A Origem de Gênesis

By maryabade

351K 42.7K 46.5K

Gênesis tinha vários objetivos para o seu ensino médio, bem organizados em uma to do list. Só que alguns, em... More

Nota sobre a não-binariedade de Jacques
Rádio Submersa: Nova Atlântida
Entrevista com: "A salva-vidas"
Entrevista com: "A cheerleader"
Bem-vindos a Nova Atlântida
Primeiro Ato
1 - Políticas Invisíveis
2 - Garotas Prodígios
3 - Salva-vidas Caninos
5 - Apostas de corrida
6 - Pedidos de Desculpas
7 - Frases de efeito
#1 - Rádio Submersa: Pangen? Nathan é gay?
Segundo Ato
8 - Caçadores de Medos
9 - Melhores Violinistas (e ciúmes)
10 - Malditas coincidências
11 - Últimas Opções
12 - Capivaras Domésticas (#DiaDoOrgulhoLésbico)
13 - Boca a boca (#VitoriaDay, rs)
14 - Garotas de toalha
15 - Restaurantes Franceses
16 - Políticas Visíveis
17 - Palavras não ditas
18 - Patos de Borracha
Entrevista com: "A (ou o) locutora"
#2 - Rádio Submersa: Jacques é uma mal amada
19 - Palavrões
20 - Anéis de Brinquedo
21 - Sáficas
#3 - Rádio Submersa: Rapidinho, tem mais.
Terceiro Ato
22 - Maré Baixa
23 - Parentesco #JulinhaDay
24 - Colares da Amizade
25 - Presentes natalinos
26 - Lar
27 - Encontros Românticos
28 - Pansexual
29 - Espuma
30 - Pangen
31 - Péssimas Amigas
32 - Famílias Minúsculas
33 - Violinos (e vínculos) quebrados
34 - Coberturas (e garotas) lésbicas
35 - Atos de Amor (e Atlantis, de novo!)
36 - Caixas de Panetone
37 - Dia de São Nunca
Rádio Submersa: Eu, Gênesis Salvador
38 - Unanimidade
39 - Família Grande
40 - Gênesis
Bônus: A Origem de Primeiros Beijos

4 - Animais de doce

8K 860 1K
By maryabade





Eu continuo me sentando em um lugar ruim e que me faz não conseguir ver bem o quadro, mas dessa vez estou evitando de todas as formas olhar para o lado, onde Pandora está. Primeiro, não preciso estar com raiva sem que seja extremamente necessário. Segundo, eu não vou falar com alguém que não admite seu erro. Ponto. Talvez o defeito disso tudo tenha sido ela não admitir o que fez e se emaranhar em mentiras irreais demais para alguém acreditar. Tenho um coração mole demais e quase estava caindo na dela, me esquecendo que ela não faria o mesmo por mim. Na verdade, acho que ninguém faria o mesmo por mim.

Por exemplo, se fosse eu quem tivesse a abandonado na porta de um cinema, ela ainda falaria comigo? Se fosse eu que tivesse a ignorado por dias, falaria comigo? Ela me ajudaria se eu estivesse indo mal? Pandora forçaria a barra de um amizade quebrada, se a culpa fosse minha?

É esse o ponto. E ela não enxerga.

Queria que por um minuto ela enxergasse isso. Não porque quero sua amizade de volta, é só que, se ela percebesse, entenderia o quão babaca é sua aproximação e o quão estúpido é me colocar em uma situação como essa. De novo. Não consigo parar de pensar nisso. Ótimo.

Estou fitando esse maldito docinho em formato de gato tentando pensar em uma forma de comer sem destroçá-lo. Provavelmente não estou aproveitando bem minhas amizades ou sou uma péssima amiga, já que estou me sentindo sozinha. Muito sozinha. A ponto de estar na Pão de Ló com pena de um doce de goiaba em formato de gatinho fofo.

Se você perde uma amizade, o problema pode ser vários. Se você perde mais de uma amizade, o problema deve ser você. Ou pelo menos é isso que penso enquanto olho o relógio para calcular quanto tempo a mais fico aqui fingindo que estou no treino da equipe. Dramático. Solitário. Não estou com saudade exatamente dos treinos, estou com saudade do conforto que eles traziam.

É totalmente diferente.

