A Origem de Gênesis

Per maryabade

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Gênesis tinha vários objetivos para o seu ensino médio, bem organizados em uma to do list. Só que alguns, em... Més

Nota sobre a não-binariedade de Jacques
Rádio Submersa: Nova Atlântida
Entrevista com: "A salva-vidas"
Entrevista com: "A cheerleader"
Bem-vindos a Nova Atlântida
Primeiro Ato
1 - Políticas Invisíveis
2 - Garotas Prodígios
3 - Salva-vidas Caninos
4 - Animais de doce
5 - Apostas de corrida
6 - Pedidos de Desculpas
7 - Frases de efeito
#1 - Rádio Submersa: Pangen? Nathan é gay?
Segundo Ato
8 - Caçadores de Medos
9 - Melhores Violinistas (e ciúmes)
10 - Malditas coincidências
11 - Últimas Opções
12 - Capivaras Domésticas (#DiaDoOrgulhoLésbico)
13 - Boca a boca (#VitoriaDay, rs)
14 - Garotas de toalha
15 - Restaurantes Franceses
16 - Políticas Visíveis
17 - Palavras não ditas
18 - Patos de Borracha
Entrevista com: "A (ou o) locutora"
#2 - Rádio Submersa: Jacques é uma mal amada
19 - Palavrões
20 - Anéis de Brinquedo
#3 - Rádio Submersa: Rapidinho, tem mais.
Terceiro Ato
22 - Maré Baixa
23 - Parentesco #JulinhaDay
24 - Colares da Amizade
25 - Presentes natalinos
26 - Lar
27 - Encontros Românticos
28 - Pansexual
29 - Espuma
30 - Pangen
31 - Péssimas Amigas
32 - Famílias Minúsculas
33 - Violinos (e vínculos) quebrados
34 - Coberturas (e garotas) lésbicas
35 - Atos de Amor (e Atlantis, de novo!)
36 - Caixas de Panetone
37 - Dia de São Nunca
Rádio Submersa: Eu, Gênesis Salvador
38 - Unanimidade
39 - Família Grande
40 - Gênesis
Bônus: A Origem de Primeiros Beijos

21 - Sáficas

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Per maryabade

Ela aceita.

Eu não gosto tanto de reuniões na praia, mas é a ideia perfeita para um diversão supérflua. Bebidas, pouca gente (o que significa que não é barulhento, como Pandora diz não gostar) e na praia. Não sei se ela não tivesse me contado isso, eu iria topar. Mas acho que se não topasse, eu passaria boa parte da noite pensando em um beijo que não foi bom, mas que deveria. Então é uma opção melhor, ir a praia com Pandora e a gente beber para seu ato irresponsável de adolescente.

Não sei se foi realmente uma boa ideia de verdade, mas serve para Pandora e serve para mim. Pelo menos, afastou um pouco os pensamentos enquanto estou encostada na entrada da casa da Pam, esperando ela finalmente sair. Bem, ela não vai ficar mais um dia na casa do papai. Isso é ruim porque uma semana a deixou com um aspecto muito mais saudável. É bom porque não estou realmente disposta a dormir com ela hoje.

Estou chutando pedrinhas pra passar o tempo enquanto a espero.

Ela seria a melhor pessoa pra escutar minha confusão sobre o beijo com Isaac. É a melhor pessoa pra me entender nessa situação porque sabe meu desespero. Pandora zombaria de mim talvez, mas entenderia.

Não vale a pena.

Não vale a pena quando meu cérebro diz que é por culpa dela. E essa parte ela não entenderia. Nem eu estou entendendo, por que ela conseguiria?

Escuto a porta fecha, seguido do barulho de chaves. Ela desce os míseros degraus da entrada antes de eu ser impregnada com o cheiro dela. Pam está com uma camisa qualquer, fina, com os botões abertos, como um casaco. Calção e uma camiseta por baixo, como sempre. Ela não muda muito. Não é como se eu estivesse muito diferente dela, em nível, também. Não que eu esteja de calção e uma camiseta tamanho maior que o meu corpo, mas é tipo isso.

Estou querendo um momento divertido idiota com adolescentes idiotas.

E nada melhor que isso que uma reunião boba na praia com bebida.

Pra Pandora também.

