O Mais Belo Vermelho

By GabrielaPimenta

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Julien Dufour está enredado em um casamento arranjado com a filha mais velha do Duque de Northumberland, amig... More

Capítulo 01 - Os gêmeos
Capítulo 02 - Igualmente diferentes
Capítulo 03 - Excêntricos
Capítulo 04 - Fascínio
Capítulo 05 - Tormento
Capítulo 06 - Ímpetos
Capítulo 07 - Estranhezas
Capitulo 08 - Segredos e intenções
Capítulo 09 - Sentimentos desconhecidos?
Capítulo 10 - Confrontos
Capítulo 11 - Receios e verdades
Capítulo 12 - Visita
Capítulo 13 - Amigos
Capítulo 14 - Pedaço por pedaço
Capítulo 15 - Tentativas
Capítulo 16 - Convidado
Capítulo 17 - Baile de noivado
Capítulo 18 - Cúmplices
Capítulo 19 - Entre chances e brindes ao fracasso
Capítulo 20 - Afundando em um transe
Capítulo 21 - Um lugar que só nós conhecemos
Capítulo 22 - Pela primeira e última vez
Capítulo 23 - Fantasmas do passado
Capítulo 24 - Vislumbres de quem sou
Capítulo 25 - E se eu ouvir?
Capítulo 26 - Rancores e feridas
Capítulo 27 - Entregando-se ao inevitável
Capítulo 28 - Talvez eu seja. Talvez sejamos
Capítulo 29 - Estes são meus temores
Capítulo 30 - Promessas indecente
Capítulo 31 - Confissões no armário
Capítulo 32 - Elo entre irmãos
Capítulo 33 - Inquietações
Capítulo 34 - Todas as imperfeitas coisas
Capítulo 35 - Novas cores e velhas angústias
Capítulo 36 - Fogo e água
Capítulo 37 - Nas entrelinhas
Capítulo 38 - Vínculos despedaçados
Capítulo 39 - Ao meu caro pai
Capítulo 40 - Enfrentando a realidade
Capítulo 41 - As marcas em minha pele
Capítulo 42 - Verdades através de mentiras
Capítulo 43 - Os sabores dos dias
Capítulo 44 - Sob a lápide
Capítulo 45 - Desalentos
Capítulo 46 - Uma linha sem volta
Capítulo 47 - Consequências
Capítulo 48 - Ecos no silêncio
Capítulo 50 - Entre o passado e o futuro
Capítulo 51 - Ela se lembra
Capítulo 52 - Segredos que retornam
Capítulo 53 - Castelo de cartas
Capítulo 54 - Os ventos da mudança
Capítulo 55 - Batimentos pulsando em meus ouvidos
Capítulo 56 - Pequenos segredos sujos
Capítulo 57 - Plano encerrado. Planos que desmoronam
Capítulo 58 - Palavras que dão liberdade
Capítulo 59 - Perfeito em suas imperfeições
Capítulo 60 - Amores que iluminam o mundo
Epílogo

Capítulo 49 - Contra tudo e contra todos

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By GabrielaPimenta

— Temos que tomar uma providência. — disse Eloïs, categórico — Os dois estão sofrendo e são orgulhosos demais para tomarem uma maldita iniciativa.

— Não creio que orgulho seja o problema. — suspirou Julien — Christian está enfrentando uma situação complicada e Christinie se sente responsável pelo acidente dele. Nenhum dos dois sabe realmente como lidar com suas emoções.

O mais novo respirou fundo e concordou; seu irmão retomou:

— Além disso, já tentei conversar diversas vezes com a Chrisie, mas ela parece não ouvir uma palavra do que falo. O remorso impede que reflita direito sobre o assunto.

— A mágoa e a frustração estão fazendo o mesmo com o Chris.

O silêncio predominou brevemente.

Julien devolveu a pena ao tinteiro e virou para observar o caçula.

— Estou tão preocupado quanto você, El, mas o que poderíamos fazer? Infelizmente, esse é um assunto que somente eles poderão resolver.

— Não estou dizendo para resolvermos, e sim para ajudá-los nesse processo.

Ciente de que a mente sagaz do irmão fumegava em pensamentos, o mais velho cruzou os braços de modo quase desleixado, e aguardou. Entre ambos, sem dúvidas, Eloïs era o melhor em encontrar soluções imprevisíveis; as palavras seguintes o fizeram erguer as sobrancelhas.

— E se déssemos a eles um outro ponto de vista?

— Como assim?