Ainda estou pensando sobre o afastamento de Alana e seu interesse em Nathan. Ponto. Eu quero enviar mensagens para Nate para saber o que aconteceu, mas acho que a psicologia deve ensinar que, se você quer se livrar de algo, é melhor se afastar das coisas que lembram sua mente disso. Ir direto no assunto deve ser uma dessas coisas.

E aí está o problema de Pandora. Ela não é uma paixonite ou uma amizade de ensino médio. Ela foi minha melhor amiga. A gente passou por tudo juntas. Não preciso perguntar sobre ela porque absolutamente tudo me lembra que nós tivemos momentos legais. Por exemplo, ela estaria devorando os pobres gatinhos se estivesse aqui. Ela sairia antes do combinado porque precisaria ir até Jacques. Se eu fosse até lá fora, ocorreria que eu me lembraria de apostas de corridas.

Se eu decidir ajudá-la, vou lembrar do que me fez achar que nunca mais faria amigos e que me fez também passar um bom tempo enrolada em um edredom fofinho. Se decidir ajudá-la, preciso ter noção que também não vai ser o mesmo. Não vamos apostar corridas. Não vamos fazer maratona de filmes de madrugada e absolutamente nada. Vai ser um climão estúpido em que nenhuma de nós vai se sentir bem.

Não quero acabar com nossa política invisível. Eu estou confessando porque é só eu e minha mente. Nunca confessaria isso em voz alta. Mas também não quero voltar a ser amiga dela. Esse é o meu meio termo e quero ficar nele.

Preciso comer logo esse doce.

Fecho os olhos, agindo como uma criança, antes de dar a primeira mordida. Os doces daqui são maravilhosos, mas ao mesmo tempo me sinto uma devoradora de coisas fofinhas inanimadas. É por isso que fecho os olhos todas as vezes que como aqui. E não, não há uma opção de evitar vir e também não há como se acostumar com doces fofos demais para comer.

— O que é isso? — Alguém indaga se aproximando e eu me engasgo.

A voz é tão distante em tempo que demoro um pouco para conseguir associar a voz a pessoa e abrir os olhos, observando Isaac Boaventura me olhando como se eu estivesse maluca ou algo sim. E minha boca está cheia, impedindo que responda alguma coisa que preste e não só fique olhando em um misto de vergonha e confusão. Engulo, tossindo e com os olhos arregalados, em uma visão não muito agradável antes de limpar a boca com guardanapo e tentar encontrar a melhor maneira de justificar.

— Eles são fofos demais pra comer. A confeiteira daqui é uma artista. Não consigo comer olhando pra eles — justifico, robótica, e ele franze o rosto.

Ah. — É a única coisa que ele responde, um suspiro confuso de quem não entendeu. — Eu não queria te atrapalhar, desculpa. É só que meu irmãozinho ali adorou seu cabelo.

Sou eu que franzo o rosto agora, olhando para onde Isaac está sinalizando — seu irmão mais novo, de oito anos ou algo assim. Sorrio amarelo antes de agradecer de uma forma tosca que faz Isaac Boaventura se afastar antes que o momento vire constrangedor. Quer dizer, meu cabelo é fama só entre crianças? Se para Lili, é por causa do kpop. Por qual motivo o irmão de Isaac gostaria do meu cabelo? Personagens de League of Legends? Suspiro, encostada na cadeira e olhando o relógio pela milésima vez.

— Por que você não aprende outro instrumento? — O tom é alto e a garota está entrando na Pão de Ló com o rosto virado, olhando de lado para trás.

— Eu não quero aprender outro instrumento.

Ah. Droga.

Eu observo Pandora entrar ao seu lado, com o uniforme de salva-vidas, de braços cruzados e com uma expressão nada animadora. É como se só faltasse isso. Não só preciso lembrar dela como também vê-la. Tem areia nas pernas cheia de pelos escuros emaranhados, que sobem até seu calção vermelho. O boné preto deixa um pouco do cabelo pra fora. Estou satisfeita de não ser o centro das atenções dessa vez e coloco um livro na minha frente, para ignorar que ela está aqui.

Não entendo porque treinos são tão demorados que me fazem ficar aqui até agora. Sim, agora eu estou percebendo o quão demorados eles são.

— Você só quer tocar violino e pronto? — A garota indaga.

Isso é desdenhoso. Eu levanto o olhar do meu livro, que é quase um disfarce cinematográfico, e observo Pandora se encostar no balcão. Ela está de costas pra mim, o que é ótimo. Mas sei que as pessoas têm um sexto sentido que a fazem notar quando estão sendo observadas.