Nós duas caminhamos até a praia, sem dizer muito. É notório uma roda de adolescentes sentados no chão. Não tem fogueira ou nada do tipo. Está calor demais pra isso. Eles estão conversando um pouquinho alto, mas não o bastante para incomodar o grupo de pessoas mais próximos.Antes que nós duas nos aproxime o bastante para sermos escutada, Pandora dá um toque no meu braço, me fazendo desviar o olhar pra ela. Estou nervosa. Ainda consigo não aparentar, mas estou nervosa. Estou com uma expectativa que um pouco de diversão me lembre que estou sendo exagerada por estar colocando pilha em mim mesma por não ter sentido nada pelo beijo.

— Tu disse que vai cuidar de mim, certo? — Ela não precisa falar perto de mim, mas ainda sim, fala.

Ou talvez seja a sensibilidade do momento.

— Sim, sou sua responsável hoje.

A gente caminha até a roda. Doze pessoas, no máximo. Jacques está nela. Ele mexe no celular fixamente, sentada de frente para onde estou. Rebecca e Nathan também estão, mas o resto não me lembro exatamente de já ter trocado mais que meia dúzia de palavras. Mas não precisa também. Não é como se precisasse conhecer todo mundo, nesse tipo de coisa. Eu cumprimento, me sentando em um lugar com mais espaço, enquanto Pandora caminha para se sentar ao lado de Jacques, de frente pra mim. Coincidentemente, o único lugar vago.

Observo Jacques sussurrar algo no ouvido dela e ela assente.

Nathan está do meu lado. Ele observa Pandora, como se eu não tivesse avisado que ela viria.

E sabe, é como um ritual. A gente bebe. Conversa. Escuta os outros contar histórias exageradas e ri. A bebida é uma cerveja de uma marca que eu nunca vi na vida, mas não dou importância porque estou focada em prestar atenção em Pandora. Ela beberica uma bebida, mas não vai longe. O círculo não é tão grande, mas não tenho coragem de gritar "ei, beba mais!" porque... eu estaria a embebedando, certo? E não é esse o objetivo. É que ela se divirta de um jeito irresponsável porque estou aqui para observar seus atos. E Jacques. Não queria que ele estivesse aqui ou que o outro lugar vago fosse ao lado dela.

E, pelo menos pra mim, não me satisfaz. Estou tomando o líquido da lata, escutando a conversa e observo como Pandora se porta nisso tudo.

Ela realmente não sabe beber. Sei que Isaac tinha dito isso, mas eu tinha minhas dúvidas. Essas dúvidas morreram ao ver cada gesto que Pandora dá, meio desleixada enquanto todo mundo está bebendo e está se divertindo.

Não era meu objetivo. Observo um casal bobo sair, dando beijos, deixando claro que vai procurar um pouco de intimidade. Pandora tira o celular do bolso e parece começar a jogar algo nele. Suspiro. Eu me levanto, ando ao redor do círculo até me aproximar de Jacques. Não sei se é porque quero ficar perto de Pam ou não sei, mas a minha desculpa é que é melhor cuidar dela de perto e prometi que seria divertido.

— Troca de lugar comigo? — sussurro e ele assente, se levantando.

Pandora levanta o olhar pra mim, guardando o celular, como se esperasse uma reclamação da minha parte. Eu só me sento. Pelo menos, não preciso ficar frente a frente com ela. É mais seguro.

— Não é minha praia — diz, sussurrando.

— Claro que é sua praia, você trabalha aqui — brinco.

— Não, bobona. Quis dizer que não sou tão fã dessas situações. Beber só não tem graça.

— Ah, mas eu trouxe você pra se animar com álcool! Não é só beber. Esse é o primeiro passo.

— Aposto como também está achando um tédio.

Ela tem um ponto. Mas não estou com tédio. Se não tivesse nervosa, estaria me divertindo mais. Estaria bebendo, dando mais atenção para as conversas e talvez falando besteira também.

— Não. Pandora, não esperava que você fosse tão careta.

— A gente só bebe e conversa assim?

— Não, a gente... — sou interrompida por um tom mais alto.

— Tá na hora da gente brincar, já que todo mundo já chegou e já foi embora.

Arqueio as sobrancelhas, Pandora observa o garoto de cabelo raspado.

— Um copinho para cada. Não quebrem, nem tomem com ele sujo de areia, por favor.

Uma garota ruiva, com sardas mais evidentes que a minha enche o copo de cada um antes de se sentar no seu lugar. Do jeito que isso soa, acho que preferia a bebida e a conversa "assim".

Eu nunca. Fez, bebeu. Só um esquenta com a única garrafa de tequila que a gente tem.

