A Origem de Gênesis

By maryabade

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Gênesis tinha vários objetivos para o seu ensino médio, bem organizados em uma to do list. Só que alguns, em... More

Nota sobre a não-binariedade de Jacques
Rádio Submersa: Nova Atlântida
Entrevista com: "A salva-vidas"
Entrevista com: "A cheerleader"
Bem-vindos a Nova Atlântida
Primeiro Ato
1 - Políticas Invisíveis
2 - Garotas Prodígios
3 - Salva-vidas Caninos
4 - Animais de doce
5 - Apostas de corrida
6 - Pedidos de Desculpas
#1 - Rádio Submersa: Pangen? Nathan é gay?
Segundo Ato
8 - Caçadores de Medos
9 - Melhores Violinistas (e ciúmes)
10 - Malditas coincidências
11 - Últimas Opções
12 - Capivaras Domésticas (#DiaDoOrgulhoLésbico)
13 - Boca a boca (#VitoriaDay, rs)
14 - Garotas de toalha
15 - Restaurantes Franceses
16 - Políticas Visíveis
17 - Palavras não ditas
18 - Patos de Borracha
Entrevista com: "A (ou o) locutora"
#2 - Rádio Submersa: Jacques é uma mal amada
19 - Palavrões
20 - Anéis de Brinquedo
21 - Sáficas
#3 - Rádio Submersa: Rapidinho, tem mais.
Terceiro Ato
22 - Maré Baixa
23 - Parentesco #JulinhaDay
24 - Colares da Amizade
25 - Presentes natalinos
26 - Lar
27 - Encontros Românticos
28 - Pansexual
29 - Espuma
30 - Pangen
31 - Péssimas Amigas
32 - Famílias Minúsculas
33 - Violinos (e vínculos) quebrados
34 - Coberturas (e garotas) lésbicas
35 - Atos de Amor (e Atlantis, de novo!)
36 - Caixas de Panetone
37 - Dia de São Nunca
Rádio Submersa: Eu, Gênesis Salvador
38 - Unanimidade
39 - Família Grande
40 - Gênesis
Bônus: A Origem de Primeiros Beijos

7 - Frases de efeito

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By maryabade




Nathan e Rebecca me olham como se dissessem eu te avisei. Mas na verdade, não estou abalada por isso. Acho que aceitei que Pandora não se importava tanto assim há três anos, quando nos afastamos. É só... ela não fingiu. Não disse que não sabia o que fez ou que não fez por mal. Não se deu o trabalho nem de criar uma desculpa fajuta, nem por obrigação. Ela diz que eu era sua garota favorita, mas não fez jus à isso. Eu era sua garota favorita, mas ela simplesmente me deixou de lado por um bom tempo.

Céus, estou abalada. No fim, esperava que Pandora me pedisse desculpas. É algo tão simples. E tudo o que ela fez foi dizer que não tem motivos para se desculpar. É, sua idiota. Não tem nenhum. Ela me pediu desculpas fajutamente pelo dia do cinema, mas não me pediu desculpas por ter me tratado de maneira distante como se eu tivesse feito algo. Não se esforçou pra isso. Sinto que sou estúpida porque na pior das hipóteses eu pediria milhões de desculpas pra ela se tivesse feito algo parecido.

Nathan está fazendo companhia para mim e Rebecca. É seu ato gentil após o drama sobre amigos porque sei que ele é muito bem disputado no colégio. Nós três estamos encostados na grade que separa o corredor do pátio, observando o resto dos alunos. Ainda tem dez minutos de intervalo. Estou parecendo uma idiota. Dormi com meu cabelo molhado e agora ele está ultrapassando o horrendo e no fundo do meu coração estou chateada. Eu estou chutando levemente a grade com meus oxfords enquanto tento tirar da minha mente que deveria desistir de ajudar Pandora e que meus amigos estão certo.

Por que você pediu ajuda logo pra mim? Por que você não continuou a garota prodígio insuportável que eu nunca chegaria no nível? O pior é que deveria estar feliz de pelo menos uma vez na vida não estar atrás de você em tudo, mas não consigo. É o que amigos fazem. Ex-amigos, tanto faz.

— Será que eu sou boazinha demais? — Eu indago, mordendo os lábios. — Quer dizer, eu sou babaca, mas sei lá, não consigo sustentar essa pose por muito tempo.