— Talvez, se trocarmos de lugar, eles possam assimilar de maneira diferente.

— Você falar com a Christinie e eu com o Christian?! É isso?

— Exatamente. — acercou-se um pouco mais — Conheço os temores de Christian e você os de Christinie. Se fizermos o que proponho, quem sabe consigamos que eles entendam os sentimentos um do outro. Às vezes, não somos capazes de enxergar nossas próprias atitudes diante de um problema, sendo necessário que alguém de fora abra os nossos olhos.

Julien ponderou. Até que não era uma ideia ruim.

Sendo os quatro confidentes e amigos, poderia funcionar, e assim os gêmeos resolveriam seus problemas. Faziam dias que estavam desentendidos e era horrível vê-los tão amuados. Todos no palácio já haviam percebido que os ânimos entre os dois não eram dos melhores.

— Tudo bem. Vamos tentar. — concordou o mais velho — É a melhor opção que temos.

Eloïs sorriu e deu batidinhas no joelho do irmão, contente que aceitara sua sugestão. Ainda que não fosse necessariamente um problema que devessem se intrometer, conversar não poderia piorar a situação – ou, ao menos, era o que acreditavam. Esperavam que não.

Uma vez que combinaram de entrar em ação naquela mesma tarde, a fim de não perder mais tempo e aproveitando que o duque estaria fora a trabalho outra vez, Julien falou:

— Vamos voltar a trabalhar, sim?! O senhor Hugh precisa desses papéis antes de sair.

Encarregado de calcular e anotar os rendimentos nos documentos que o duque levaria a um de seus novos arrendatários, o Dufour mais novo consentiu, e tomou assento novamente. Os dois se concentraram no serviço ao longo da hora seguinte, com a intenção de livrarem-se das obrigações para focarem totalmente na inusitada missão de aconselhar seus amantes.

Rabiscando os cálculos, Eloïs parou de repente, e murmurou para si mesmo:

— Ora, porque os números não coincidem?

— O que foi? — perguntou.

— Veja isso. — Julien desviou a atenção dos papéis que preenchia; ele apontou para uma sequência de números — De acordo com os meus cálculos, esses valores não estão certos.

— Realmente. Esses valores estão incorretos.

— Você verificou nos registros?

— Não. Somente o senhor Hugh que cuida deles. Não tenho permissão para vistoriá-los.

— E como sabe que estão errados?

— Enquanto trabalhávamos no escritório a um tempo atrás, ele estava preenchendo os documentos referentes aos rendimentos dos últimos meses para enviar a Câmara dos Lordes.

— Os que vão para a coroa, certo?!

— Sim.

Ambos encararam fixamente os papéis; Eloïs se pronunciou:

— Acho que deveríamos conferir esses registros. Não estou com um bom pressentimento.

Julien permaneceu calado. O peso da desconfiança em seus ombros.

Embora não quisesse fazer suposições, tinha de admitir que também estava com um mau-pressentimento a respeito daquele que, aparentemente, era apenas um pequeno equívoco.

— Sabe que perderemos completamente a confiança dele caso sejamos pegos, e isso pode arruinar a chance que temos de ficar com os gêmeos, — advertiu o mais velho, temeroso.

— Tomarei a responsabilidade se algo acontecer. — salientou Eloïs — Não é como se eu fosse receber a benção do senhor Hugh em algum momento para manter a relação sodomita que tenho com o filho mais novo dele. De nós dois, admita, você é o que possui maiores chances.

— Estarei trocando minha prometida pela irmã caçula dela. Não diria que minhas chances são maiores graças à isso. — suspirou — Vamos aproveitar que ele ainda não retornou dos campos e que o movimento dos empregados está baixo. Se formos cuidadosos, ninguém perceberá.

Os rapazes saíram cautelosamente em direção ao escritório do duque, entre o receio de serem pegos e a determinação de descobrirem o que havia de errado. Eles tentaram manter a naturalidade sempre que cruzavam com algum empregado, cumprimentando-os como de costume, e dissimulando uma conversa qualquer somente para não despertar suspeitas.

Quando enfim pararam diante da porta do escritório, a hesitação pegou ambos de surpresa. Uma coisa era intencionar entrar e outra completamente diferente era fazê-lo. Continuaram parados.

— Eu posso entrar sozinho, se preferir. — reiterou Eloïs — Se alguém vier...

— Não. — interrompeu Julien — Estamos juntos. Entraremos juntos.

O mais novo assentiu e se certificou de que não havia ninguém próximo para abrir a porta.

— Onde ficam os registros?