Faço uma careta. Não sou muito fã desse tipo de brincadeirinha, mas aposto como Pandora nunca participou e é o tipo de idiotice adolescente que ela precisa passar, em algum momento. O líquido transparente no copo de dose está na minha frente, ainda oscilando por eu ter sido a última a receber. Alan, o garoto de cabelo raspado, se direciona a Pandora, como se não lembrasse seu nome ou não soubesse.

— ...Pandora, começa.

— Eu digo algo que nunca fiz, certo? — Ela diz, mordendo os lábios. É uma confirmação pra si mesmo, como se estivesse pensando. — Nunca fiquei com um garoto.

Os únicos que não bebem são Pandora e Jacques. Sem mais. Eu bebo, claro. Beijei um garoto, de verdade. E se não tivesse beijado, tenho uma farsa para manter. Provavelmente a bebida só aguenta três rodadas. A garota ruiva coloca mais. Observo como Pandora, do canto dos olhos. Ela está de pernas dobradas, com a mão segurando o copo para não tocar no chão e me olhando também. Um suspiro sai da sua boca antes de apertar as mangas da camisa. Becca, ao seu lado, pigarreia, avisando que é sua vez.

— Nunca beijei uma garota.

O uníssono de eu já. Observo Pandora beber e fazer uma careta. Todo mundo, menos eu, bebe o shot. A pergunta me pega desprevenida, não sei qual deve ser a resposta. O líquido continua no copo. Brincadeira idiota. O nervosismo que eu pensei que estava menos, aumenta o bastante para eu enfiar as mãos no bolso do meu short jeans. Os beijos que tive com Pandora não valeram. Eu beijei uma garota. Eu a beijei de novo. E de novo. E de novo. Mas não valeu, nem deveria.

Olho em sua direção, espero que sua reação seja diferente, mas acho que ela entende que era nosso acordo. Ou, pelo menos, não consigo ver nenhuma reação ruim na sua expressão pela minha mentira.

Péssima ideia.

Chega de beijos.

— Nunca recebi um oral bom. — Uma garota diz, sem seguir a ordem.

Bêbada. A garota já está bêbada. Todo mundo olha pra ela, em risadinha. Poucos eu já. Sempre estou dando atenção para Pam, que bebe dessa vez também. Não sei qual é minha reação, mas Nathan me fita, deixando claro que estou acabando com sua reputação. Eu bebo. É a segunda mentira do eu nunca, me coroando a maior trapaceira. Pelo menos, está sendo divertido pro resto e Pandora está bebendo um pouco mais, mesmo com a caretas.

Ela bebe, faz uma careta e depois continua como se nada tivesse acontecido. O olhar de quem não sabe o que está esperando. Inocente. Tão inocente após beber um shot depois de escutar uma garota dizer que nunca recebeu um oral decente.

A brincadeira continua até a garrafa ficar vazia, apenas mais dois eu nunca. Não escuto, mas bebo a minha última dose para não perder a oportunidade.

Péssima ideia vir aqui. Só está me deixando mais nervosa.

Quando acaba, pego uma lata de cerveja novamente e apenas observo as pessoas falarem. Olhando por esse lado, não é a cara da Pandora estar aqui. Isso tudo.

Nunca beijei uma garota.

Por que o beijo inválido mexe mais comigo do que o beijo que esperei tanto? Por que não consigo tirar da mente quando a coisa mais comum de todas deve ser incompatibilidade?

— Pam, vem aqui.

Ela se levanta de prontidão quando a chamo, me levantando também. Nós duas caminhamos em direção a entrada do cais. Pandora se encosta nas madeiras grossas de suporte, me fitando. Eu desvio o olhar, me aproximo um pouco, mesmo que ninguém esteja perto pra escutar o que quero dizer.

— Beijei Isaac.

O quê?

Eu beijei o Isaac Boaventura. Ontem.

— Tu beijou o Isaac? — ela repete, seu olhar incrédulo me diz que eu vou me ferrar pelo meu ato imprudente.

— Não me julga. Eu tô nervosa.

Ela me fita, seus lábios se separam. Incrédula. Muito incrédula.

— Tu beijou ele, Gênesis?

— Merda. — Meu coração está batendo tão forte que parece que vai explodir. — Sabia que você ia me julgar.

— Não tô te julgando. Por que eu julgaria? Eu tô... surpresa.

— Eu não sei o que aconteceu, mas ele me beijou. Não consigo tirar esse beijo da minha cabeça porque... Pam — faço uma pausa. Meu coração vai explodir.