— Você não precisa ser babaca ou boazinha, é só se afastar. — Rebecca diz. — Tô treinando isso. A parte de boazinha, veja só.

Ela grita alto, assustando um garoto que joga embalagem de picolé no chão, sem dar nenhuma importância.

— Garoto, se tu não jogar essa merda no lixo eu vou aí quebrar sua cara. — Ela grita, me fazendo cobrir o rosto para sufocar a risada.

Becca. — tento dizer algo em meio a risadas.

— Tá vendo? Você pode fazer isso também.

— Ela não me faz mal quando não estou lembrando daquilo. Mas eu lembraria menos se ela me pedisse desculpas. Não consigo ser babaca com ela por muito tempo. — diminuo o tom de voz. — Tô me sentindo uma atroiada.

— Também me sinto assim, às vezes. — Rebecca morde os lábios. — Meus atos de resistir a qualquer coisa são bobos, entende? Eu tentei escutar todo mundo que no fim estava só tentando agradar o planeta inteiro. É por isso que a partir de hoje eu vou mandar todo mundo ir se foder.

Vai?

Você tava parcialmente certa. Não deveria ficar querendo agradar todo mundo, mesmo que eles sejam patéticos.

— Isso, Becca. Tem que mandar todo mundo ir se foder — Nathan faz seu complemento.

— Você é patético, Nate. — Olho em sua direção, rindo. Às vezes me pego pensando qual é a probabilidade de alguém como ele ser meu amigo de novo. Tipo, em um universo paralelo. — Eu também tô preocupada por causa da mãe dela, entende? Vai que ela tá guardando pra si e eu tô a pressionando o suficiente. Nós sempre cuidamos uma da outra e agora... não sei.

— Tem que ter reciprocidade. — É Nathan que diz, me fazendo o olhar surpreso. — Você não vai ajudá-la e ela vai te deixar na mão.

— Na verdade, ela prometeu me ajudar — confesso, sem coragem pra explicar em que tipo de ajuda.

— No que? Nada que nós não possamos ajudar?

Balanço a cabeça, negativamente. Seria humilhante demais saber sobre a lista idiota. Ou pior, sobre meu interesse em Isaac Boaventura. É que é tão tosco que eu não conseguiria explicar para outra pessoa que não seja alguém que simplesmente viu essa paixonite surgir. Como explicar que você é apaixonada por alguém que a única coisa que faz é simplesmente existir? Não tem nada de notório. Não é o garoto popular e...

Franzo o rosto. É como aquelas coincidência malditas. Estou olhando em uma direção qualquer e no outro essa direção qualquer é justamente quem estou pensando. Isaac está caminhando, com os fones caídos no pescoço, o cabelo cacheado tentando mostrar sua face em um corte de cabelo curto, a pele tal como a da Gisele Bundchen — como vários outros por aqui. E bem, Pandora está do seu lado. Isaac tem provavelmente mais de 1,80 de altura e Pandora tem, pelas minhas contas (que é unicamente diminuir 7 centímetros da minha altura), 1,63. A diferença de altura é gritante. E é até cômico porque Pandora está de braços cruzados, expressão séria e o jeito dela de sempre, mas que no fim soa fofo do lado de um cara tão alto.

É óbvio que Isaac não é baixinho. Eu não namoraria alguém mais baixo que eu.

Pandora está com as mãos no bolso enquanto diz algo, com o rosto virando em direção à Isaac. Ela não perde a intimidação, mas eu a conheço e zombaria dela em outra ocasião. O cabelo está tão espetado hoje que parece formar dois chifres no cabelo branco de neve.

— Gênesis. — Rebecca interrompe meus devaneios.

Desvio o olhar. Só é engraçado, céus. Não estou pensando em nada. Nenhuma amizade. É só que... Pandora é uma garota bravinha, mas que não me põe medo porque é quase 10 centímetros mais baixa que eu. E agora, vendo em uma diferença tão gritante, é bem mais fofo.

Eu disse, eu e Pandora discutirmos altura sempre foi um problema.

Desviei o olhar para voltar a dar atenção para Rebecca e Nathan, mas é quase impossível não olhar quando vejo Cecília se aproximando de Isaac e Pandora. Ela provavelmente deve ter quase a mesma altura que Pandora (já que estou pensando muito nisso) e ela dá um beijinho na bochecha dos dois. Pandora vira o rosto em alguma direção, como se procurasse algo, antes de se aproximar para escutar o que Cecília está fazendo.

