A Origem de Gênesis

By maryabade

351K 42.7K 46.5K

Gênesis tinha vários objetivos para o seu ensino médio, bem organizados em uma to do list. Só que alguns, em... More

Nota sobre a não-binariedade de Jacques
Rádio Submersa: Nova Atlântida
Entrevista com: "A salva-vidas"
Entrevista com: "A cheerleader"
Bem-vindos a Nova Atlântida
Primeiro Ato
1 - Políticas Invisíveis
2 - Garotas Prodígios
3 - Salva-vidas Caninos
4 - Animais de doce
5 - Apostas de corrida
6 - Pedidos de Desculpas
7 - Frases de efeito
#1 - Rádio Submersa: Pangen? Nathan é gay?
Segundo Ato
8 - Caçadores de Medos
9 - Melhores Violinistas (e ciúmes)
10 - Malditas coincidências
11 - Últimas Opções
12 - Capivaras Domésticas (#DiaDoOrgulhoLésbico)
13 - Boca a boca (#VitoriaDay, rs)
14 - Garotas de toalha
15 - Restaurantes Franceses
16 - Políticas Visíveis
17 - Palavras não ditas
18 - Patos de Borracha
Entrevista com: "A (ou o) locutora"
#2 - Rádio Submersa: Jacques é uma mal amada
19 - Palavrões
20 - Anéis de Brinquedo
21 - Sáficas
#3 - Rádio Submersa: Rapidinho, tem mais.
Terceiro Ato
22 - Maré Baixa
23 - Parentesco #JulinhaDay
24 - Colares da Amizade
25 - Presentes natalinos
26 - Lar
28 - Pansexual
29 - Espuma
30 - Pangen
31 - Péssimas Amigas
32 - Famílias Minúsculas
33 - Violinos (e vínculos) quebrados
34 - Coberturas (e garotas) lésbicas
35 - Atos de Amor (e Atlantis, de novo!)
36 - Caixas de Panetone
37 - Dia de São Nunca
Rádio Submersa: Eu, Gênesis Salvador
38 - Unanimidade
39 - Família Grande
40 - Gênesis
Bônus: A Origem de Primeiros Beijos

27 - Encontros Românticos

5.9K 872 1.2K
By maryabade

Oi, gente. Sim, o aviso é antes do capítulo. POR FAVOR, NÃO PULA!!!!!!!!!! Pra quem não conhece, a Juliana Reis publicou fisicamente um livro que está em pré-venda agora. Borboletas pra lá e pra cá. Tem protagonismo lésbico. Amor entre garotas. E seria muito importante pra ela se conseguisse vender 300 livros antes de 72h! Então se você puder, o livro está disponível e é muito importante valorizar escritoras lésbicas pra gente crescer, ok? Se não puder, ajuda a difundir essa informação pra gente conseguir! Você consegue mais informações lá no twitter, com ela: @juuzreis. 

Segundo, a Vitoria me contou que foi seu aniversário, mas não disse o dia então parabéns, Isabely (é assim? perdoa o erro)!!!!!

Espero que gostem do capítulo. Beijos!!! Fiquem bem.




É culpa dela.

Todo o meu nervosismo é culpa da Pandora.

Talvez seja culpa dela também que meu coração esteja batendo tão descontrolado. Que eu não consigo dormir. Que me falta ar. E que eu quero deitar no colo dela e escutá-la tocando pelo resto da minha vida porque me soa uma boa. Soa uma boa porque Pandora me deixa nervosa. E, merda, esse é o problema de ser inexperiente. Minha mente fica perdida e ela liga o alerta que só diz Pandora Pandora Pandora. Ela não diz garotas. Diz Pandora.

E é óbvio que estou desesperada.

Tão desesperada que não me toquei de algo importante.

Eu não sei o que vestir para um lugar tão chique quanto Atlantis. Principalmente agora que sei o nível que Pandora vai.

Principalmente porque, parando pra pensar, eu estou quase comprando uma tinta preta pra parecer menos esquisita perto de Pandora. Meus oxfords não são o suficiente, mas nenhum sapato meu parece ser também. E meu nervosismo escancarado vai deixar claro se eu pedir ajuda para Rebecca ou Nathan. Eles vão me zoar. Sério. Fora de cogitação.

É por isso que minha ajuda é uma garota de treze anos, palpiteira demais. Ela está sentada da cama enquanto dou várias voltas para mostrar cada vestido que tenho. E sim, ela desaprova todos. Nos últimos segundos do segundo tempo. Pra ser específica, cinco horas da tarde. Do dia. Não acredito que enquanto Pandora está elaborando o que vestir há um bom tempo, não fiz nada.