Pandora está com uma impressão notória. Ela não nega surpresa. Cruza os braços, continua me escutando.

— Ele atendeu todas as coisas que eu imaginava nele. Ele é legal, gentil e foi incrível comigo. Eu... — a fito.

Se fosse um maldito filme legal, eu beijaria Pandora. Eu diria que o beijo não teve emoção como o dela. Eu diria muitas coisas. Ela espera uma continuação, incrédula. Meu coração está batendo, eu aperto as mãos, nervosa. Não vou jogar isso em cima dela. Não quando isso é uma incerteza e uma confusão da minha mente. Isso não impede que eu já consiga ver sua chateação explodir nos seus olhos.

— Esquece, vamos voltar pra lá.

— Tá tudo bem, Gênesis? — pergunta, receosa.

— Tá. Vem, você precisa beber.

— Não quero. Tu tá falando esse tanto de coisas legais dele e tá assim, borocoxó.

— Eu vim aqui pra tirar isso da mente. Pensei que quisesse conversar com você, mas foi um ato precipitado. Idiota, como sempre. O beijo foi bom. Tá tudo bem.

Não está.

Maldita hora que vim pra cá. Acho que estou estragando a experiência da Pandora também. Ela bebe, pouco. Eu estou, sei lá, bebendo demais. Magoada comigo mesma. Não sei se isso é possível, mas eu me odeio. Odeio essa sensação, odeio ter que conter todas as coisas que eu sinto porque de alguma forma, não deveria sentir isso. Outra idiotice. Como não deveria se estou sentindo meu peito explodir e implorar para gritar em voz alta certas coisas? E Pandora está sendo gentil, mais do que eu esperava. E estaria tudo bem se eu quisesse a gentileza dela.

Não quero a gentileza dela.

Becca e Nathan estão juntos, conversando sentados na areia. Eu quero me juntar a eles, mas não sei se consigo manter uma conversa coerente. Se contar o modo como estou, eles vão começar a jogar na minha cara certezas que nem eu tenho. Você gosta da Pandora. Você gosta de garotas. Eles não estão fazendo por mal, mas não quero ouvir isso agora. É só mais uma prova de que sou estúpida e todas as pessoas sabem mais sobre mim do que eu.

Não sou eu quem estou cuidando de Pandora. É Jacques. Os dois conversam. Jacques já roubou o casaco da Pam. Fico me perguntando se aconteceu a mesma coisa com os dois. Se eles se beijaram. Se houve alguma coisa. Se é realmente estranho o modo como me sinto perto de Pandora. Queria que deixassem claro se está tudo bem essa sensação porque acho que não está.

Não está. E eu estou esquecendo que sou eu a responsável por Pandora porque, em algum momento, não estou prestando mais atenção nela e na sua companhia muito menos confusa.

Não bebo mais. Eu me sento no chão novamente, pela milésima vez. Pandora senta ao lado de Jacques, não do meu. Ela está bêbada. Bêbada. Seu olhar não está focando em nada. Não cuidei dela direito. Se tivesse, saberia que ela não deveria beber muito porque não tem costume. É fofo até certo ponto, mas muito preocupante, que ela esteja se entretendo com uma coisa boba no chão. Todo mundo está, pelo menos, mais animadinho. Essa é a diversão de se reunir com poucas pessoas, mesmo que eu não esteja achando nada divertido.

Quero beijar a Pandora. Não é a bebida. Eu quero beijar Pandora. De verdade. Valendo. Quero beijar a Pandora, brincar de eu nunca novamente e beber quando alguém dizer que nunca beijou uma garota porque eu beijei de verdade minha melhor amiga que vai ser ex-melhor amiga porque a gente não beija amigas, romanticamente. Não consigo não repetir as mesmas palavras no meu cérebro porque ele está a ponto de explodir.

Estou soando patética. Pandora está na minha frente novamente, não posso me julgar por estar olhando diretamente.

Quero beijá-la.

E quero dizer que eu não senti nada com Isaac.

Mas talvez, assim como eu não senti nada por Isaac, ela não sinta nada por mim. Ou talvez eu esteja confusa com essas sensações dentro de mim e ache que estou apaixonada por ela. Vou estragar uma amizade.

Vou estragar a droga de uma amizade.

E talvez seja o desespero correndo nas minhas veias porque esse é o grande x da questão.