— Eu nunca conheci um famoso sequer que tenha virado famoso por tocar violino — completa enquanto Pandora diz algo para a atendente.

— Não quero ser famosa. Eu quero viver disso, é diferente. Não me importo de, sei lá, tocar violino no fundo de um palco. Eu quero tocá-lo e, quem sabe, ter uma loja de discos ou um sebo — retruca, ficando contra o balcão.

— Ninguém compra mais discos. A gente tem o Spotify e... — Ignoro o que ela está dizendo para ver o modo como Pandora come os gatinhos fofos.

Ela recebe os gatinhos e os enfia na boca. Não é para evitar uma conversa, ela sempre mata os gatinhos de goiaba assim. Assim como os coelhinhos de chocolates, os doguinhos de limão e os ursos de morango. Pandora é uma assassina de animais doces.

Tá. — É o que ela responde depois de comer três gatinhos sem ao menos olhar para os detalhes bem feitos. — Realmente não tô entendendo porque tu tá me perguntando essas coisas se não está realmente interessada ou vai fazer desdém disso.

— Ai, desculpa. Não sou boa em conversar sobre esses assuntos. — A garota diz, como se só agora percebesse o erro. — Tudo bem, vou começar de novo. Então... você não acha que vai se cansar demais? Quer dizer, morrer de exaustão não atrapalha seus sonhos? Eu estou dizendo como alguém que gosta de você.

Se cansar demais? O que ela está dizendo? Pandora suspira. Um suspiro pesado. Eu acho que já não estou mais fazendo bom uso do meu disfarce de filmes bobos — ninguém consegue se esconder atrás de um livro, pra falar a verdade. Só estou sendo patética e inventando coisas para me entreter.

Mas o fato é que ver alguém falando mal ou desmerecendo o sonho de Pandora me chateia também. No ano passado, quando ficamos nos falando após a morte da Jô, ela disse que era a única coisa que tinha sobrado. O violino. O maldito violino cor preta. E quando ela aprendeu a tocar, eu nunca a vi tão maravilhada. Tive que aguentar barulho de violino por anos. Música, que seja. Não sei o que o universo ou a coincidência está tentando me dizer fazendo eu escutar essas coisas. Tem mais dois gatinhos no meu prato. Eu estou quase me levantando e indo embora, os deixando a mercê.

— É sério, Pandora. Você está cansada. Você vai surtar se tu se meter em mais um trampo. — Arqueio as sobrancelhas. — Jacques tá certa. Você precisa diminuir o ritmo, pra não dizer outra coisa.

— Eu sei cuidar da minha vida, Giulia. — Pandora retruca antes de caminhar pra fora da Pão de Ló, me deixando observando a expressão insatisfeita de Giulia.

Babaca. As duas. Pandora por ser Pandora. E Giulia por ser estupidamente rude quando Pandora nunca dá razão para pessoas que a tratam com grosseria. Desde sempre. Ela cortou as ligações com seu pai por esse motivo. Ele era estupidamente ridículo e só estava interessado em saber o quão bem ela estava no colégio. Não perguntava se ela estava comendo bem, se tinha ficado doente ou coisas comuns. Era só escola, escola e escola. Mas Pandora nunca precisou do seu pai porque ela tinha o meu.

Sim, papai sempre foi uma figura paterna para Pandora. Desde sempre. Era como se ela fosse filha de pais separados, assim como eu, e sempre ia passar as tardes do final de semana comigo — às vezes, dias inteiros. Para papai, Pandora é como uma filha. Mas acho que quando aconteceu a ruptura Pandora e Gênesis, também houve uma ruptura papai e Pandora. Não queria que acontecesse, mas foi natural. Também não sou irmã dela. Não quero ser irmã dela. Se fôssemos irmãs, seria impossível nosso laço de amizade.

Nosso ex laço de amizade.

E agora estou escutando algo que me faz me sentir na obrigação de fazer o papel de irmã mais velha de Pandora. Como se fosse uma. Porque a única que fez uma senhora idosa pegar uma criança que não era sua pra cuidar foi para que essa criança vivesse bem e assistida. Tia Jô sempre fez de tudo. Absolutamente tudo. Até mais ou menos quatro anos atrás, quando ficou doente. Por sua vez, Pandora entrou, sem que ela soubesse, na equipe de salva-vidas da praia. Lembro que ainda nos falávamos quando Jô descobriu e ficou furiosa.