Merda. E agora qualquer coisa está sendo insuficiente.

— Olha, eu não tenho um guarda-roupa infinito — resmungo para Liliane.

— Precisa ser perfeito! É seu primeiro encontro, não é? — cospe as palavras e eu respiro fundo.

Já desisti.

— Tu gosta de salto?

Gostar não é o ponto alto dessa pergunta.

— Liliane, eu e Pandora temos quase dez centímetros de diferença. O único salto que tenho deve ter isso aí também. Vai ficar desconfortável pra mim e pra ela! Sem chance.

— Gosta de salto?

— Um pouco. É legal. — Aliso o braço.

— Você vai usar o salto. Ponto final. Agora só falta o vestido! — diz, como se não tivesse olhado todas as roupas do meu vestiário.

[pam: A gente vai se encontrar lá ou tu quer um ponto de encontro antes? Eu prefiro um ponto de encontro antes porque, sabe, aquele lugar é muito chato pra subir sozinha! Recebida às 17:25.]

[pam: Eu estou tão nervosa que acho que tenho medo de passar mal e vomitar meus órgãos. Recebida às 17:27.]

[pam: Mas eu nunca faria isso, óbvio. Não vou estragar sua noite! Recebida às 17:28.]

[vc vai me deixar só lá??? Enviada às 17:29.]

[pam: O quê???? Não! Recebida às 17:30.]

[nossa* Enviada às 17:31.]

[pam: O quê? Recebida às 17:31.]

[nossa noite, pam. Enviada às 17:32.]

[pam: É, nossa. Porra. Ponto de encontro? Recebida às 17:33.]

[Coveira? Enviada às 17:33.]

[pam: Perfeito. Céus, você sabe que eu tô, sabe, nervosa pra caralho. Meus dedos estão nervosos. Eu tô nervosa. Meu Deus. Meu Deus. Recebida às 17:34.]

Mensagem apagada.

[pam: Pode ser!!!!! Recebida às 17:34.]

Eu também estou nervosa. Tudo dentro de mim parece ferver enquanto Liliane escolhe a roupa pra mim como se estivéssemos em um programa onde jurados cafonas ditam as roupas de pessoas que só tem... estilos diferentes. Eu seria a pessoa que veria seu guarda-roupa inteiro ir pela lixeira, assim como estou vendo uma pirralha resmungar.

— Quer especificar algo pra eu ajudar?

— Algo que faça Pandora ficar boquiaberta. O coração saindo pela boca. Algo que seja uau. Um grande uau. Tu disse que ela tá fazendo esforço então por que não retribuir? Não tô dizendo de tu ficar uma grande gostosa, só... do caramba. Completo.

— Não dá pra eu ser do caramba com ela. Especificamente com ela. Já tentei chegar ao nível das garotas de Nova Atlântida e nunca cheguei. Não vai ser agora, com uma franja a ponto de cobrir meus olhos e um corte fajuto que vai me deixar do caralho.

— Gênesis! — Liliane resmunga antes de puxar um vestido. — Uau.

— Não. Não. Eu vou parecer um boneco de natal ambulante. Não.

— Se tu for de vestido amarelo, vai ficar parecendo a bandeira do Brasil. E tu não quer isso, quer? — pigarreia e eu nego. — Vestido vermelho é perfeito! E esse tecido é incrível.

— Não tem decote. Em lugar nenhum.

— Não precisa de decote. Precisa ser vermelho.

— Um nariz vermelho e chifres de rena também? — debocho e ela revira os olhos.

— Vai ficar legal. Gosta de maquiagem?

— Não.

Nada?

Nada. No máximo um gloss cheio de brilho.

— ...batom?

— A Pam me conhece. Sabe que seria estranho eu ir de batom, nunca uso.

— Não seria estranho. É uma noite especial.

— Não tenho batom.

— Sua mãe tem. Enquanto tu não está aqui, posso ficar no seu quarto? Fico meio sem reação com tua mãe e teu padrasto — muda de assunto, colocando o vestido com cuidado em cima da cama.

— Ele não é meu padrasto. E tudo bem. Se você não sair caçando coisas para se munir de informações mais tarde — aviso e ela revira os olhos.

— Tá tudo bem, vou embora no domingo.

— Vai embora e nem fez nada legal com a Pam.

— Estou preparando terreno, é óbvio que vou voltar! — suspira. — Retoca o cabelo. De novo. Deixa um verde bem bonito. Vou preparar os piscas-piscas.