Becca coloca a garrafa no meio do círculo. Eu sei o que significa isso. É pior do que eu nunca. Pandora faz menção de se levantar, mas Jacques sinaliza que ela fique. Tudo o que faltava era um jogo da garrafa, na minha situação.

— Verdade ou desafio. Não quer responder, desafio — Becca diz.

Odeio essa brincadeira. Mesmo que nunca tenha participado, sei que ela não é uma opção legal.

Já estou inquieta.

Estou me sentindo mal. Beijar Isaac está derramando todas as sensações que já contive.

Alguém gira. Não para em mim. Não estou prestando atenção. Tudo bem. É um daqueles momentos que o mundo está girando e você provavelmente vai fazer besteira porque não está pensando em nada coerente. Não vai ter nenhuma pergunta idiota se cair em mim porque Pandora não faria isso, muito Becca e Nate. Ninguém além deles sabem coisas constrangedoras sobre mim que vão deixar a coisa inteira desconfortável.

Gênesis, verdade ou desafio?

Jacques. Ele não está bêbado. Não tomou mais que as doses na última brincadeira. Na verdade, nem sei o que ele está fazendo aqui. Acho que Pandora pediu que ele viesse, para fazer companhia.

— Verdade.

— Com quem você teve seu primeiro beijo?

O tom que ele usa. O olhar fixo em mim enquanto respiro fundo.

— "É verdade que..." — digo, deixando claro como funciona a brincadeira.

— Não. É responder uma pergunta sem mentir. Com quem você teve seu primeiro beijo, Gênesis?

Nate.

Ela ri. Não é minha vez de girar a garrafa. Sentido anti-horário. Olho para Pandora, ela morde os lábios, me observando. Nós temos um acordo. Não é como se eu fosse falar que a beijei. Mesmo que quisesse. Céus, eu quero falar que a beijei, mas não consigo fazer uma simples palavra. Beijei Pandora. E beijaria de novo, se pudesse e eu não me sentisse tão culpada quanto estou. A garrafa gira de novo em minha direção, eu resmungo. Não é alguém que eu conheço. Ele me fita, suspira e rir.

— Pode ser desafio? — pede, provavelmente sem uma pergunta real.

Assinto.

— Dez estrelinha.

— Quê?

Fazer estrelinha. Seguidas.

— Seu desafio é que eu dê cambalhotas, tipo isso? — dou uma risada incrédula.

— Não consegue?

— Eu estive três anos no cheer, é bem difícil não saber isso. Mas é um desafio bobo.

— É um desafio engraçado se levar em consideração que você não vai conseguir fazer porque está bêbada demais pra ter equilíbrio.

Engano seu.

Ele está certo. É divertido. Não é uma pergunta constrangedora ou um desafio com teor sexual. Na verdade, as pessoas riem do tom que ele usa pra provocar um desafio real. Nunca dei estrelinha na areia, mas não é tão difícil. Eu me levanto, me posiciono e, céus, não tenho equilíbrio nenhum. Ele está certo. Preciso me concentrar muito para calcular onde colocar as mãos antes de tentar. Dez estrelinhas. Que piada.

Faço a primeira. Estou sendo constante e fazendo uma em seguida da outra. Segunda. Terceira. Quarta. Quinta. Na sexta, eu caio de costas para a areia. As pessoas riem. Eu também. Era esse tipo de coisa que queria para me entreter. Brincadeiras idiotas. Volto para o lugar, toda suja de areia. Até Pandora está rindo e eu sorrio, observando isso. A gargalhada boba dela, virando o rosto.

— Quase — digo. — Pode continuar.

Pelo menos, dessa vez não sou eu. Nem na outra. Os desafios não são com pessoas que conheço. Quando é a minha vez, é engraçado como a garrafa faz o percurso reverso. Para exatamente em Jacques. Sorrio, observando ela arquear as sobrancelhas e se inclinar em minha direção.

Verdade.

Você já beijou uma melhor amiga sua?

Jacques gargalha. O olhar surpreso de Pandora é incomparável. O problema é que saiu sem querer. Não pensei muito. Só falei. Que vergonha. Pam dá uma risadinha também.

Não, Gênesis. Só você.

Claro, claro.

Devia ser anti-horário, mas em algum momento se perdeu. Alguém do outro lado roda a garrafa. Depois é Pandora. Ela gira enquanto me olha. Só que não percebo que ela está retribuindo o olhar porque a maldita garrafa viciou em mim — ou pelo menos é isso que parece.

— Verdade.