Céus, que bobagem. O pátio nem está tão barulhento. Pandora está quase grudando para escutar o que Cecília tem a dizer. Isaac também se aproxima, dando uma risada boba. Solto um resmungo tão forte que Rebecca me cutuca, com o corpo virado em minha direção.

— Quer parar de fazer isso consiga mesma?

— O quê? — Eu franzo o rosto, confusa.

— Simplesmente ficar engolindo a garota com os olhos? Confessa logo, Sis, você está usando isso de pretexto pra vocês voltarem a serem amigas. — Rebecca me fita. É ela que está me engolindo só com olhar. — Eu estou te avisando isso antes que seja tarde.

Não estou engolindo Pandora com os olhos. Foi questão de segundos. E nem estava olhando pra ela, estava olhando pra Isaac. E aí, sei lá, Cecília apareceu e eu queria muito saber o que ela estava fazendo lá. Só isso.

— Por que você tá quietinho aí, ein? — Eu reclamo para Nate, mudando de assunto.

— Se eu falar no que tô pensando, você vai arriar a mão em mim então... melhor não. — Nathan diz, se inclinando na grade. — Isaac Boaventura, ein?

Eu o olho, sem entender. Ele sorri de canto.

— O que tem ele? — Rebecca se aproxima, curiosa. — Sis, não me diga que você é interessada no Isaac.

Não — digo, tossindo para mascarar meu tom de voz.

— Sis, se você tem interesse nele, por que não vai lá falar com ele? — Rebecca fala incrédula, como se fosse tão fácil. Não é tão fácil, caso não tenha ficado claro.

— Ele me acha esquisita. Aposto. E eu tô parecendo uma árvore de cabelo verde então...

— Oxe, aquele ali não tem local de fala pra achar ninguém esquisito, não. — Nathan retruca, dando uma gargalhada.

— Aposto como ele é boca virgem. Nada contra, só... — Rebecca morde os lábios, sendo interrompida por Nate.

— Sis, tira o BV da boca dele.

— Isso é tão ultrapassado. — Eu resmungo, cruzando os braços.

— Eu não tô dizendo que ele é feio, mas você sabe que se ele está em cima de um muro entre popular e nerd, o muro despencaria para o nerd, se preciso. Sem querem fazer analogias, claro. Veja bem, fones de ouvido, cabelo de anjo... Óculos. Detalhe, nunca vi ele saindo do banco de reserva do time. Logo, ele não é um atleta. Algo me diz que ele só não é magricelo por genética da família. Ainda assim, ele tem gordurinhas, não músculos. É gatinho, claro. — Rebecca diz, listando praticamente todas as coisas do garoto.

— Becca.

— Ele é gatinho pique esse garotinhos gamer. O cabelo verde definitivamente não é o problema. — Nathan completa antes do sino tocar.

Eu nunca agradeci tanto por esse sino antes.

É claro que esqueci que agora sento ao lado de Pandora e que decidi ignorá-la. Assim como não, não quero saber como ela foi na prova de matemática ontem. Aliás, não quero saber de nada. E só não volto para o estúpido lugar no fundo porque lá ainda tem uma vista privilegiada de Pandora. Ficando ao lado dela, tudo o que eu preciso fazer é simplesmente não virar o rosto em hipótese nenhuma. Meus olhos se fixam em direção ao quadro e a professora. Nenhum deslize. Aperto minha coxa antes de ouvir meu nome sendo chamado pela professora.

Não só o meu. O da Pandora também.

E aí eu lembro do trabalho que fiz, que deveríamos ter feito em dupla. Só que quando a professora sinaliza que alguém entregue o trabalho da dupla na mesa dela, eu levanto tão rápido, pegando o trabalho, que não noto que Pandora faz o mesmo. É bem desconfortável. Porque isso deixa bem claro uma desavença tão grande na dupla que fez cada pessoa fazer sozinha. Sento novamente, esperando que Pandora conclua o trajeto. Mas Pandora pensa o mesmo e nós duas se sentamos ao mesmo tempo.

— Só uma precisa me entregar. — A professora avisa fazendo novamente nós duas fazer menção de nos levantar.