Sou eu a pessoa que vai vomitar. Ponto. Eu não sei se é uma boa ideia ir de salto quando o caminho é longo, mas faço um esforço. Um grande esforço. Eu coloco o maldito vestido vermelho vivo, faço o maior esforço do mundo para meu cabelo estar o mais bonito possível (e isso é uma tarefa difícil) e uso batom. E Liliane estar certa, tenta fazer algo diferente dá uma emoção incrível. Eu não cobri minhas sardas, mesmo que agora estivesse pensando que seja uma boa ideia. Como seria meu rosto sem? Eu estaria mais bonita?

Não dá pra tentar. E eu nem tenho uma base no tom da minha pele.

Ele não é decotado, mas as alças são finas. Justo na cintura e um pouquinho mais solto no corpo. Os sapatos são pretos. É uma cor coringa. Eu tenho vestidos mais bonitos, mas Liliane não os achou adequados. Céus, eu vou realmente ir até Atlantis com esses sapatos que não são tão confortáveis?

Sim, porque estou quase no mesmo nível que as garotas estrelas de cinema de Nova Atlântida.

Quase.

Eu me olho no espelho tantas vezes para me certificar que estou bonita que estou quase enjoando meu próprio reflexo, o que não é tão difícil. Liliane está mais animada do que eu — visto que o que tenho está mais para nervosismo puro e engasgado — quando cronometra tempo o bastante para eu chegar lá sem suor. Outro perfume. Eu não sei, mas é difícil pra mim ter um cheiro fixo. Não é como Pandora. Eu não tenho um perfume característico. Droga, será que eu não estou alta demais?

Vai dar certo.

Minha mãe me olha de cima pra baixo e a maldita sementinha que Liliane plantou é demais pra ela. Ela dá uma risadinha. Alexandre, que está mais assíduo (será que ele está morando aqui?), segura a mão dela, soando como um idiota, mas bobo. Ele sussurra algo que eu só consigo escutar Pandora. Respiro fundo.

— Não é um encontro romântico.

— Eu não disse nada — retruca, sorrindo de canto.

— Mas você tá imaginando. Não é um encontro romântico. Juro.

— Eu não disse nada — ele ri e eu aliso o braço.

— Mando mensagem, beleza? A Lili vai ficar no meu quarto, malinando. Provavelmente.

— Se divirta, Gênesis.

Não é um encontro romântico — reforço.

Espero que não. Se minha ansiedade está batendo a mil porque vou sair com Pandora, imagina se fosse romanticamente. Tipo, meu deus. Eu me sinto estranhamente chamativa caminhando em direção ao Coveira. Não tem muitas pessoas nas ruas, mas as que estão notam a mamãe noel chamativa, tentando caminhar o mais calmo possível com os saltos. Eu os tiraria até a subida se isso não fosse dar um maldito chulé quando colocasse de volta — mas planejo fazer na volta. Céus, espero que não fique esquisito demais.

Minha mente está estourando, uma hora eu estou pensando em qualquer coisa que não seja o encontro, como por exemplo o cheiro da barraquinha de cachorro-quente do Bartolomeu ou no filme de ficção científica que assisti na semana passada, e no outro está repetindo várias vezes que vai dar errado. Alguma coisa. Sei lá, ela vai ficar puta porque eu estou parecendo um poste ambulante ou vou fazer besteira ou... Acho que o mais calmo possível que estou tentando andar não é o suficiente porque, quando percebo, a caveira está centralizada na minha frente. Com as luzes em constante mudança de cor. Verde. Amarelo. Azul. Roxo. Vermelho.

E sabe, o nervosismo me cega. Eu olho para os lados em busca da Pam. Estou observando as pessoas alternativas saindo do Coveira olhando pra mim e dizendo "Oi, Gênova", às vezes. O batom deixa meus lábios com uma textura nova, tenho medo de passar a língua por eles e tudo se desmanchar. Mas acho que não há como o batom se desmanchar se eu me desmanchar primeiro.

Pandora está sentada. No que não chega a ser metade de um muro comum, a tal "varanda". O lugar onde as pessoas ficam sentadas, às vezes, pra fumar também. Mas ela está com a postura impecável. Mexendo no celular. Os pés, com seus all star monocromáticos, balançando. E não, o que ela veste não é nenhuma das opções que me mostrou. A calça é xadrez em um tom fraco, quase imperceptível os riscos. Ela não está usando camisa, só o colete. Um tom cinza, um pouco escuro. Os músculos fracos dos braços dela estão destacados na posição que está. Um casaco está caindo em um dos braços. A corrente na calça está tendo momentos em que a luz reflete, assim como o seu medalhão no pescoço.