— Não sei o que te perguntar — confessa, sem jeito. — Acho que o objetivo é esse, mas não quero te deixar desconfortável. Responde a pergunta que você quiser.

— Não, não é assim. Vai, pode fazer qualquer pergunta — a incentivo, apenas porque a brincadeira é assim.

No mais, não quero responder nada.

Gostou?

— Não sei.

— Ei, não vale pergunta enigmática — Alguém reclama e Pandora suspira.

— Não sei não é resposta, de qualquer forma. Desafio. Te desafio a beijar uma garota — diz, mordendo os lábios.

Quê?

Esse é o desafio dela? O silêncio paira. Eu estou observando a pessoa que acabou de me desafiar a beijar uma garota. Uma garota. Vago. Pandora acabou de me desafiar a isso. Depois de eu dizer que beijei Isaac.

Beija uma garota. Tu é a única daqui que nunca beijou uma.

— Se eu mandasse beijar um garoto, você não gostaria — retruco, irritada.

— A diferença é que eu sou lésbica. O que tu é? Se disser hétero, eu mudo o desafio.

As risadas. O clima. É óbvio que todo mundo percebe a tensão de algo a mais. Um desentendimento que vai além da brincadeira da garrafa. Mas a minha expressão é totalmente sem jeito. Desconfortável. Na verdade, a menção que ela faz quase me faz chorar — misturado com a bebida e com a sensação idiota que tive ao beijar Isaac. Estava mais divertido nas piruetas. Sei que o tom dela é de alguém que bebeu, mas até o momento que observei, ela não bebeu mais que os shots de tequila. Quatro shots. Céus, mais que o suficiente.

— Você foi uma babaca agora, Pandora. Sem motivo algum — deixo claro, quase em colapso.

— Não tô sendo babaca. Tu disse que podia ser qualquer um. Não escolhi a garota que deve beijar.

— E quem você acha que eu iria beijar? "Não queria me deixar desconfortável" — imito seu tom de voz. — Sério? Idiota.

Alguém interrompe a discussão. Eu cruzo os braços, me sentindo patética porque não fiz exatamente nada para Pandora falar isso. Alguém gira a garrafa, como se soubesse que a discussão não vai valer a pena. Eu não consigo desviar o olhar de Pandora e ela retribui. Acho que ela percebe que foi estúpida porque desvia o olhar e quebra a troca de olhares. É a vez da Becca, gira e, pela primeira vez para em Pandora.

— Verdade ou desafio?

— Verdade.

— De quem você gosta, Pandora? — viro o rosto para Rebecca e sua pergunta.

Ela sorri de canto, como se tivesse acertado em cheio.

— Desafio.

— Te desafio a dizer quem você gosta — Becca diz antes de rir. — Sete minutos no paraíso. Com venda. Beijo. Com quem eu quiser.

— Se for uma garota, tudo bem.

— Sim, não se preocupe. Suas duas melhores amigas vão se certificar disso. — Becca dá de ombros. — A sala de manutenção?

— Tá — suspira, sem dar tanta importância.

O processo é rápido. Alguém arruma uma bandana fajuta, coloca no rosto de Pandora e todo mundo caminha em direção ao cais, mas não perto o suficiente da sala. Quando Pam já está dentro dela, Becca cruza os braços, como se já tivesse certeza.

— Sete minutos no paraíso não significa que tem que ter beijo.

— Sim, por isso coloquei a regra — Becca retruca.

— Quem você vai mandar? — Jacques pergunta, curiosa.

— Quem quiser. Se ninguém quiser, eu vou.

Duas garotas levantam a mão. Observo isso. Acho que vou desmaiar. Não pelas garotas levantando a mão, mas porque estou em pé e estou impaciente. Rebecca suspira.

— Eu vou.

— Vai, Gênesis?

Vou.

Eu dou o primeiro passo. Tão convicta que não tropeço em nada. Não vou beijá-la, óbvio. Caminho em direção a sala de manutenção, abro a porta e a fecho, antes que alguém faça alguma objeção. A luz está ligada. Pandora está sentada em uma cadeira, paciente. A bandana ainda está no rosto. Pelo menos, ela é fiel às coisas. Abro a boca pra discursar, deixando claro que não vim beijá-la. Só... é uma brincadeira idiota. Ninguém gosta de beijar alguém que não sabe quem é.

Eu não a beijaria, se ela não soubesse que sou eu.

— Não vai? — pergunta, quebrando o silêncio. — Não sei porquê da venda.