Suspiro, desistente, virando o rosto em sua direção.

— Vai logo, Pandora.

Eu a vejo caminhar, colocar o papel em cima da mesa no centro da sala e voltar para o seu lugar. Mãos no bolso. Ela se senta na mesa, continuo sem olhar na sua direção. É tosco porque estou olhando em direção ao quadro, mas ao mesmo tempo não estou nem conseguindo captar a professora chamando as duplas para entregar o trabalho. Frustração. E a culpa é toda minha. Sério, eu estava achando mesmo que a Pandora ia simplesmente me pedir desculpas se ela teve três anos para isso? E não, não tem nada a ver com tia Jô. Eu entenderia se fosse pela tia Jô, não sou um monstro.

Quer dizer, se fosse pela tia Jô, ela teria se afastado de todos os amigos, não é? Não só de mim.

Observo os dedos de Pandora alcançando minha mesa enquanto ela joga um papel dobrado. Continuo sem olhar em sua direção, mas pego o papel e desdobro por pura curiosidade. Talvez eu possa jogá-lo fora mais tarde. Quando abro, há desenhos bobos no papel. Duas versões distorcidas dela, simbolizando que ela fica "triste" sem mim. Não só isso, Pandora acabou de fazer um maldito gráfico, referenciado pelo IBGE (será que ela sabe que é um instituto geográfico?), em que sua felicidade diminui sem mim. Ah, tem uma carinha minha também.

Orelhas gigantes. Sem nariz.

Eu viro o rosto em sua direção. Pandora está com o rosto deitado na mesa, olhando pra mim — como se esperasse uma reação. E ela dá um sorriso bobo que destaca suas covinhas. Idiota. Eu mordo os lábios para me conter, mas meu corpo me denuncia liberando um sorriso. Odeio Pandora. Isso tudo é um ódio. Só que sabe, linhas tênues.

— Tá de pé nosso estudo? — Pandora indaga, em um sussurro.

— Claro.

Tudo bem. Sei que ouvi Rebecca dizendo que deveria parar de ser boazinha e tudo mais, mas preciso pensar em uma estratégia para fazer isso antes de realmente tentar. Além disso, acho que há uma diferença em tudo. Desisti de tentar falar com Alana e estou pouco me importando com ela, mas quando se trata de Pandora é totalmente diferente ter esse "pouco me importando". Além disso, Pandora sempre foi a garota que todo mundo quer por perto. Ela não é como Rebecca é, ou era. Mas céus, ela literalmente sempre parece se importar em como todo mundo está.

O que é um problema, tendo em vista que reforça que a culpa foi minha.

Olho para o espelho enquanto aperto minha barriga.

É estúpido, mas aqui não há situações em que você pode usar roupas mais elegantes. Não tem festas nesse tipo. O único lugar possível para isso, em que ninguém nunca vai entrar de chinelos e camisas floridas, é o Atlantis. Sempre vejo foto de turistas com roupas chiques, vestidos bonitos e coisas do tipo. Mas não, não tenho dinheiro o suficiente para conseguir gastar trezentos reais em uma noite só. Com comida. Então apenas invejo minha vontade de conhecer Atlantis por dentro.

E me vestir estupidamente como uma espiã chique dos filmes.

Não tem nada de chique, apesar de confortável, estar sempre de chinelo, coisas curtas e uma camiseta sem manga para não morrer de calor. Claro, temos nossas épocas chuvosas que a temperatura mínima é 25°. É obvio que a brisa do mar a noite faz um maldito frio pra quem mora tão perto, como Pandora. Já eu ainda preciso do ventilador e um banho gelado, na maioria das vezes.

Sério, não consigo entender como algumas garotas ainda conseguem ficar bonitas. Tipo, elas tem um diferencial enquanto continuo no mesmo. Continuo nas mesmas camisetas, nos mesmos shorts. Talvez eu possa pegar uma dica com elas. Será que eu deveria investir em vestidos floridos? Ou... não sei.

Gosto que a praia seja familiar, mas às vezes gostaria dede sentir a sensação de vir aqui pela primeira vez. Ou de não ser tão desanimada em relação a praia. Eu venho e não toco a água. A última vez que isso aconteceu foi porque o Salva-vidas me derrubou. E pensar que quando eu era criança, podia vir todos os dias aqui e ainda seria mágico. Ainda teria todas as sensações de correr em direção a água, de brincar na areia e tudo que todas as praias de Nova Atlântida me traziam.