Porque bem, não era justo que Pandora pegasse tanta responsabilidade quando ela veio parar aqui justamente para isso não acontecer. Só que eu acho que sem Tia Jô para impedi-las de certas coisas, Pandora acaba fazendo o que acha melhor. E o melhor dela não é melhor em nada, nem pra ela. Então quando eu escuto "diminuir o ritmo" e "trabalho" ao mesmo tempo, eu não consigo evitar de pensar que Pandora está fazendo tudo que Jô pediu para que ela não se preocupasse até o fim do ensino médio.

E isso é uma droga.

Estou voltando pra casa depois de um tempo que entendo como suficiente para que minha mãe acredite. Faço o percurso mais demorado e correndo para que mostre um pouco de cansaço físico — mesmo que tenha passado boa parte do tempo sentada (da próxima, vou precisar arrumar algo mais saudável e não entediante). Dá certo, fico com a barriga dolorida quando abro a porta de casa, finalmente satisfeita pelo meu celular estar conectado na rede de wi-fi. Só que, ao invés de encontrar mamãe se aprontando para mais uma aula, a cena é esquisita.

Coloco a chave na porta, destranco e giro a maçaneta. Dona Helena não está sozinha. Na verdade, acho que ela está bem acompanhada. Não no modo "eu conheço esse cara e ele é uma boa pessoa", mas no modo "a expressão de mamãe está bem satisfeita". E isso seria perfeito, porque nunca aconteceu, se não fosse estranho ver um homem beijando o pescoço da sua mãe no sofá de casa. Não consigo exemplificar o que estou sentindo ao ver essa cena e perceber que está sendo tão bom que mamãe demora alguns segundos para notar que eu cheguei e fazer uma separação forçada do beijo. Mamãe tem fios brancos que em breve serão retocados.

O homem que ela está beijando tem cabelos pretos e sem nenhum resquício de branco. Duvido que ele tenha pintado, principalmente com o porte de surfista que ele possui, ficando em pé e colocando as mãos no bolso da casa. Os botões abertos da camisa pelo menos mostram higiene da sua parte. Estou de sobrancelhas franzidas, um olhar desconfiado nada legal e tentando pensar em como vou sair dessa situação. Será que é uma boa ideia perguntar a idade agora ou acenar e ir em direção ao quarto?

Aceito a segunda opção, mas não consigo concluí-la porque mamãe faz menção de começar uma conversa.

— Como foi o treino? Se deu bem? Ou você teve alguma tontura? — Mamãe pergunta, habitualmente. — Esse é o Alexandre, colega de trabalho.

— Ah. Ótimo. Tô disposta, até. — Eu sorrio, observando as madeixas cair no rosto pálido de Alexandre.

Mamãe é professora. Ela tem mestrado e tudo mais. Como ele é colega de trabalho dela? Aliás, que neura é essa? Sue também parece nova demais e não é o que parece. Mas homens brancos envelhecem mais rápido, ele já devia estar com rugas no rosto.

— Oi, Alexandre. — Completo, antes que seja tarde demais para as boas maneiras. — Eu vou tomar um banho e descansar um pouco. Treinei demais.

— Claro. — Mamãe suspira, ainda meio enrolada.

E as bochechas do homem branco demais para Nova Atlântida estão queimando.

Desde que me entendo por gente, mamãe nunca apareceu com um namorado logo não sei exatamente qual é o interesse dela em homens. Se ela já namorou, não faço a mínima ideia. É estranho a visão agora. Poderia chutar 26 anos, no máximo. Eu não preciso me meter nisso porque ela já é bem grandinha, mas idades com diferenças gigantescas me estranham demais. Quer dizer, o que homens novos estão interessados na minha mãe?

"Tu tá pilhada, né. Não acredito que tu só viu o homem uma vez e tá criando historinha. Recebida às 17h20."

Reviro os olhos para a mensagem de Becca após uma série de mensagens minhas. Sei que estou pilhada, mas qualquer pessoa em meu lugar acharia super estranho que minha mãe, que é chatíssima (no quesito coisas que não seja da sua idade) e séria, estar com um homem que ainda fica com as bochechas vermelhas de vergonha por um ato super natural. Qualquer pessoa, certo? De qualquer forma, pelo menos não estou pensando em algo que não é da minha conta.