É.

— Eu beijo muito bem. Sério. Mas gosto de beijar uma boca em específico. Que tá na cara. Todo mundo sabe que eu gosto dela, menos ela. Estou falando isso para que tu não veja vantagem em me beijar porque até pra um beijo simples não tô valendo nada.

Ela está mentindo para não ganhar um beijo. Eu quero rir, mas minha risada é inconfundível.

— Eu não quero beijar ninguém que não seja ela. Mas aí, acho que não vai dar certo, então... Me beija. Pode beijar. Pode beijar. Confio na Jacques pra escolher. Gênesis é uma tapada, não confio nela.

Tudo bem, em outras circunstâncias eu não beijaria. Juro. Mas soa tão ridículo seu diálogo tropeçado que eu me aproximo, tentando ir de uma forma que não a assuste, mas também não faça tanto barulho.

E ela sente porque inclina o rosto, como se não quisesse se levantar. E eu sou um pouquinho alta demais para me inclinar em uma cadeira tão baixa. É por isso que seguro as suas mãos, a fazendo se levantar e ficar quase cara a cara comigo. Respiração perto demais de mim. Queria que ela percebesse logo pra impedir de fazer algo que eu vou me arrepender e vou me sentir esquisita. É óbvio que ela não percebe, impossível.

Ela disse pode beijar. Isso significa que ela não se importa com quem está a beijando.

Junto nossos lábios. Acho que vai ser só isso. Estranho. Porque sou corajosa para o ato, não nele.

Só que Pandora coloca a mão na minha nuca e continua o beijo. Eu dou um passo pra trás, desequilibrada. Ela coloca a mão na minha cintura. E beija. Como beija. Experiência. Talvez a gente tenha a coisa. Meu coração está batendo tão forte que agora estou preocupada que seja uma parada cardíaca por excesso de bebida. A mão que está na minha nuca desliza para a minha cintura. Seu rosto se movimenta para encaixar no meu enquanto ela dá um passo a mais para igualar quando me afastei. Não consigo comparar o beijo de Pandora.

Mas céus, o que fiz com Isaac não pode ser considerado beijo. Porque essa sensação que eu tenho não tem nada a ver com o que aconteceu ontem. É bom. Estou com um frio na barriga idiota e estou perdendo minha compostura. E enquanto eu estou perdida no beijo, ela sobe a barra da minha camiseta. Um pouco. Seus dedos passam pela minha pele e acho que estou arrepiada. Tão arrepiada que não noto o toque que ela faz na minha barriga, do lado direito.

Tatuagem natural de melhores amigas. A cicatriz do corte.

— É bem difícil não notar que é tu — sussurra, mas não para.

A gente se separa. Não sei o que ela está sentindo, mas sei o que eu estou sentindo.

Meu deus. Meu deus.

Seu peito está subindo e descendo. Ofegante. Desvio o olhar. Eu estou entrando em pânico de verdade.

Desculpa. Fui babaca te beijando. Olha, não me odeia. Eu... minha mente está explodindo. Não sei o que estou fazendo, mas... a sensação que você dá... Eu... Pam, desculpa.

Não estou conseguindo terminar uma frase inteira. Ela me observa, surpresa.

— É que todo mundo fica jogando isso pra mim, dizendo que gosto de garotas, que não sei o que. Todo mundo parece saber mais do que eu e jogam em cima de mim como se eu fosse uma grande idiota. Não me deixam escolher. Não me deixam respirar. E aí estou culpando a mim mesma por não conseguir. Tô sendo babaca o tempo todo por isso, desculpa. O problema não está em você — confesso, falando sem parar. — Está em mim. Não me ache um monstro, como se eu não soubesse separar uma amizade. Jacques consegue, né? Vocês nunca beijaram e... Eu consigo também. Mas não sei o que está dando em mim porque estou sendo patética.

Duvido que ela esteja entendendo. Só estou tropeçando nas palavras e falando torto. Meus olhos estão enchendo de água em uma espécie de alteração de humor repentina. Ou talvez seja por estar segurando desde a confusão mental que se alojou em mim ontem.

— Gen, eu gosto de você.

— Eu também gosto muito de você, Pam. Juro. Amo tanto você. Estava com tanta saudades e não quero perder sua amizade. É só que meu cérebro está me sabotando e não consigo lidar com isso sem fazer bobagem. Tenta me entender.

— Não, Gênesis. Eu... tu não tá entendendo. Eu... — gagueja.