— Sis!! — Minha vizinha grita, animada, quando me vê caminhando, ultrapassando a calçada para a areia branca da praia.

— Lili! — imito-a, me aproximando.

Ela está ofegante, como se estivesse brincando.

— Você viu a Pandora?

— Eu acho que ela estava enchendo a bóia do Samuca lá na sala de manutenção. — Ela franze o rosto, coçando a nuca. — Virou amiga dela de novo? Que legal!

Eu a olho incrédula. Liliane tem dez anos. A última vez que eu e Pandora realmente tivemos um contato de amigas, Lili tinha sete. Quer dizer, ela não deveria lembrar com tanta facilidade, devia? Não lembro de muita coisa de três anos atrás. Só coisas notórias.

Talvez nossa amizade tenha sido pra Lili.

Caminho pelo cais com Lili e seu maiô cor-de-rosa. Não sei onde estão os pais dela, mas provavelmente estão por perto. Todo mundo conhece todo mundo, apesar disso, então talvez ela esteja sendo supervisionada por outra pessoa. Bem, com ela próxima de mim, estou fazendo esse papel agora.

E não tem problema algum.

No instante que vou bater na porta da sala de manutenção, simultaneamente Pandora abre, me encontrando.

— Oi, Gen. Chegou há muito tempo? Eu tava travando uma batalha com uma bóia de dinossauro, mas agora tá tudo bem. — Ela diz, mostrando a bóia infantil temática, em tons verde musgo.

— Não. Tá muito ocupada?

— Não. — Franze o rosto, fechando a porta. — Tá calmo. A gente vai estudar que matéria hoje?

— Vocês vão estudar? Eu queria descobrir qual é o ultimate de vocês.

— O que é isso? — Pandora coça a nuca, confusa.

Liliane explica, algo que não fez comigo. Nós caminhamos de volta para a areia e Pandora entrega a bóia para um garoto antes de nos sentarmos em uma toalha disposta no chão. Liliane ainda está aqui, animada com seu tablet que mais parece uma tela de laptop. Ela fica no meio de nós duas, clicando em uma imagem que há alguns garotos.

— Escolhe, Sis. — Ela diz, me fitando como se houvesse uma resposta certa.

Eu olho para os garotos. Roupas estilosas. Não conheço nenhum deles, mas ainda sim me esforço para encontrar algo simpático em um.

— Esse? — Franzo o rosto, apontando para o garoto de cabelo rosas e lábios um pouco mais grossos.

Jimin. É isso aí. — Lili diz animada, como se isso significasse alguma coisa. — Pam, sua vez.

Eu observo Pandora olhar em direção a tela do tablet, mas em questão de segundos Liliane sai da imagem. Ao invés de garotos, Lili coloca um grupo asiático feminino na tela.

— Como você gosta de garotas, eu tenho essa versão. É o Twice. — Ela diz e Pandora sorri, boba pelo gesto.

— Obrigada pela adaptação, Lili. — Ela diz, antes de mudar a expressão para alguém concentrado.

Pandora parece examinar cada garota antes de apontar para a loira. Olho para Pandora.

— Jungyeon. — Lili diz, animada. — Com base nisso, eu vou mandar uma playlist pra vocês, tudo bem?

Assinto, só pra continuar vendo Liliane animada.

— É a primeira vez que alguém dá importância para as coisas que eu gosto. Valeu, Sis e Pandora. — Ela diz, se levantando. Não demorou nem ao menos um minuto para que eu escolhesse um garoto ou Pandora escolhesse alguém.

Gosto de me sentir importante quando o mínimo faz as pessoas felizes. É algo que nos deixa mais humanos, apesar de todas as babaquices.

Abro a mochila, pegando o caderno. Não sei muito bem do conteúdo, mas preciso confessar que estudei bastante ontem para entender e conseguir explicar para Pandora. É estúpido porque ontem eu nem respondia às mensagens dela, mas ainda posso repetir que é por tia Jô. Posso, claro. Tia Jô odiaria que eu soubesse de algo que prejudicaria Pandora para seus pais biológicos, aqueles seres humanos que provavelmente tiveram seus corações devorados no nascimento.