Pandora parece um detetive. E isso não é ruim.

Ela parece uma detetive gostosa. Uma detetive mais gostosa ainda quando a luz azul do letreiro da caveira passa no seu rosto.

E eu já tentei falar Pam várias vezes, mas fico sem voz. As pessoas continuam passando, barulhentas — Coveira é mais animado à noite.

Gênova, tá bonita demais pra uma rodada de bebida e tiro ao alvo, não acha? — Um garoto diz sorridente, mas não espera uma resposta, se afastando e impedindo que me lembre o nome dele.

Chama a atenção da Pam, pelo menos. Ela levanta o olhar. E os olhos dela estão saindo fora de órbita. Os lábios dela se separam, pouco. Pandora não faz menção de uma olhada melhor. Não desce o olhar, não sobe. Fica fixo. Observo ela apertar o celular nos dedos antes de colocá-los no bolso e se levantar. Céus, isso só aumenta meu nervosismo. Ela me olha. Nossa diferença de altura nunca ficou tão acentuada.

— Eu sei que eu tô parecendo uma decoração de natal ambulante. Esse batom tá feio. Eu queria passar base pra esconder essas malditas sardas, mas você sabe que não sou muito boa em maquiagem. Eu tô chamativa demais e esquisita. Esse salto é culpa da Liliane. Droga, desculpa. Você tá... ga... bonita e eu tô esquisita. Que vergonha.

— Tu quer elogios? — diz, devagar. — Puta que pariu, Gênesis. Eu...

— O que foi?

— Eu não sei o que falar.

— Os sapatos... foram culpa da Liliane.

— Eu não tenho problema em tu ser alta, Gênesis. Não tenho. Eu... se tu colocasse base hoje, eu ia ficar puta pelo resto da vida. Meu Deus. Gênesis. — Ela enfia as mãos nos bolsos, batucando.

Ela olha pro chão. O sorriso torto, tão fraco que o furinho nas suas bochechas não ganham atenção. Eu aliso o braço, desviando o olhar dela. E depois, uma risada ecoa dos lábios dela. Dos meus, também.

— Tá linda, Gen. Pra caralho. Puta merda. As palavras tá me fugindo e eu tô parecendo muito básica dizendo isso, mas tu tá incrível.

— Tá parecendo uma detetive bonitona.

— Eu ia ficar suada com camisa social, me perdoa. Fiz de tudo pra atingir o seu patamar, mas deu merda, né?

— Pam...

— Shhh. Não diz mais nada. Se falar mais, eu vou me enrolar e a gente ainda precisa ir, certo? — Ela tira as mãos dos bolsos, mas desiste e as coloca de volta.

Suas bochechas se enchem de ar como uma criança.

— Gênova? — muda de assunto, com o tom fraco que quase não consigo escutá-la.

Sua menção é feita enquanto caminhamos em direção ao caminho que deve ser feito até Atlantis, um pouco chatinho. Pessoas que vão à Atlantis são ricas logo é óbvio que elas possuem um jeep para irem e voltar por todos os lugares — ou, pelo menos, alugam pela uma bagatela gigantesca.

— Longa história.

Vai, conta.

— Em resumo, bebi muito um dia, brinquei de tiro a alvo, fui bem demais e acho que eles confundiram meu nome. Eu tava tão bêbada que não consegui corrigir. Pronto. Tenho um cartão fidelidade com Gênova.

Pam ri.

— Já foi aí?

— Não acho que faça meu estilo.

— Também não faz o meu.

Faz. É óbvio que faz. Não é o cabelo verde, mas foi é... Esses sapatos estão machucando? — Ela desce o olhar para os meus pés.

Não. Talvez na volta. Como você está lidando em usar uma calça pela primeira vez na vida? — indago, a provocando.

— Eu quase a cortei. Tipo, certo. Eu a corte porque ela batia no cano do meu sapato e eu acho que minhas pernas precisam respirar um pouco de ar. — Tem quatro dedos de distância entre o sapato e a barra da calça. — Mas eu cortaria mais. Talvez até ficar até o tamanho das minhas bermudas comuns.

— Um sacrifício?

— Nem chega perto. E o batom?

— Sim, não posso desmanchar isso de jeito nenhum. Como eu vou comer? Céus, eu vi um vídeo que a mulher abre a boca assim — faço a demonstrando, abrindo o máximo que posso e ela ri. — pra não borrar a maquiagem.