— Pam... se você tivesse me dito antes que gostava de garotas, tinha falado que também gostava. Tanto quanto você — a interrompo, continuando, segurando as lágrimas.

Eu gosto de garotas. E isso ficou sufocado em mim por três anos.

Já devia ter dito isso pra ela. Já devia. A expressão dela desmancha, não termina de falar. Ela me olha enquanto minhas mãos tremem e eu estou controlando para não fazer um vexame pior.

— Você pode falar qualquer coisa, mas não me julga. Eu não tô falando que é culpa sua. Por deus, é tudo culpa minha. Mas tenta me entender. Eu gosto de garotas tanto quanto você. Gosto de garotas, Pam. Eu... não sei se eu sou bissexual, lésbica ou... não sei. Mas agora não consigo aceitar nada. É idiota. Todo mundo age como se eu fosse uma tapada que não percebe. Mas me entende, por favor. A gente tava vivendo as mesmas coisas, eu estava tão confusa quanto você. — Começo a soluçar, com as lágrimas escorrendo em exagero. — Só que... você simplesmente me deixou de lado. Passei os últimos três anos procurando o que fiz e odiando cada resquício seu que gostava de garotas e deixei a parte minha que também gostava de lado. Agora não sei por onde começar e estou em desespero porque eu não me encontro.

— Gênesis.

— Eu vi você tendo as experiências que eu também deveria ter e essa coisa inteira ficou distante. Mas não tá distante de verdade, Pam. Eu... Pam, não tô te culpando. Não é sua culpa. Meu deus, tô falando tudo errado. Me perdoa. Por favor, me deixa começar de novo.

— Não precisa — tenta, mas sua resposta não chega no meu cérebro.

Ecoa. Preciso explicar. Preciso.

— Eu gosto de garotas. Se você tivesse me contado antes, eu diria. Só que quando você se afastou, essa coisa também foi. E agora eu tô me sentindo uma grande esquisitona. Tô me sentindo culpada. Não consigo fazer meu cérebro achar uma boa ideia porque ele só remete a eu ficar sozinha. Não precisa jogar a culpa em mim. Eu sei que é. Tô falando pra você porque deveria ter contado antes, mas não me deu chance. Passei os últimos três anos fingindo que essa sensação não existia. Evitei qualquer garota, os lugares que você ia, mas...

Não consigo terminar. Mas piora ainda mais quando Pandora me abraça. Eu estou soluçando, ensopando o rosto de lágrimas e ela me abraça apertado. Um abraço que só me faz chorar mais. Mas é um abraço de compreensão. E eu preciso disso.

— Eu queria ter tido o que você teve, Pam. Mas é como se não tivesse sido convidada pra isso. E você não tá errada. Não tinha como saber isso. Eu só tô tentando dizer pra não me julgar porque não tá sendo fácil pra mim, aceitar algo que deixei de lado por tanto tempo. Não me odeia por te beijar porque eu tô perdida. Não me odeia por ter beijar porque você é o único resquício que eu tive. Você me dá coisas que não sei explicar porque minha experiência com garotas é baseada unicamente em você me deixando pra trás.

Não sei como tive coragem de falar isso. Minha mente está um borrão. Eu estou soluçando, esperando que Pandora me ache esquisitona por ter a beijado e dito essas coisas.

Desculpa ser uma péssima amiga — ela sussura, perto do meu ouvido.

É o primeiro pedido de desculpas que soa de verdade. Ela continua me abraçando. Meu peito está doendo. O nervosismo ainda está aqui, mas me sinto melhor depois de ter dito pela primeira em voz alta que gosto de garotas. Porque isso explica metade das coisas que aconteceram. Gosto de garotas.

— Pam, eu tô perdida — repito.

Muito muito perdida.

— Não tá mais, Gen. Eu tô contigo. E vai ficar tudo bem. A gente se ajuda. Não precisa se sentir culpada pelo que aconteceu, ainda tem todo o tempo do mundo pra se entender. — Ela segura minha mão, o abraço acaba só pra gente ficar se entreolhando.

Ela também está chorando. Não tanto quanto eu, mas seus olhos estão marejados enquanto me segura firme, entrelaçando meus dedos nos seus. Meu peito está indo e voltando. Ela sorri. E o modo como sorri é tão contagiante que eu sorrio também, com as lágrimas escorrendo.

— Desculpa por ter te deixado na mão, mas não te deixo mais.

— Promete?

Prometo.

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