Ou talvez esteja. Mas pelo menos não é sobre Pandora.

É estranho como o destino — mais conhecido com punhado de coincidências e desencontros — está fazendo com que eu escute coisas sobre Pandora que me faça me sentir um monstro quando não sou. Definitivamente não preciso escutar que essa idiota está se sobrecarregando antes do fim do ensino médio.

E que vai reprovar de novo. E consequentemente vai perder o apoio dos pais. O que ela vai fazer? Entrar na justiça? Como? Ela não tem parentes reais aqui. E além do mais, foi uma escolha dela ficar aqui (e certa, seria loucura morar com a família Verona) e ela está por conta e risco.

Merda, Pandora.

[Nate: Ei, Sis. :((( fala pra sua amiga que eu sou um lobo solitário, fala. Recebida às 17h23.]

[Nate: Diz que eu sou garanhão e malvado, algo bem novela mexicana mesmo. Recebida às 17h26.]

As mensagens de Nate chegam enquanto já estou no aplicativo de mensagens e é quase impossível evitar de clicar na sua conversa — o que é péssimo, visto que não sei como responder ao seu pedido. Sei que é Alana porque é o contexto das últimas mensagens de Nate, desde que ele resolveu sair com minha ex-amiga. É estranho que eu tenho muitos ex na vida. Ex-amiga, ex música favorita, ex fruta favorita e assim vai. Mas nenhum ex-namorado.

Não estou interessada também. É por isso que eu e Nathan somos amigos. Apesar da pressão de todo mundo, não tenho um interesse imparável em ter um namorado. Não é sobre ter namorado. Isaac é diferente porque é a única pessoa que eu já gostei na vida. Ele é diferente. Mas as pessoas parecem não concordar com isso, como se já não tivesse o bastante para cuidar nas suas próprias vidas.

É por isso — repito — que Nate é meu amigo e a gente tem uma certa cumplicidade para que eu não precise ficar com alguém por pura pressão social.

[alana, pq??? o q tá rolando? Enviada às 17h28.]

[Nate: Nada demais. Só acho que ela tá com segundas intenções, sabe... tipo relações amorosas? Quer dizer, com toda minha fama ela realmente acha que eu sou namorável? Kkkkk. Recebida às 17h30.]

[Nate: Não quero magoar ninguém, mas não sou bom com palavras. Faz isso por mim? :( Recebida às 17h31.]

[claro pq nao? Enviada às 17h32.]

Há vários motivos para porque não, mas nunca disse que sou uma péssima amiga. Se eu fosse uma péssima amiga, não estaria remoendo até mesmo sobre amizades quebradas. Aliás, acho que meu problema é que no fim um dia eu vou morrer de coração. Vou sentir tanto que ele vai parar de funcionar porque vai ver que a dona é uma idiota e não merece viver. É por isso que estou entrando na conversa de Alana, que a última mensagem é minha — e, uau, a penúltima e antepenúltima também — e estou enviando uma mensagem para que ela não fique magoada.

[oi, lana :(( e aí? Enviada às 17h32.]

[eh que eu fiquei sabendo que vc ta ficando com o nate. Enviada às 17h33.]

[Lana: Tô. Por quê? Recebida às 17h34.]

Uau. Essa é a primeira mensagem que ela me responde desde que simplesmente se afastou. Tem um nome pra isso além de desaparecer? A única diferença é que ela não desapareceu, a vejo todo dia — ela consegue lidar muito bem em fingir que nossa amizade nunca existiu.

[eh que ele não é um-

Eu paro de digitar. Ele não é o quê? Não sei uma maneira de dizer que ele não está interessado em relacionamentos sem parecer que ele acabou de me mandar uma mensagem escrito.

[eh que ele não é um cara muito decente, vc sabe. eu conheço o nate e ele é galinha então não dê muita bola. cuidado pra não se magoar :( Enviada às 17h36.]

[Lana: Gênesis, cuida da sua vida. Recebida às 17h36.]

Respiro fundo. É um tapa em cheio, mas bem melhor do que ser ignorada. Pelo menos tenho certeza agora, com todas as letras, que Alana não está afim — não que já não tivesse percebido isso e Rebecca não tenha dito. Não sou uma tapada, mas assim como Pandora está na minha mente, não evitaria dizer para Alana tomar cuidado só porque ela está com raiva de mim.