Gênesis.

Ela gargalha.

— Eu também tava refletindo o que você disse. Como você consegue ficar com um perfume porque eu gosto de experimentar vários.

— Tá com problema com meu cheiro de novo? — provoca. — Quer que eu mude? "Insuportável".

— É insuportável, sim. Mas eu gosto.

— Eu sei que gosta, boba. Quando tu me abraçava antes, ficava absorvendo o cheiro por um bom tempo. Não sei qual é a cisma agora.

— Eu já disse. Ele impregna em mim e me impede de sentir qualquer outra coisa!

— Ah, se for por isso, tu sempre impregna em mim também.

— É, mas eu troco de perfume. Você não associa o perfume em mim. — Ela vira o rosto, incrédula.

— Besta.

Não é o que ela queria falar. Nítido. Mas é a única coisa que sai da sua boca. O caminho soa mais rápido quando é com ela do que quando é com a Jacques. Sei disso porque nem noto quando estamos na entrada do lugar mais chique de Nova Atlântida. Os seguranças me intimidam. Uma mulher, de cabelo preso, da minha altura (com salto) e robusta. O tom de pele dela é um intermediário entre a minha e a da Pam. Mas o que pouco me surpreende é que Pandora a conhece, da igreja. As duas se cumprimentam antes dela dizer algo como "lembra da Gênesis?" pela minha zero assiduidade na igreja.

Quando a gente entra, atravessando um corredor cheio de lustres brilhantes, o que deve parecer com diamantes (ou pelo menos é isso que minha mente associa com tantos filmes), meu nervosismo é maior ainda. Estou em pânico. Pânico por ver que nós somos as mais diferentes aqui. Não tem ninguém de cabelo colorido. As pessoas parecem caminhar nas nuvens. Eu estou fervendo de nervosismo de julgamentos e Pam não se importa. Ou pelo menos, não aparenta. Ela desvia o olhar para mim antes de eu percebê-la tateando a mão para encontrar a minha. Seu dedo massageando a palma da minha mão. Isso só me deixa mais nervosa, por motivos diferentes.

— Vai dar certo.

Pam.

— Não fica nervosa. Tô com tu.

Ela está comigo. É isso que respiro fundo enquanto nós caminhamos pela mesa reservada. É a primeira vez que preciso ir em um lugar reservado. Os restaurantes que eu e papai vamos, as mesas estão à disposição. As barraquinhas estão à disposição. O pior, mesmo caro, as mesas estão cheias. Eu olho ao redor, nervosa. Estamos em uma mesa perto do vidro que dá uma visão bonita de Nova Atlântida. Não é que ela não seja bonita, mas do topo é pego a essência. Até a casa esquisita do prefeito parece bonita. Mas olhando pra dentro, todos aqui parecem nunca terem pegados um pouco de sol na vida. Pálidos. Um pouco de vermelhidão em alguns. O mais perto que chega dos nossos tons de pele é um casal do outro lado, perto da parede comum, conversando animadamente. Eles parecem o da praia, da vez em que Pam cuidou das crianças.

— O que vocês vão querer? — Jacques pergunta, sorridente.

Seu sorriso é largo. Ela está impecável com o smoking, que eu nunca a vi vestida assim. Tem uma mini prancheta nas mãos. Não sei o que eu vou querer porque não há um cardápio, não há nada. E na minha mente, não consigo pensar em comidas chiques, apenas no puro nervosismo da Pam estar sentada na minha frente em um lugar que sempre quis vir porque era mágico. E soa mágico, mas nada confortável. Não pra mim.

— Não sei — digo, alisando o braço.

— Tudo bem. Eu vou escolher por vocês. Tá linda, Gênesis. — Ele sussurra o fim. — E você também, Pam. Mas acho que já disse isso umas vinte vezes.

Ela sorri. Eu não consigo retribuir porque estou nervosa. Jacques se afasta, nos deixando só.

— O que a gente faz? Conversa?

— Tá falando sério?

— É. Eu nunca fui em um encontro desse tipo. Tu já?

— Encontro?

Desse tipo. Não é romântico, não é amigável. Não sei o que é.

Pam!

— Brincadeira. Tô feliz que tu me chamou, independente de qualquer coisa.

— Valeu por aceitar também.

Talvez seja a mesa que mais esbanja nervosismo. Pam. Eu. Se a mesa não fosse um objeto inanimado, ela também estaria nervosa por nós. Mas acho que Pam não se importa tanto com o silêncio, ela está me fitando igual boba. Eu estou quase batucando os dedos na mesa.

