Capítulo 30 🍉

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Prendo a bicicleta com o cadeado no estacionamento de bicicletas e faço meu caminho em direção à doceria. Viro a esquina para a rua da loja e esbarro em alguém.

Bem. Não alguém. Esbarro em Eduardo e meu primeiro impulso é me sentir brava, mas quando olho para cima, minha carranca se desfaz. Ele me segura pelos ombros e me equilibra novamente. Está sorrindo como eu me lembro dele sorrindo a noite inteira no sábado.

— Oi — diz. — Estava esperando você.

— Sério? — É o que consigo dizer. Ele assente, e não precisa de muito mais para me abraçar e me envolver num beijo que quer dizer muito além de "bom dia".

Conversamos um pouco sobre o final de semana, encostados na parede da esquina, olhando para os lados sempre, em busca de Alicia ou Wagner—que não podem nos ver. Até que eu lembro da pista de patins e do pedido de Marília para encontrarmos mais pessoas para ir.

— Quarta-feira — digo a ele — no Clube América. Às sete.

— Não sei onde é — ele diz.

— Até que enfim! Achei que você era o prefeito da cidade ou algo do tipo, pois tinha mais conhecimento das coisas do que eu.

— Acho que agora você está no comando.

— Finalmente.

— Eu gosto de estar no comando. Vamos ver como você se sai.

— Isso é um desafio?

— Não — Eduardo vira-se para mim, ainda com um lado do corpo encostado na parede, e estica a mão até minha cintura. Sou atraída para mais perto sem que ele se esforce muito. — É só um comentário.

— Super inocente.

— Uhum. — Ele me beija novamente. Quando nos afastamos, olho a hora na tela do celular. Sem surpresa alguma, estamos atrasados.

— Vai, pode ir na frente — Eduardo sugere. — Se chegarmos juntos, Alicia vai desconfiar, com certeza.

— Tá certo. Já basta Emília e Igor... — sorrio.

— Vai. Em dez minutos eu chego lá.

E ele chegou mesmo. Meus olhos estavam grudados na porta, e quando não, meu ouvido estava aguçado esperando um sinal de que alguém estava entrando.

Passamos o dia inteiro tentando não demostrar nada demais para Alicia, ou agir como se fôssemos apenas colegas de trabalho fazendo o nosso melhor trabalho em equipe, mas não sei como nos saímos. A pessoa que tenta disfarçar nunca sabe como a pessoa a ser enganada está enxergando tudo aquilo. Posso achar que fomos cem por cento bem-sucedidos ao passar a imagem neutra e amigável para Alicia, mas é assim que Emília e Igor se sentem também, afinal.

Trocamos mensagens na segunda e terça-feira à noite, falando sobre bobagens do dia-a-dia e enviando links de vídeos engraçados um para o outro. Descobri que Eduardo tem o melhor acervo de vídeos guardados no computador, e consegui espirrar refrigerante pelo nariz duas vezes em uma só noite. Na outra, tomei um susto com um vídeo de um game de terror que ele mandou fora de contexto, e quase chorei ao sentir meu coração acelerado depois de ver uma criatura terrível pulando em cima da câmera num corredor mal iluminado e sujo, mesmo tudo isso sendo de mentira. Ele pediu desculpas mas sei que estava rindo tanto quanto eu quando o incidente com a Coca-Cola pelo nariz aconteceu.

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Na quarta-feira, antes de nos encontramos todos num ponto de ônibus para irmos ao Clube América patinar, sinto como se Eduardo e eu tivéssemos um milhão de piadas internas e assuntos em que podemos tocar e conversar sobre por horas. Das coisas mais bobas como a pior atuação de morte num filme (Santana, acabe com ela!, ou do filme turco Garota Karatê) até a complexidade da criação do universo, e tudo mais.

Eduardo chega ao ponto às 18h42. Sei disso porque estava olhando a tela do celular de dois em dois minutos, e depois olhando para cima, esperando vê-lo. E quando ele aparece, cobrindo a luz de um poste do outro lado da rua, não evito abrir um sorriso.

