Capítulo 38 🍉

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Quando meus pais anunciaram, naquela noite, que iriam se separar dessa forma diferente que eles fizeram, eu achei que muita coisa mudaria. Nos dias seguintes, estava apreensiva com essa inovação, e a casa cheia de caixas e coisas fora do lugar me fez imaginar mil e um cenários esquisitos para essa ideia deles. Mas, quando os dias se tornaram semanas e as coisas não mudaram drasticamente, eu me senti mais tranquila. No início imaginei com exagero, como faço com tudo. Uma pitada de dramaticidade sempre sai do controle nos meus pensamentos, e um detalhezinho se torna um furacão. Sempre.

Então, agora, está tudo bem. Meu pai já não passava tanto tempo em casa, então quando entro na sala e não o vejo, não é um baque. Minha mãe chega à noite, se joga no sofá e assiste a um filme qualquer na tevê, depois de passar um tempinho na cozinha conosco. Agora, aliás, parece que estou mais ciente da presença do meu pai. Sei quando ele está "em casa" por causa das luzes acesas através das janelas da antiga oficina/depósito.

É manhã de sábado, no meio das férias e do verão. O sol está batendo num terço do quintal, e eu protejo os olhos da iluminação ao sair pela porta traseira de casa. Não vejo luzes acesas, pois é dia, mas ouço barulhos de panelas batendo lá dentro. Bato três vezes na porta.

— Entra! — Ele diz lá de dentro.

— Sou eu, pai — digo, colocando a cabeça para dentro da sala improvisada.

Eu não lembrava como era essa oficina, exatamente. Como minha alergia ataca só de pensar em poeira, essa era uma área inabitável para mim. Mas agora está praticamente brilhando. Papai sempre foi o responsável pela limpeza da casa, sendo até um pouco obsessivo com isso, quando começava a arrumar as coisas. Nós o chamávamos de Mr. Músculo quando acontecia. Ele secretamente adorava.

— Oi, Ramona. Tá tudo bem? Precisa de alguma coisa? — Ele está com olhos atentos para mim, depois desvia para seu armário suspenso em cima da pia. — Eu comprei biscoitos, mas não levei pra lá ainda. É isso que você quer?

— Não... — entro completamente e fecho a porta atrás de mim.

Papai continua comprando de tudo para nós. Sempre foi assim, mas eu imaginava que ele fazia as compras pois também servia para ele. Mas ele continua fazendo tudo igual, só dividindo as casas.

— Eu vim só... — paro e coço a garganta. — Nada.

Ele congela em frente ao armário.

— Nada?

— É, só vim ficar um pouco aqui.

— Enrico tá enchendo o saco de novo, né?

— Ele não acordou ainda, eu acho. Nem vi.

Papai franze o cenho.

— Senta aí, — ele joga um pacote de rosquinhas de chocolate para mim — tá passando De Volta Para o Futuro. — Ele diz.

— Jura?! Qual?

— O finalzinho do primeiro. Vai começar o segundo agora — ele se junta a mim no sofá, e rouba umas rosquinhas.

— Não vi o segundo ainda — confesso.

— É o melhor, filha. Você já viu sim, mas era muito pequenininha. Não lembra que Enrico ficava batendo na sua cabeça?

Começo a rir.

— O quê?

— Ele ficava batendo e falando "pensa, McFly, pensa!" — papai relembra, imitando minha risada. — Nossa, você chorava demais.

— Eu? Nunca fui chorona.

— Então trocaram minha filha, porque você era sim.

Cruzo os braços e finjo uma carranca.

Peixe Fora D'águaWhere stories live. Discover now