— Tu vai dar nota? Pro restaurante?

— Sim. Preciso absorver todas as coisas pra contar para o papai. Ele ficou super animado quando disse que você me chamou pra vir aqui.

— Primeira impressão?

— O ambiente é meio hostil. Parece que todo mundo tá me julgando, mas talvez seja coisa minha. Talvez a decoração, o jeito meio "não me toque" pode deixar alguém desconfortável. E esse desconfortável talvez estrague a experiência. Por exemplo, tô nervosa um tantão.

— Entendi — assente. — Mas um ponto importante é focar na mesa. Só nela. Eu estou ignorando todas as coisas que provavelmente me fariam sair correndo por medo de hostilidade porque tô contigo. E aí, eu foco no que tá comigo na mesa. Tu.

— É que você também tá me deixando nervosa — sorrio, alisando o vestido.

Céus, céus. Isso está um desastre e é culpa do meu nervosismo.

— Não fica nervosa comigo. Nós somos amigas há quanto tempo, aliás? Dez? — Pam indaga, curiosa.

— Tipo isso. Ou mais. Não sei. Não me lembro muito do início sem você.

— Então mais que dez anos?

— Por que importa agora?

— Não importa agora, na verdade. — Ela sorri, travessa. — Se fosse um encontro romântico, o que ia querer? Como seria? A diferença?

— Não sei. Nunca fui em um.

Outra pessoa entrega duas taças. Vinho branco, acho. Odeio vinho branco. Mas o nervosismo é quem me faz pegar a taça e bebê-lo inteiro de uma vez antes de perceber o espanto de Pandora. Droga. Eu estou quase saindo correndo. O nervosismo do lugar. O nervosismo por Pandora. É melhor eu calar a boca e não fazer nada pelo resto da noite.

Ou torcer pra comida chegar rápido e eu calar a boca porque estarei ocupada comendo.

Bem, ela chega. Eles enchem minha taça novamente e eu respiro fundo, observando o prato.

Não vou julgar. Juro. Eu pensei que nunca veria isso, mas é uma porção minúscula. Duvido que pelo menos as proteínas desse prato seja o de uma refeição normal. Mas acho que experimentar é um tapa na cara. Não é tão bom. Tipo, não vale o preço. É quase sem sabor. A comida é boa, legal. Mas talvez todas que eu experimentei sejam melhores. E talvez seja a entrada, mas eu me decepciono mais ainda com o prato principal ou a guarnição. Tudo porções minúsculas. Céus. E estaria tudo bem se as porções minúsculas fossem saborosas, mas são superestimadas. O que mais parece saboroso no fim é a sobremesa, mas impossível de saborear completamente até chegar no fim, quando não há mais nada.

A única coisa que deixou um gostinho de quero mais. Acho que Pandora entende isso também, tocando sua perna na minha embaixo da mesa antes de nós duas assentir, juntas.

— Péssimo.

— 0,5. Só. Essa é a nota. E isso é só pelo esforço que os cozinheiros tiveram e pelos garçons. Sério. Isso é ruim. Eu tô... decepcionada! — Eu começo a falar, assim que nos afastamos.

Eu tiro os sapatos, indignada e tropeçando porque não paro o percurso para tal. Pam ri. Gargalha da minha indignação em tamanha frustração. Realmente. Atlantis é um lugar superestimado ou o nervosismo me engoliu por inteira e me impediu de aproveitar! Aliás, agora meus pés estão doendo e minha barriga está roncando. Será que tinha um nutricionista? Porque, céus, eu deveria estar de barriga cheia e não sentindo um maldito vazio ao saber que qualquer restaurante bobo dá de zero a dez em Atlantis!

— Eu nunca pagaria por aquilo. Nunca. Ninguém me faria ir lá de novo. Maior decepção.

Pandora ri mais. Olho para o chão, pelo menos não deu calo, apesar da dor.

— Ainda são nove e meia. Quer fazer algo?

— Diga, por favor, que é comer algo gostoso.

— O que tu quiser. Decepção total?

— Não, mas decepcionante.

— Eu acho que já previa. Coisas chiques demais sempre são frustrantes. Agora está doendo, né?

— Sim. Um pouco.

Ela ri. Acho que ela está feliz que eu me frustrei um pouco com tudo. Mas não é disso que ela ri agora. O motivo da sua risada é que em questão de segundos e sem que eu imita uma resposta, ela me coloca no colo, com uma mão nas minhas pernas e outra nas minhas costas, me apoiando. O susto quase me faz cair, mas ela tem um postura boa para me segurar. Pelo menos até o momento.