É sobre colocar seus princípios acima de qualquer relação. Se eu visse alguém sendo estúpida com Cecília, eu a defenderia de qualquer forma. A menos que ela seja muito filha da puta — o que não é o caso, ela só não tem uma afinidade comigo (pra não dizer ódio esquisito que não sei o motivo).

[ela n liga. Enviada às 17h37.]

Envio para Nate antes de me deitar, lembrando que deveria tomar um banho. Deveria. Continuo deitada, olhando o teto como se tivesse uma crise existencial sobre o que deveria fazer agora.

O que eu deveria fazer, todo poderoso?

O qu deveria que não me machucasse e forçasse a barra, mas também não me fizesse ficar com a cabeça abarrotada desses pensamentos? Pensamento como "Pandora está ignorando seu ensino médio", nas mesmas palavras que Tia Jô utilizou. Só falta seis meses. Ela pode esperar seis meses para começar isso? É por lei, ela não é uma garota emancipada ou algo sim. Pandora não tem como sobreviver sozinha e nem ao menos pensar que isso é uma opção.

Então estou fingindo que é por Jô. Por Jô. Não é por mim. Nem por Pandora. É por Jô.

De qualquer forma, pode ser história da minha cabeça. Eu posso estar inventando algo super mirabolante só porque fico preocupada demais. E aí, pimba, estraguei nossa política invisível e silenciosa pra nada. Mas é coincidência demais que eu escute isso logo depois de ela me pedir ajuda com estudos. Não dá pra tirar notas boas se sua cabeça está para explodir.

[Oi, Pandora. Quer jantar na minha casa? Enviada às 18h00.]

Envio imprudentemente. Também apago em seguida, pronta para procurar um justificativa quando ela me perguntar o que era. Não precisa. O sinal de online fica tão rápido, assim com o sinal de que ela está digitando.

Merda, Pandora.

[Pandora Verona: :((((((( Foi só cinco segundos, Gen. Nem demorei. Recebida às 18h00.]

[Pandora Verona: Me convida de novo :(((( Recebida às 18h01.]

[Confundi o número. Enviada às 18h03.]

[Pandora Verona: Você não tem outra amiga chamada Pandora. Me convida pra jantar aí, vai :(. Não sei o motivo, mas todas as opções parecem boas (incluindo envenenamento). Recebida às 18h04.]

[Pandora Verona: :(((((( Gen!!! Eu nem sei o motivo, mas eu quero. Recebida às 18h05.]

Ela envia uma figurinha do Buzz Lightyear, uma versão minúscula dele com um texto em branco — "mais eu quelo". Solto uma risada curta, pensando o quão Pandora é idiota e o quão ela parece estar implorando para jantar aqui agora. Essa risada se desmancha em milésimos.

Merda.

Desço as escadas em direção a cozinha, no nosso sobradinho comum. Mamãe está encostada no balcão e não tem mais homem algum aqui. Só ela. Caminho ainda com resquícios de suor em direção às panelas e vejo se há o suficiente para mais um. Mamãe franze o rosto em resposta, mas demora um pouco pra dizer — como se ainda estivesse em processo de absorver a cena de quando cheguei.

— Posso convidar a Pandora pra jantar? — pergunto, colocando as mãos no bolso.

Quem? A Pam? — Minha mãe indaga, sem raciocinar direito o que eu disse, de novo. — A Pam? Por que não me avisou? Eu teria preparado algo melhor do que isso, ela gostava de...

— Mãe? — a interrompo, abismada. — Não é nada demais.

— Claro que é! Vou aproveitar pra perguntar como ela tá se alimentando, chame sim. — Mamãe diz e suspiro, me virando em direção a saída da delimitação da cozinha.

[Oi, Pandora. Quer jantar na minha casa? Enviada às 18h20.]


Não tem uma única possibilidade de ser não. Eu vou me arrepender em algum momento desse jantar. É um ponto. Vou ignorar isso o máximo que conseguir e se der errado, pulo fora. Pandora já pulou fora uma vez então acho que tenho um passe livre para isso, se necessário. Além do mais, é só um jantar. Posso facilmente dizer que foi minha mãe que me obrigou e tudo mais. É bom que já tenho a rota de fuga antes de Pandora chegar porque realmente preciso de uma rota de fuga.

Tipo que não seja sair correndo ou mostrar que sou uma tapada que não sabe medir decisões antes de tomá-la.