— Na primeira gaveta do lado esquerdo. — indicou a mesa — Eu o vi guardando ali.

Rodearam o móvel e, inquieto, o mais velho abriu a gaveta.

Os livros estavam escondidos debaixo de outros escritos, tão expostos que o rapaz chegou a cogitar que seria impossível o duque estar escondendo algo, quando as prováveis evidências de suas fraudes estavam visíveis para quem quisesse ver – mesmo sendo de modo furtivo.

Julien procurou entre as diversas páginas até encontrar os números correspondentes aos tais rendimentos, e então verificou as demais notas, comparando-as com o do outro livro.

Repentinamente, ele olhou para o irmão, este que retribuiu o gesto com a mesma expressão.

— Não creio que tenha sido um erro. — murmurou.

— Eu também não. — Eloïs olhou mais de perto — E a quem se referem, afinal?

Houve um minuto de silêncio, até o próprio sussurrar incrédulo:

— Ao nosso pai?! — Julien não respondeu. Era óbvio para ambos — Isso quer dizer que, nosso pai e o duque estão... Por todo esse tempo, eles estiveram enganando a coroa?


[...]


"Encontre-me na estufa ao entardecer"


Christinie leu o bilhete, tentando decifrar a quem pertencia aquela caligrafia, uma vez que não a reconhecia. Olhou de um lado para o outro no corredor novamente e então fechou a porta.

Embora desejasse que fosse do irmão, conhecia-o bem o suficiente para saber que não cederia, não quando estava declaradamente magoado com suas atitudes. Cabia a ela pedir desculpas.

Tinha refletido ao longo dos dias, rememorando a cena em que ele entrava em seu quarto, transtornado, e gritava a plenos pulmões que a odiava. Nunca imaginou que tais palavras, mais do que saírem da boca dele, iriam feri-la tão profundamente quanto feriu. Céus, foi horrível!

No entanto, mesmo querendo correr e implorar o perdão de Christian, o maldito sentimento de culpa ainda corroía suas veias. Por que é tão difícil pedir perdão? Por que insistia no erro?

Era seu querido irmão. Então por quê?

Christinie almoçou no quarto, tal como fizera no decorrer daquela semana. Adelyn apareceu e pediu que a acompanhasse, que não ficaria confortável somente com as outras duas à mesa, mas recusou o mais educadamente que conseguiu e trancou-se até que o horário marcado no bilhete.

Mesmo desconfiada, ela seguiu sorrateiramente para o local de encontro assim que entardeceu, matutando quem deveria estar por trás daquilo. A julgar que conhecia a caligrafia de quase todos que poderiam ter motivos para chama-la até a estufa em segredo, somente uma lhe veio à mente, e percebeu estar correta no que entrou e avistou Eloïs observando algumas flores.

Impulsionado pelo som dos passos, o rapaz virou e esboçou um leve sorriso ao ver a ruivinha, que o retribuiu da mesma maneira. Ele havia estendido uma manta no chão e a convidou para tomar assento ao seu lado. Sabia que Christinie não se importava com esse tipo de cuidado, mas, como um cavalheiro, achou que seria mais confortável para conversarem. Teria feito o mesmo por Christian aquele dia, só que a ansiedade não permitiu qualquer preparação ou zelo.

A ruivinha sentou e a similaridade com o irmão desconcertou um pouco Eloïs. Claro que eles tinham suas particularidades, como o fato de que Christian exalava uma timidez natural enquanto Christinie parecia sempre desinibida, além de outros detalhes. E não teria problema em distinguir um do outro. Mas, estando tão perto, era impossível não reparar em tamanha semelhança. Isso explicava como foram capazes de enganar a todos durante tanto tempo.

— Admito que estou um pouco surpresa. — disse ela, juntando os joelhos contra o peito.

— Pensei que seria melhor colocar um bilhete por debaixo da porta do que falar diretamente contigo. Poderiam suspeitar ou inventar mexericos sobre nós.

— Isso é verdade. — inclinando a cabeça, Christinie indagou — Sobre o que quer conversar?

— Creio que já tenha alguma ideia.

Ela suspirou e consentiu; ele respirou fundo e decidiu ser direto:

— Quero falar sobre o que está acontecendo entre seu irmão e você. — suspirou — Sei que o acidente mexeu profundamente contigo e que, de certa forma, sente-se culpada pelo o que aconteceu. Mas, perdoe-me a franqueza, não está levando em consideração os sentimentos de Christian. Ele é quem mais está sofrendo com toda essa situação e ignorá-lo só piora os fatos.