— Pam, se você me derrubar eu acabo com você.

— Não vou te derrubar.

— Vai, me desce.

— Não. Não. Até lá embaixo.

— Eu te mato, se eu cair.

— Não deixaria tu cair.

Ela se ajeita, me deixando mais perto dela. Eu estou quase me deixando cair de propósito para sair do nervosismo que é o que Pandora está fazendo comigo. Meu coração está batendo. Eu estou viva, claro. Mas estou dizendo que ele está batendo tão alto que se não fosse pelo dela estar fazendo o mesmo, seria constrangedor ouvir. E céus, ela cumpre a promessa. Não me derruba. Até embaixo quando eu praticamente tropeço pra sair em puro pânico, segurando os sapatos nas mãos e tentando ignorar que ela me carregou. Tanto que nem olho para trás, quando sei que vou dar de cara com ela.

— O que rola em encontros românticos, se fosse um? — indaga. — Diz aí, algo clichê.

— Não sei.

— Tu assiste tantos filmes quanto eu. Deveria saber.

— Você sabe?

— Coisas clichês. Quer ver?

— Vai demonstrar? — debocho.

Ela assente. Mordo os lábios. Demonstrar? Tudo bem, eu não nego. Aí está meu erro. É óbvio que não digo quero ver, mas não nego e nós estamos caminhando pelas ruas muito mais confortáveis do que as malditas horas no Atlantis. O caminho que a gente passa, parece um tipo de rua turística cheia de lâmpadas. Meus pés no fim estarão sujos, bem provável, mas é legal respirar um pouco. Em pouco tempo, já descemos o bastante para chegar na praia. É óbvio que não é a praia Principal. Demoraria mais um pouco.

— Tudo acaba em mar, né?

Boba. Vem cá, pra areia.

— Olhar o céu? As estrelas? O que é? Diga logo.

— Confia em mim?

Confio.

Eu coloco meus pés na areia, caminhando até ela e a observando tirar o celular do bolso. Um som baixinho vai aumentando. Música clássica. Arqueio as sobrancelhas.

— O que é?

— Dança comigo?

— Você não sabe dançar.

Tu também não.

Eu olho ao redor. Estamos sozinhas. Pelo menos aqui.

— Com música clássica, não.

Ela ri, de canto. Satisfeita. Ela muda a música, colocando no chão. Tira os sapatos também. As meias. Deixa tudo de lado antes de estender a mão. Receosa. Meu coração vai me abandonar. Eu sei que sempre digo isso, mas é preciso reforçar para que, se eu morrer e no futuro descobrirem os últimos minutos de vida, saibam que eu sabia. Céus, eu sabia que seria demais para mim.

A palma das nossas mãos se tocam e ela faz a maldita carícia antes de me puxar para mais perto. Nenhuma de nós sabe dançar, mas sua mão vai para a cintura e me puxa para perto. Dois pés pra frente, dois pra trás. Nervosismo. Perto uma da outra. Sentindo a respirando. As malditas batidas. A pupila de Pandora fixa enquanto ela faz tudo devagar. Ela me gira. Eu a imito. A gente ri. Tentamos algo e ela pisa no meu pé. De novo. Eu tropeço na areia. O som do celular não é alto e não estamos seguindo o ritmo da música.

— Só pra não deixar sua noite cem porcento ruim.

— Acho que a única coisa boa é te ver vestida assim.

Nunca ouvi a maldita música, mas ela me deixa nervosa. Como tudo hoje a noite. Mas o nervosismo vai se esvaindo de acordo com os erros na maldita dança. Nas risadas da Pandora mostrando que está tudo bem e no barulho do mar. O vento. Tudo soa errado e diferente dos filmes. Seguindo à risca, mas tudo soa diferente. E esse diferente está me deixando mais confortável do que no que tanto esperei. A música acaba, mas está tão divertido fingir que sabemos dançar que a gente se deixa levar um pouco enquanto uma música clássica qualquer toca. Ela afasta as mãos de mim, segura o ar.

— Quer comer cachorro-quente?

Céus, eu senti o cheiro do Bartolomeu. Uma delícia. Ele deve estar agora do outro lado da praia.

O único lugar movimentado a noite é a Principal. Nas sextas e finais de semana. De resto, grupinhos ou reuniões pela praia inteira.

Quer apostar corrida até lá?

— Topo.