Como convidar Pandora Verona depois de três anos. Do nada. E a tapada ainda aceita. Eu poderia ser um doppelganger mal intencionado.

Céus, fazem três anos que Pandora não vem aqui e a chamei de supetão. E agora estou vendo o primeiro pró de um cabelo mais curto. Ele não encharca minhas roupas após um banho. Aliás, consegui secá-lo facilmente com a toalha adaptada por mamãe para não destroçar fios — palavras dela.

Estou repetindo várias vezes sentada no sofá, olhando a hora no celular, que isso é por Tia Jô.

Por tia Jô. Por tia Jô.

Alguém bate na porta. Eu me levanto de supetão. Mamãe também vem em direção e faço uma pausa dramática pra fingir que estava ocupada com outra coisa e não criando maneiras de justificar esse jantar que não seja "minha cabeça está tão focada em uma conversa alheia que escutei que nem me importei da minha amiga me mandar cuidar da minha vida quando agi como uma amiga deveria agir". Sim, é um conteúdo gigantesco em aspas.

Mas bem, é Pandora. Não preciso abrir a porta para saber que é ela. Ainda sim, solto um suspiro ao finalmente cair a ficha que convidei Pandora para jantar na minha casa depois de três anos. Precisei convidar quando era tão comum que uma palavra bastaria.

E bem, a primeira coisa que consigo sentir ou ver quando abro a porta é o cheiro de banho tomado e sabonete cheiroso. Quando Pandora não está com cheiro de litoral, está com o de shampoo de criança ou algum produto infantil que tenha um perfume embutido que eu não consiga explicar melhor do que só dizer "shampoo de criança". Ela está com uma camisa de manga curta, armas e rosas bem desenhadas (clichê). A corrente com a cruz brilhante, herança da tia Jô. Calção. Sempre calção.

Pandora realmente gosta de mostrar os pelos das suas pernas e é raro as ocasiões que eu já a vi de calça. Não, Pandora nunca usou vestido. Nunca. Pelo menos não depois que ela aprendeu a falar e negar as coisas — se bem que provavelmente quando ela era criança devia abrir o maior berreiro.

Bem, sei que eu só penso nisso, mas são três anos sem que Pandora pisasse aqui. E quando ela coça a nuca e sorri, parece que foi ontem. Foi ontem que sem perceber Pandora quase jantou pela última vez aqui. Quase, porque se ela está aqui significa que não foi a última vez.

— Gen?

Gênesis — corrijo, quase suplicando.

— Gênesis. — Ela repete antes que eu me afaste da entrada e a deixe passar.

Mamãe caminha e, em segundos, Pandora está sorrindo igual boba para minha mãe. Tão boba que suas covinhas estão explícitas no rosto, a deixando fofa. Esse é o problema de estar aprofundada demais em algo e ele se romper de uma maneira nada amigável. Eu também não via Jô de verdade (com direito a conversas e tudo mais) há bastante tempo quando precisei vê-la sã pela última vez. Agora Pandora está ficando de uma maneira tosca e fofa porque veio jantar aqui comigo e mamãe.

E tudo bem, sei que elas se encontram, mas é diferente.

— Oi, tia. A senhora tá bem? — Pandora indaga, sem jeito.

— Olha, se Gênesis tivesse me avisado mais cedo que você vinha eu tinha preparado alguma coisa pra você matar saudade daqui. — Ela abraça Pandora e eu sinto mamãe absorver o cheiro de bebê.

Apenas bebês e Pandora conseguem chegar em um cheiroso agradável. Eu estou falando de algo bom e não perfumes fortes, amargos ou doces demais.

— Como você está, Pandora? — Mamãe indaga, se afastando enquanto eu continuo sendo só uma telespectadora da cena. — Tá se alimentando? Como você tá se alimentando?

— Tô bem, tia. Não esquenta. — Pandora diz antes de mamãe puxá-la para a mesa.

É óbvio que nossa mesa está na sala de estar, mas aqui até que é espaçoso para tal — ou pelo menos para uma mesa de seis lugares. Eu me sento ao lado de Pandora, como uma maneira de não ficar diretamente em frente a ela. Em contrapartida, o cheiro dela é mais forte quando estou ao seu lado.

Eu odeio seu cheiro.