A ruivinha permaneceu calada.

Embora ciente de que estava magoando seu irmão, ouvir outra pessoa falar das angústias dele, atingia dolorosamente seu coração. Nunca fora sua intenção fazer com que ele se sentisse abandonado, ela só não sabia lidar com a culpa que carregava, e parecia ter se agravado mais.

— Você não entende o que sinto. Ele também não irá entender. Se eu não tivesse insistido em construir aquela maldita cabana, então... — murmurou Christinie — Como reagiria se Julien perdesse algo importante por um erro seu? Que não pudesse mais ouvir ou ver....

— Foi um acidente. — interrompeu Eloïs — Você não teve culpa e, no fundo, compreende isso. Se afastar do seu irmão não fará a audição dele voltar e nem mudar o que ocorreu. Só trará mais sofrimento para ambos e tornará a situação insustentável.

Ela encarou os próprios pés e respirou fundo. Ainda que compreendesse inconscientemente que não existiam culpados, o peso em seu coração era real demais para desprender-se de tal.

Talvez aquele fosse o significado por trás do remorso. Senti-lo mesmo sem culpa.

— Você sempre foi a âncora do seu irmão. — prosseguiu ele — Quem lhe dá forças em todos os momentos desde que a mãe de vocês faleceu. Seu caráter decidido e caloroso foi o que manteve Christian positivo acerca do que o futuro reservava, independentemente do que fosse, por que estaria ao lado dele. Agora pense em como ele deve estar se sentindo, acreditando que a única pessoa que jamais o abandonaria, deixou-o justamente em um momento tão infeliz?

— Por Deus, é o que mais penso! Penso todos os dias, contudo, simplesmente não consigo esquecer o que aconteceu. Em como eu vi o desespero no rosto de Chris quando descobriu que não podia mais ouvir, em como olhava tristemente para a porta da sala de música.... Eu...

Ele se manteve calado. Admitindo ou não, entendia os sentimentos dela, porque foi assolado da mesma maneira quando encontrou Christian chorando enquanto dedilhava o teclado do piano.

Fato que, definitivamente, não mencionaria.

— Christinie, ouça. É uma circunstância bastante delicada para o seu irmão. Porém, fosse um acidente ou não, provavelmente esta seria a reação dele à frente desse infortúnio. Sinto-me da mesma forma ao vê-lo tão abalado, só que, como eu disse, ignorá-lo não o fará ouvir de novo.

— Mas o que eu farei com todo esse remorso? — indagou, aflita — Exatamente por não saber lidar com esse sentimento que tenho fugido de enfrentar meu irmão, de pedir-lhe desculpas. Não quero ficar afastada dele. Entretanto, basta o vislumbre de seu rosto, e quero chorar.

Eloïs suspirou.

Queria encontrar palavras que a confortassem e facilitassem para que ela enxergasse a verdade perante seus olhos. Mas com a mente nublada pela recente descoberta das possíveis fraudes envolvendo seu pai e o duque de Northumberlad contra a coroa inglesa, e as suspeitas em relação ao que motivou tais ações, viu-se momentaneamente perdido em meio àquela conversa.

Ele tomou uns segundos para organizar os pensamentos e resolver dizer o que lhe parecia mais assertivo. O outro assunto poderia e iria esperar. Valeu-se das palavras de seu irmão:

— Se o remorso lhe aflige, transforme-o em arrependimento.

— Arrependimento?

— Julien diz que, quando nos arrependemos, decidimos mudar. Em vez de continuar a sentir remorso, sem fazer nada, escolhemos mudar e procuramos uma forma de fazer isso.

— Mas ele me odeia agora. — sussurrou ela, ressentida.

— Sabe que não é verdade. Christian nunca será capaz de odia-la. Se o disse, foi porque estava nervoso e consternado. — tomou a mão dela com gentileza, abrigando entre as suas — Você é a pessoa mais importante da vida dele. Muito além de mim, tenho consciência disso. Sendo assim, não há quem possa tirá-lo de tamanha melancolia, à não ser você.

Christinie sentiu as lágrimas pinicarem em seus olhos. Christian também era a pessoa mais importante de sua vida. Amava Julien com toda a sua alma, porém, não hesitaria em abrir mão da própria felicidade em prol da felicidade do irmão. Àquele que esteve ao seu lado nos bons e maus momentos, enfrentando o mundo que não hesitara em rejeitá-los por suas imperfeições.

— Eu amo meu irmão.