Ela não espera uma largada. Eu também não. Nós duas saímos correndo. Tão rápido que só dá tempo de pegar os sapatos no chão e se esforçar o máximo para não tropeçar na areia e dar de cara com o chão. Pandora provoca, ofegante. Eu retruco, mas infelizmente está difícil não aceitar que ela está melhor do que eu. Não paramos por um segundo antes do cais ficar visível. Tudo bem, eu não tenho mais forças para vencê-la. Ignoro totalmente o tempo que gastei deixando o cabelo bonito, a areia suja na minha pele e me deito enquanto Pam apenas põe as mãos na cintura.

— Cansou? Imagina se não tivesse te carregado!

— Vai se ferrar. Você pede. E traz um guardanapo pra tirar esse batom, por favor. Chega dele.

Ela assente. Eu estou olhando para o céu enquanto Pam se afasta em direção a barraquinha do Bartolomeu. Quando olho novamente, ela está se aproximando, como uma forma de agradar a clientela, o gato laranja passa pelas pernas de Pandora. O dono dele, Nando, é quem prepara os cachorros-quentes. Gosto de dizer que Bartolomeu é o companheiro do Salva-vidas, talvez pela falta de inimizade entre os dois. Volto a olhar para o céu. Gosto de olhar pra ele. Bonito.

Céus, eu gosto de olhar o céu.

E eu gosto de...

Pandora se senta, no meu colo. Tem dois guardanapos na sua mão. Eu estou deitada e ela se senta no meu colo. Acho engraçado a atitude, mesmo que minha expressão esteja tomada por espanto enquanto ela se inclina para frente, passando o papel com cuidado na minha boca. Pelo menos, não há nada mais dela tocando diretamente em mim.

— É, realmente não vai desmanchar, como tu queria. — Ela diz, me mostrando um guardanapo praticamente limpo.

— Você deve estar fazendo errado. Sei lá.

— Quer outra alternativa?

— Pega um pouco de água, não sei.

Ela ri. Sua mão solta o guardanapo e massageia minha bochecha. Arqueio as sobrancelhas confusa.

— Vou me esforçar pra tirar.

— Como?

Ela junta nossos lábios. Devagar. Fraco. Não é um beijo e não é um selinho desesperado como quando eu a beijei no cais. Pandora puxa meu lábio inferior devagar antes de nossos narizes se tocarem, em um pedido da sua parte de autorização para me beijar de verdade. E ainda bem que um simples balançar nervoso da minha parte é o bastante para, ainda com a mão no meu rosto, ela me beije. Com cuidado. Sem pressa. Eu não consigo esboçar nenhuma reação além de retribuir porque soa como os beijos sem pressa dentro do armário. Cuidadoso. Seus dedos acariciam minha bochecha. Eu gosto do beijo da Pandora. Merda, como gosto. Mas o que não sei decifrar é o desespero inteiro percorrendo minhas veias enquanto ela me beija.

Meu estômago revira. Não é pela comida ruim. Eu não sei decifrar, juro. Mas o desespero não soa tão ruim como parece.

O beijo não demora, mas é devagar. Como se ela quisesse absorver cada segundo. Eu também estou absorvendo. Principalmente quando ela se afasta e sua pupila está gigantesca, me fitando. Seu olhar se fixa por alguns segundos na minha boca antes de depositar um selinho demorado.

Eita, não saiu nada. — Franze o rosto.

— Pam?

— Espero que tenha deixado claro que isso foi um encontro romântico.

Continue Reading

You'll Also Like

50.1K 4.3K 40
|completa| Harry Styles é chamado de muitas coisas, mas principalmente vadia. A mesma velha história, ao mesmo tempo inédita e com um final diferente.
220K 12.6K 114
𝗜𝗺𝗮𝗴𝗶𝗻𝗲𝘀 𝘁𝗿𝗮𝗱𝘂𝘇𝗶𝗱𝗼𝘀 𝗱𝗼 𝗕𝗲𝗻 𝗕𝗮𝗿𝗻𝗲𝘀 𝗲 𝘀𝗲𝘂𝘀 𝗽𝗲𝗿𝘀𝗼𝗻𝗮𝗴𝗲𝗻𝘀 𝘃𝗼𝘁𝗲𝗺 𝗲 𝗰𝗼𝗺𝗲𝗻𝘁𝗲𝗺 TODOS IMAGINES SAO P...
20.2K 3.9K 52
Nem sei o que eu to fazendo, só escrevo a primeira coisa que vem na minha mente
9.8K 230 13
Obra do português Fernando Pessoa.