Guardo o celular no bolso externo da mochila e escondo uma mecha do cabelo cacheado atrás da orelha. Depois pressiono as mãos nas bochechas, querendo que o sorriso abaixe, suma. Volto a mecha do cabelo para frente do rosto e uso isso como disfarce para esconder minha súbita felicidade.

Sentada ao meu lado em um dos quatro lugares dispostos debaixo do ponto de ônibus, Ingrid me dá uma cotovelada sem dó. Quando me espanto, ela dá uma risada.

— Meu Deus do céu, você não sabe nem disfarçar.

— Disfarçar o quê? — pergunto entredentes. Abaixo o olhar e só vejo os pés de Eduardo se aproximando de nós, calçando All Stars brancos.

— Oi — ouço sua voz dizendo, e levanto o olhar, piscando um olho só, pois ele está com a cabeça bem ao lado da forte luz que nos ilumina debaixo do ponto. Eduardo se mexe só dois centímetros e cobre o ponto de luz, facilitando minha visão. — Ingrid, Marília... — ele diz, lançando um cumprimento com a cabeça para cada uma delas. Vejo seu olhar com interrogações quando vê Iasmin, a irmã de Ingrid.

— Essa é minha irmã mais nova, Iasmin — Ingrid apresenta, mas Iasmin só estica os lábios o mínimo que pode, e continua de braços cruzados, em pé com o corpo encostado na lateral do ponto. — Eu acho que não calculei as coisas muito bem, Mona — diz Ingrid, afastando-se de mim. Ela faz sinal para Eduardo sentar-se entre nós.

— Como assim? Calculou o quê? — continuo falando.

Eduardo espera um minuto de pé.

— Eu falei com Enrico para vir hoje. Ele e uns amigos. Não lembrei que... — ela coça a garganta e rola os olhos até Eduardo, rapidamente voltando para mim. — É... foi mal.

— Sério? Ele não me disse nada. E ele não tava em casa quando eu saí, então deve ter ido pra outro lugar.

— Tomara que não — diz Ingrid.

— Tomara que sim!

— Ah, Ramona — ela estala a língua e dá de ombros, virando-se para a frente.

Eduardo não precisa se sentar. Ele ficou parado à minha frente, e foi a salvação para esticar o braço e pedir parada para nosso ônibus, que estava chegando.

O horário é de pico, mas para nossa sorte, estamos indo para o lado oposto do centro da cidade. A maioria das pessoas já desceu em seus pontos antes de o ônibus vir até nós, então está relativamente vazio. O que me dá espaço para sentar ao lado de Eduardo. Ingrid e Marília sentam-se à nossa frente, e ambas se viram para nós assim que o ônibus dá partida, ajoelhadas no acento. Iasmin senta-se na outra fileira, sozinha na janela, mas não parece se importar.

— Oi, Eduardo! — Marília apoia os braços no encosto do acento. — Tudo bem?

Ele assente.

— Você sabe patinar? — É Ingrid que pergunta.

— Melhor do que sei nadar — ele diz, e olha para mim. Ambos rimos.

— Por enquanto — digo.

Ingrid e Mari trocam olhares.

A conversa continua superficial durante alguns minutos. Três paradas depois, um grupo de dois garotos e três garotas sobe no ônibus. E eu reconheço meu irmão de longe. E Jonas, seu melhor amigo, está atrás, esperando as três garotas atravessarem a catraca para poder passar.

— Droga — murmuro, enquanto Ingrid se vira. Quando ela volta a olhar para mim, juro que vejo seus olhos brilhando.

Jonas e Enrico sentam-se nos dois bancos vazios atrás de Eduardo e eu. Vejo o olhar de Marília em Jonas e por um segundo me convenço de vê-la sorrindo em forma de flerte para ele, mas não viro o pescoço para verificar o que ele respondeu, então deixo para lá.

Solto um suspiro devagar. Essa noite vai ser longa.

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Peixe Fora D'águaWhere stories live. Discover now