— Eu sei que sim. Da mesma forma que sei que ele a ama também. — tocou carinhosamente os cabelos dela, afagando-os, como um irmão mais velho faria — Estimo você, Christinie, como amiga e cunhada... Ãhn, se assim posso dizer... E por esse motivo, não quero mais vê-los separados um do outro e sofrendo. Então, por favor, não volte a ignorá-lo. Fale com ele.

Eloïs estava certo. Julien, seu amado, também estava certo.

Transformaria o remorso em arrependimento.

Se não queria ser verdadeiramente odiada, se queria apoia-lo como não havia devido ao medo, era o caminho a seguir. Eram os dois contra o mundo, contra tudo, e assim continuaria sendo.

Pegando-o completamente desprevenido, a ruivinha deu-lhe um abraço, recebendo uma palmadinha leve nas costas como resposta. Ele estava tão chocado, que não teve outra reação.

— Obrigada. — disse Christinie — Eu realmente precisava dessa conversa.

— Precisava?

— Sim. Apesar de não saber até agora.

O Dufour deu risada. Ali estava, enfim, a Christinie que tanto admirava. E ficava cada vez mais fácil entender porque seu irmão se apaixonou tão perdida e loucamente por aquela ruivinha.

— Falarei com Christian e pedirei seu perdão. — ditou ela, decidida — Transformarei esse remorso em arrependimento. Se eu continuar lamentando, acabarei perdendo-o para sempre.

— Muito bem.

Ela levantou num pulo, tão rápido que o assustou, e afirmou antes de sair:

— E engana-se você ao pensar que não é a pessoa mais importante na vida do meu irmão.

Dito isso, Christinie deu as costas e saiu correndo da estufa; Eloïs a observou cruzar as portas depressa e então recostou na mureta atrás de si. Olhando para a vidraça, murmurou sozinho:

— Você é quem está enganada.


[...]


Julien deteve a mão antes que alcançasse a madeira. De que adiantaria bater para anunciar sua presença, se Christian não conseguiria ouvi-lo. Era apenas o hábito de sua educação.

Sendo cuidadoso para não assustar o outro rapaz, sentado próximo a janela, ele fez um gesto a fim de chamar a atenção assim que chegou perto o bastante. Christian o encarou. Pela expressão com que fora recepcionado, foi difícil entender se era bem-vindo ou não, mas considerou que tivesse uma chance se impusesse sua companhia até certo limite. Deixaria a sala se necessário.

O Dufour sentou em uma poltrona próxima do ruivinho e retribuiu o olhar. Honestamente, não estava com cabeça – como diria sua mãe – para conversar, visto que seus pensamentos rodavam em torno daquele assunto envolvendo seu pai e o senhor Hugh, mas tinha de fazer por onde.

Mesmo que as dúvidas brotassem segundo a segundo, ajudar os gêmeos era mais importante do que, provavelmente, decepcionar-se com as mentiras de nobres em quem confiará.

Ou acreditara confiar.

Julien apanhou o pequeno bloco de papel que guardara no bolso da casaca e um lápis. Christian acompanhou cada um de seus movimentos e, num tom grosseiro, desdenhou:

— Fale normalmente. Sou capaz de ler o que está falando, lembra? Só recorro ao papel quando estou muito cansado, o que não é o caso agora.

— Sei disso, mas os outros não sabem. — retrucou o Dufour, a expressão levemente repreensora — Se estou com esse bloco, é para que continuem ignorantes quanto a este detalhe.

Christian sentiu as bochechas enrubescerem. Não revidou. O silêncio era melhor.

— Também sei que está muito aborrecido com sua irmã, bem como sei que não é uma circunstância fácil a que está enfrentando, mas peço que preste atenção no que direi.

Christian pensou seriamente em virar a cabeça e ignorar a presença do Dufour. Não era como se ele pudesse obrigá-lo a ouvir, de qualquer forma. Mas a curiosidade e a necessidade de apegar-se a ideia de que Christinie ainda se importava, fez com que observasse atentamente o rapaz.

Julien agradeceu mentalmente e começou a explicar devagar:

— Talvez as atitudes de Christinie não tenham uma explicação sensata para você. Contudo, acredite quando eu digo que sim, e não é pelos motivos que provavelmente esteja imaginando.

— Então o que?

