passar do tempo o algo inevitável estava acontecendo: cada dia havia menos cabelo em minha cabeça, ao invés de esconder, decidi assumir minhas entradas e adotei um visual com cabeça raspada. Continuava malhando religiosamente, beirando o exagero. Fazia musculação, natação e vôlei em minha academia. Alguns dias da semana ficava horas no local. Raphael era um preguiçoso nesse sentido, mantinha uma pancinha, que eu achava sexy, e seu único exercício físico era dar umas voltas com Leão. Ele ficava um pouco inseguro, achando que eu o largaria por um cara malhadinho de academia também, mas achava essa insegurança uma bobagem.

Em 2012 ser gay não estava sendo fácil no Brasil. A pílula GHX-100 estava se tornando uma realidade aqui. Com um projeto de lei aprovado na câmara e indo para o Senado, os ânimos de alguns grupos religiosos e conservadores estavam à flor da pele. Todo dia podia-se ler matérias em jornais em que essas pessoas falavam coisas do tipo: "Agora só é gay quem quer"; "A safadeza vai acabar" entre outros absurdos. Decidi me afastar desse tipo de leitura, porque ficava com muita raiva de tudo. Estávamos de mãos e pés atados, sentia que estávamos retrocedendo em nossos direitos.

Em uma pesquisa com a pergunta "Você é a favor que a Pílula GHX-100 seja liberada no Brasil?" 60 por cento das pessoas tinham votado no "sim".

Isso era muito triste.

Mas não era só aqui no Brasil que o cenário não estava bom. A GHX-100 atualmente estava liberada em 37 estados nos Estados Unidos. Em alguns países no Oriente Médio e África ela tinha se tornado obrigatória caso alguém fosse descoberto como homossexual. Alguns países na América Latina e Europa tinham liberado o tratamento com ela. Nos países em que ela não fora liberada, podia se encontra-la facilmente em sites na Deep Web. Resumindo: não havia como fugir dessa realidade.

Em um em um ano e um mês vi o Cássio apenas uma vez. Eu estava tomando açaí com Raphael, em um domingo ensolarado no parque do Ibirapuera quando o vi correndo. Ele passou bem perto de nós dois, mas não sei se nos viu. Ele estava mais magro que nunca, aparentemente tinha virado maratonista, dada a sua musculatura. A barba maior ainda, na altura do peito e toda desgrenhada.

No dia que ele voltou à minha vida, minha rotina estava normal. Acordei 5h, fui trabalhar, cheguei em casa às 19h. Raphael tinha deixado comida no micro-ondas e tinha saído com Leão. Fui para academia pouco mais de uma hora depois que cheguei em casa e ainda não tinha encontrado com meu marido.

Ao chegar na academia, ouvi meu celular tocar, por um momento pensei em ignorar, mas quando vi que era o Rapha, que nunca me ligava esse horário, atendi.

- Venha para casa agora! – Ele disse em um tom urgente.

- Por quê? – Perguntei preocupado.

- Você não vai querer perder o que vai passar no programa do Júlio Ribeiro! – Ele disse ansioso. Júlio Ribeiro era um programa no estilo talk show que passava em um canal grande da TV. Raphael não perdia um episódio.

Pedi para ele gravar o programa que assistiria assim que chegasse em casa. 

Não consegui me concentrar direito durante a musculação, não me vinha nada à cabeça que fosse tão urgente e que quisesse muito assistir num programa de talk show. Mas como Raphael nunca tinha agido dessa maneira, devia ser muito importante. Fui direto para casa me sentindo um pouco culpado por não ter feito exercício aeróbico. Quando cheguei, Raphael estava sentado no sofá lendo um livro,  Leão deitado ao lado e pipoca em cima da mesinha de centro. A TV estava pausada no rosto do Júlio Ribeiro.

- O que é tão importante? – Perguntei ansioso assim que entrei na sala.

- Calma, melhor sentar, pelo o que eu te conheço o choque pode ser grande. – Raphael falou fazendo suspense.

- Caralho! O que pode ser tão importante assim? Tô começando a ficar preocupado. – Perguntei ao dar um beijinho em sua boca. Fui sentar-me ao lado dele, Leão saiu do sofá sem que eu precisasse pedir, se deitou no chão com a cabeça apoiada no pé de Rapha.

– Preparado? – Ele perguntou segurando o controle remoto.

- Anda homem, dá play nesse negócio logo! – Falei nervoso

- E hoje vamos falar sobre um assunto polêmico. – Começou Júlio Ribeiro em pé no palco. Ele era corpulento, cabelo começando a ficar grisalho e tinha um bigode cheio no rosto - Um jovem que foi para os Estados Unidos e lá tomou aquela pílula que reverte a sexualidade, conhecida como GHX-100 ou antiqueer, que no bom português seria antiveado. Agora, após tomar a pílula, ele pôs a boca no trombone e diz que ela é uma fraude. Seus dois vídeos na internet já têm somados mais de três milhões de visualizações e ele tem arrebanhado pessoas a seu favor e muitas contra. Por favor, entre no palco agora Cássio Prado!

Então um Cássio magro, sem barba, aparentando ter um pouco mais que sua real idade (21 anos), entra no palco com um sorriso nervoso. Os dois apertam as mãos, Cássio se senta no sofá e o apresentador se senta na cadeira atrás da mesa dele. A plateia estava ouriçada, muita gente aplaudia a entrada de meu ex, tive a impressão de ouvir algumas vaias.

Eu estava em choque com o que via.

- O que acha disso? – Rapha perguntou.

- Não sei nem o que pensar. – Respondi surpreso.

Mas naquele momento nasceu um sentimento novo por Cássio que iria me acompanhar pelo resto de meus dias. Passei a sentir muito orgulho da pessoa que ele se tornara. Um orgulho que a partir daquele dia cresceria muito. 

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Fim da parte 2 de 3.

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A Pílula (versão 2.0)Where stories live. Discover now