— Gen. — Ela pigarreia, chamando minha atenção. — Se tu pudesse ser algo, que a deixasse em uma felicidade tão simples como aquela, o que tu seria?

— Como é? — Eu a olho, sem entender. Ela está deitada, com a cabeça sob seus próprios braços dobrados.

— Tu seria uma líder de torcida? Uma professora de Geografia? — Ela pergunta e eu solto uma risada nervosa.

— Não sei. — Eu respondo e ela faz uma careta, como se eu estivesse evitando uma conversa. — Não, eu tô falando sério. Eu não sei. Isso é difícil. Acho que eu preferia ser como você, pelo menos tem um objetivo.

Ela sorri. Pandora fisga algo que não consigo na minha frase.

— Ter um objetivo não é o mesmo de alcançá-lo. Não sei se quero continuar com ele. Eu queria ter um objetivo mais perto. Sei lá, ser médica, advogada... — Ela suspira, mordendo os lábios. — Ainda não falei com eles, mas duvido que vão me apoiar. Na verdade, sinto que ninguém vai me apoiar.

Eu engulo em seco. A garota na Pão de Ló. Garota estúpida. É crime gravíssimo tentar destruir os sonhos dos outros.

— Claro que vão. Você vai ter fãs! Vai estar em um orquestra. Sei lá. Ninguém nunca está com a gente no início. São gulosos. Mas é seu direito querer ser uma violinista ou ter seu próprio sebo — digo, apertando o caderno que tirei da mochila. — Eu não sei o que realmente quero, mas é a coisa mais humana do mundo ter sonhos, independente se eles são fáceis ou não.

— Sei lá, ninguém contrata uma violinista para tocar em festas. Ninguém contrata violinistas. Que coisa brega — resmunga, me fazendo olhar de canto antes de me deitar ao seu lado.

— Eu te odeio, mas não posso negar que você vai é a melhor violinista de todas. — Eu digo, fechando os olhos. Sol. — Eu posso te apoiar como aquela conhecida da última fileira.

— Eu posso te apoiar em qualquer coisa também. Sério, eu posso ficar no meio de crianças aprendendo sobre a diferença de clima e tempo. — Pandora diz, me fazendo rir, antes de suspirar. — Obrigada pelo ânimo. Eu sabia que seria assim.

— Nenhum dos nossos problemas apaga que você era a garota talentosa de nós duas.

É estúpido porque a gente fica em silêncio por alguns segundos, mesmo que devêssemos estudar. É o objetivo de estar aqui. Não é conversas sobre sonhos ou ultimates no kpop — com uma manipulação da parte de Liliane. Quer dizer, como eu vou saber se aquele cara é realmente meu ultimate se ela só me mostrou praticamente meia dúzia? Forjada.

— Nessa sexta, eu... — Ela encerra o silêncio, mas faz uma pausa. Eu a olho, observando ela passar a língua pelos lábios. — No sábado, eu e Isaac combinamos de jogar um pouco. Eu tava pensando se... tu não queria ir. Sei lá, conversar com o garoto do freezer.

— Assim? Eu nunca fui no 1am. Nunca toquei em um jogo de fliperama. Eu ficaria só parecendo uma planta lá. — me levanto, abrindo o caderno.

— Eu tô livre na sexta. — Ela diz, me fazendo arquear as sobrancelhas. — Posso te ajudar a fazer o reconhecimento do local.

— E se ele estiver lá?

— Não esquenta, não vai estar. — Pandora sorri. — Tu aprende um pouco e no sábado tenta algo, que tal?

— Tá. — Eu assinto, passando as folhas. — Agora a gente estuda porque se não...

— Por que você tá desviando do assunto? Pensei que fosse importante. — Ela indaga, se levantando. Pandora se senta na minha frente.

— Porque eu não quero que você reprove, não é?

Gen. — Ela me chama, como se isso fosse me fazer dizer algo a mais.

— Toda vez que você diz Gen me dá vontade de enfiar uma caneta no seu nariz — a interrompo, ela dá uma gargalhada. — Sério, Pandora.

— Posso confessar outra coisa?

— O quê? — Eu pergunto, respirando fundo.

— Senti tua falta. — Eu a olho, mordendo os lábios. — Senti muito tua falta, Gênesis.

— Legal. — Eu respondo, fechando os olhos.