— Antes de qualquer coisa, tenho que lhe contar o que exatamente aconteceu no dia do acidente. — recostou no assento e respirou profundamente — Depois que você caiu do cavalo, ela o carregou nas costas, desde a campina até próximo ao palácio, quando finalmente os empregados a ajudaram. Negou-se a sair do seu lado enquanto lhe acudiam, e estava tão nervosa que não desmaiou por um milagre. Tive de ampará-la. Ela chorava tanto, Christian, e se debatia para chegar mais perto de você, mesmo com a força que eu fazia para segurá-la.

A cada nova palavra de Julien, mais o arrependimento cravava fundo no coração do ruivinho, e ele só conseguia pensar em como a irmã deveria estar sofrendo. Sentiu-se muito injusto.

— Além disso, Christinie sucumbiu à febre durante os dias em que esteve inconsciente e....

— O que? — interrompeu Christian, pasmo.

Julien franziu o canto.

— Você... Não sabia?

— Não, ela... Não contou. Percebi que perdeu peso, mas sequer suspeitei que havia adoecido.

— Eu pensei que soubesse. Imaginei que meu irmão...

— Talvez ele acredite que eu saiba. Afinal, Chrisie foi ao meu quarto, e....

O ruivinho se calou. Não precisava refletir muito para entender que a irmã ocultara a própria doença a fim de não preocupá-lo, mania que cultivava desde a infância.

Ela sempre renegava as próprias dores para protegê-lo.

Mas havia algo que ainda não conseguia entender.

— Se ela fez tudo isso, então porquê...?

— Chrisie está com medo de encara você.

— O que? — arregalou os olhos — Como assim?

— Ela se culpa pelo acidente e, consequentemente, por sua surdez. Disse que se não tivesse insistido na ideia de construir a cabana, você não teria caído do cavalo.

— Mas foi um acidente!

— Eu disse isso a ela. Várias vezes. No entanto, o tamanho do remorso que mantem, é o que a impede de vir e lhe pedir desculpas. De encará-lo sem que relembre de tudo o que ocorreu.

— Oh, Deus! — Christian fechou brevemente os olhos e lamentou — Eu disse que a odiava. Disse coisas terríveis. Se eu soubesse... Se eu soubesse como ela estava magoada, não...

Os olhos do ruivinho encheram-se d'água.

Por que não considerou os sentimentos dela? Por que foi tão egoísta?

Ainda que fosse penoso suportar aquela condição, ele não era o único angustiado, não era o único que tinha medos. Sua irmã também sofria, tal como Eloïs e até mesmo Julien.

Mesmo que a surdez fosse solitária, ele jamais esteve sozinho.

— Ela nunca me perdoará. — lamuriou baixinho.

— Christinie o ama muito. Até mais do que a mim. E eu entendo o remorso que ela sente, porque provavelmente sentiria o mesmo caso algo acontecesse com Eloïs. — cruzou uma perna sobre a outra e encarou o ruivinho — E arrisco-me a dizer que o mesmo vale para você.

Christian manteve-se quieto, incapaz de contestar a verdade. Cegado pela mágoa, em nenhum instante, levou em conta que a irmã se culpasse pelo acidente e as consequências deste. E fazia sentido que ela estivesse consternada, visto que pedira que fosse sozinho guiando o cavalo.

Oh, céus, pobre Chrisie!

Julien, consciente de que estava conseguindo abrir os olhos de Christian, tencionou prosseguir com a conversa e dar-lhe mais alguns conselhos. Ele era particularmente bom nisso.

Contudo, pegando-o de surpresa, o ruivinho levantou de supetão e disse:

— Muito obrigado. Sei que ainda há muito o que conversar, mas eu...

O mais velho sorriu, satisfeito, e respondeu:

— Eu sei. Vá atrás de sua irmã.

Christian retribuiu o sorriso e saiu correndo porta afora igual a um vendaval.

O Dufour deixou a cabeça cair no encosto da poltrona e deu risada. Christian era mais parecido com a irmã do que imaginava e muito além da aparência. O mesmo fogo ardia em seus olhos.

Ninguém o deteria.

Nem as pessoas e nem a surdez.

Os gêmeos atravessaram a propriedade em busca um do outro. Correndo para recuperar o elo que, apesar de frágil naquele momento, jamais iria se romper. Pois sempre seriam inseparáveis.

Contra tudo e contra todos.

Não demorou muito para que se avistassem no jardim, cada qual de um lado oposto, mas correndo para encontrarem-se. Christinie, ainda que soubesse ser em vão, gritou pelo nome do irmão enquanto apressava mais os passos. Chamou-o, de novo e de novo, querendo alcançá-lo.

E Christian, por um breve instante, teve a impressão de ouvir a voz da irmã. 

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