— Eu amo tu um tantão. — Pandora diz, me fazendo revirar os olhos. — Obrigada por estar me ajudando, Gen.

— É isso que... — Eu mordo os lábios.

Que amigos fazem.

— Vai se ferrar, Pandora. — Eu completo, fechando o caderno sem ao menos utilizá-lo. — Por que você me pediu ajuda? Especificamente pra mim? Eu só queria entender.

Porque sinto sua falta. Eu pensei que ficando mais próxima de você, talvez... — Ela suspira, desviando o olhar. — Gen, não é porque eu achei melhor o afastamento que significa que não senti sua falta. Mas acho que se o ensino médio acabar e nós não virarmos amigas de novo, o afastamento vai ser pra sempre. Não sabia lidar antes, mas agora sou crescida. E não quero esse afastamento pra sempre, Gen.

Eu não queria afastamento nenhum. Mas não sei se é válido que esse afastamento que eu não quis acabe quando eu ainda nem entendi o motivo.

— Sério? Tipo, agora? — Eu indago, surpresa. — Não é justo comigo, Pandora.

— Eu sei. Não quero que tu aceite minha amizade agora. Só estou avisando que eu não vou desistir dela então tu vai ter que aguentar muito. — Pandora avisa e eu não consigo desviar o olhar dela. Nós duas estamos olhando uma pra outra enquanto meu coração está ansioso.

— Vai ter que fazer muito. — Eu dou de ombros, fingindo que não dou importância.

— Isso não me assusta. Tu nem imagina as coisas que eu faria pela nossa amizade.

Ótimo. Pandora diz essas coisas e eu não sei como agir. Meu lado racional não funciona bem e o emocional é danificado.

— Ah, agora você faz? — Eu debocho e a maldita voz de Stiles Stilinski parece sussurrar no meu ouvido que sarcasmo é seu mecanismo de defesa.

— Sim, do mesmo jeito que tu tá me ajudando mesmo depois de tudo.

— Tô te ajudando pela tia Jô, idiota. Se não fosse por ela... — Ela ri, pegando o caderno do meu colo.

— Você me ajudaria do mesmo jeito, Gen. — Ela me interrompe. — Mas tá tudo bem, eu só tô avisando. Eu quero sua amizade de volta, Gênesis. E eu estou disposta a ganhar qualquer brincadeirinha que já tivemos. E isso inclui a que durou tempo demais.

— Por sua culpa.

— Por minha culpa. — Ela concorda. Não tem deboche ou ironia no tom de voz dela. — Só me dê uma chance.

— Trabalhe por ela.

— Frases de efeito, Gen? Mas bem, estou entendendo isso como uma aposta de corrida. Não tenho pressa. Pelo menos, nem tanto. Sexta, certo? A gente sai pra comer, joga um pouco de fliperama e você arrumar algo pra conversar com o Isaac, que tal? Mas se você não quiser, eu posso simplesmente dizer que uma amiga minha tá interessada e te apresentar. — Pandora sugere e eu balanço a cabeça negativamente.

— Isso seria um fiasco.

— Bonita do jeito que tu é, daria super certo. — Pandora sorri de lado.

— Eu flertaria de maneira péssima. — Eu retruco, desviando o olhar.

Pandora com o caderno na mão me impede de ir embora ou ensinar alguma coisa então eu volto a deitar e sentir a insolação no meu rosto.

— Não tão péssima quanto Cecília, acredite.

Eu arqueio as sobrancelhas. A cena de mais cedo na minha mente. Cecília dando beijinho na bochecha de Isaac e Pandora.

Não acredito. Tá dizendo que ela tá interessada nele? — Eu viro o rosto, observando ela inclinada, olhando para o mar em sinal de alerta.

— Não. Pode ficar tranquila, ela não tá interessada no garoto do freezer. — Pandora ri e eu arqueio as sobrancelhas.

Então como ela sabe que Cecília flerta mal?

Eu penso. Milésimos de segundos para que caía a ficha. E parece que não caiu porque eu não consigo entender. Não, impossível. Impossível. Impossível. Eu me levanto, olhando diretamente para ela. Em choque. Pandora me olha confusa, piscando os olhos.

— A Cecília tá interessada em você?

— Acho que sim. Não dá pra entender, o flerte dela é péssimo. Eu falei. Por que a surpresa? — Ela pergunta e eu balanço a cabeça, negativamente.

— Nada. Você não está querendo estudar então amanhã a gente continua — digo, puxando o caderno da sua mão.

— Amanhã não posso.

— Não vai estar aqui?

— Preciso participar das aulas pros salva-vidas de treinamento. — Ela suspira enquanto eu guardo o caderno na mochila, me levantando. — E Gen.

— O que foi? — Eu pergunto, me virando na sua direção.

— Se quiser, eu não fico com ela. Eu não sei o que rolou com... — Eu arqueio as sobrancelhas.

— Não, Pandora. Não esquenta. Pode ficar com quantas garotas você quiser.

Improdutivo. Não pra minha mente, é claro. Minha mente está incrivelmente alimentando cada frase que eu não raciocinei na hora. Estou caminhando com uma tempestade na minha cabeça enquanto tento entender o que aconteceu. Não foi um pedido de desculpas. Pandora parece ser alérgica a pedidos de desculpas. Mas... que babaquice. Não estou nem aí para o drama de Pandora. Amanhã ela vai me colocar de lado e pronto. Aliás, e se sei lá, mesmo com a fama de Pandora ficando o tempo inteiro com garotas, ela resolve namorar justo a Cecília? E aí sei lá, virar como Alana que simplesmente se afastou.

Não que eu tenha certeza que a culpa foi de Cecília. Talvez Alana só não quisesse mais.

Eu quero sua amizade de volta, Gênesis.

Tu não imagina as coisas que eu faria pela sua amizade.

Malditas frases de efeito.

E maldito momento que meu cérebro está me fazendo sorrir como uma idiota mesmo quando uma parte de mim diz que isso vai dar errado. Não, céus. Eu não estou feliz por isso e meu sorriso idiota é por culpa da nostalgia. Eu vou me dar mal. É isso que eu não estou pensando. Só que... sem dramas, mas é bom a sensação de saber que alguém faria algo por mim e diz em voz alta.

E que essa pessoa é a Pandora.

Essa é uma confissão de um segundo. E uma confissão seguida de eu sei que vou quebrar a cara e vou chorar o dia inteiro.

Eu suspiro, girando a maçaneta da porta de casa. Desmancho meu sorriso escancarado e empurro, pronta pra dizer que o treino foi encurtado, mas é quase como uma déjà vu. Eu empurro a porta, dou três passos e a cena no sofá. Como adolescentes. Mamãe e o homem que eu esqueci o nome. Alexandre, eu acho. Minha mãe está no ápice que eu definitivamente não estou. E eu quero passar despercebidamente pelos amassos, os botões abertos da camisa dela, mas eu sou azarada demais para conseguir fazer o percurso sem fazer barulho.

E novamente o déjà vu de constrangimento.

Oi, gente. Temos o fim do nosso primeiro ato! Uma atualização ao meia dia porque ontem eu ia atualizar e meu celular descarregou antes de eu postar (e o carregador tá péssimo k). Uma coisa que eu esqueci completamente de avisar e ainda preciso corrigir.

Sabe as conversas de mensagens? Agora sempre que não for a Gênesis, vai ter o nome do contato salvo, ok? Exemplo:

[Pandora: Olá. Recebida às 12h30.]

[Oi. Enviado às 12h31.]

(Era pra eu ter avisado isso há uns dois capítulo atrás.)

Agora, sim: Olhem as nuances desse capítulo. Nós vamos entrar na próxima etapa e eu queria dizer que !!!. Sim, só isso. Pra quem achou que ia ficar só subentendido, Pandora quer sim a amizade de Gênesis de volta e acredite se quiser, a garota é corajosa. *Silêncio de zona em que eu estaria dando um monte de spoilers e atiçando a mente de vocês para o que vai acontecer (então saiba que estou atiçando)*.

E eu já tinha mandado esse spoiler no Instagram, mas sim: Cecília está interessada em Pandora.

*Silêncio de novo*.

Bem, eu espero que vocês tenham gostado. Tem muita coisa pra rolar e eu tô assim ó 🙊🙊🙊🙊 enquanto tô morrendo de ansiedade pra saber o que vocês vão acharem, mas se preparem para o Segundo Ato. Talvez divertido? Bem, saberemos. Só que estamos perto de conhecer os fliperamas e ******* ****-*****

(Analisem Gênesis zombando da altura da Pam, coitada.)

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