Não consigo dizer mais que meia dúzias de palavras e o diálogo no jantar inteiro é entre mamãe e Pandora. Eu só assisto. Parece que estou em uma realidade alternativa em que nada aconteceu. Não sei se isso vai me fazer bem, mas estou tentando me esforçar pra não pensar em nada melancólico demais que me faça agir como uma estúpida — mesmo que Pandora mereça. Só que ela também merece outras coisas, de qualquer forma. Queria que ela tivesse sido babaca comigo mais vezes, não só no fim.

Talvez aí eu não ficasse tão cheia de empatia por ela. Assim não estaria na mesma mesa que ela, observando risadinhas curtas para a conversa de mamãe. Nem a observando agir como sempre. Ela não sabe porque a convidei e mesmo assim não está tensa.

— Queria muito que você também estivesse na equipe de líderes de torcida. Aposto que você ficaria uma gracinha. — Arqueio as sobrancelhas.

— Ah, não é muito minha praia. Isso tá muito bom, tia. — Ela diz mudando de assunto tão rápido que não parece nada natural, se levantando e colocando as mãos no encosto da cadeira. — Eu vou lavar a louça agora porque tenho compromisso mais tarde e não posso me atrasar.

Como assim vai embora? Eu nem troquei uma única palavra com ela.

— Claro que não precisa, menina. Fazia tempo que você não vinha — Mamãe diz, dando de ombros.

Mas Pandora é insuportável a única boa maneira que ela tem é essa. Não, ela nunca deixa de lavar a louça e ser gentil com meus pais. É como se ela fosse outra pessoa aqui. Só que definitivamente eu não a chamei para lavar a louça no fim.

— Pandora, lembra do que eu te falei? Vem, vou te mostrar no meu quarto — digo e ela raciocina muito bem para assentir sem responder em tom desconfiado.

Não queria que fosse exatamente no meu quarto, mas também não quero que mamãe escute. Só que é ruim que Pandora esteja no meu quarto porque... não apaguei os castelos e as princesas, mas em contrapartida algumas coisas não está mais aqui. Algumas coisas notórias. Pandora entra no quarto e não faz cerimônias para se sentar na beira da cama, olhando em minha direção, mas captando a ex parede de pôsteres.

— Eu não acredito que tu rasgou aquele pôster, Gênesis! Paguei caro. Era febre, eu passei horas para conseguir comprar antes de esgotar e era edição limitada! Limitada! E tu sabe quanto é o frete para uma ilha? Porra, eu não acredito. Gênesis. Era uma edição limitada. Pra ti. Eu quase enfiei a faca no pescoço de um cara virtualmente para ele me vender. Meu Deus. Caralho, Gênesis. — Eu cruzo os braços, ignorando que talvez eu tenha me arrependido. — Foi caro. Eu paguei uma nota naquilo pra tu ter. Não me diz que tu quebrou o disco de vinil também?

Não, não quebrei.

Pandora. Você não tá no direito de reclamar de nada.

Pandora suspira, mas não consegue tirar os olhos da parede onde há um buraco vazio, com papéis. E não sei decifrar a expressão dela.

— O que foi? — Ela suspira, mas ainda está olhando bobo para a parede. — Por que não contou pra sua mãe que tu não tá mais na equipe?

— Eu pensei no que você disse. — Ignoro sua pergunta, mas dessa vez não é por arrogância. Não sei o que responder. — Sobre ajuda. Eu posso te ajudar nas aulas.

— Como é? — Ela arqueia as sobrancelhas, olhando pra mim.

— Eu posso te ajudar. Ponto. Mas preciso que você faça algo por mim também. — Eu suspiro, cerrando o punho.

— O quê?

— Você vai me fazer ficar com Isaac Boaventura. E eu não estou nem aí se eu vou precisar me vestir com você, portanto que eu fique com ele. — Eu digo, convicta sem olhar para um ponto em específico. — E vai me ajudar a realizar cada coisa daquela lista. Nós podemos estudar na hora que era meus treinos, já que eu preciso estar fora mesmo.

— O que te fez mudar de ideia?

Coração mole.

— Tô sozinha mesmo. Vou fazer o quê, né? É o final do ensino médio, não quero parecer mais patética do que já sou. Mas se você não quiser, eu não vou te obrigar.

— Eu topo. — Pandora me interrompe.

— Você topa?

Topo. E obrigada pelo jantar, sério. Tu poderia ter me enviado mensagem, mas me convidou. — Pandora diz antes de se levantar. — Eu preciso realmente ir agora, mas eu topo.

Ela estende a mão. Eu aceito, relutante — mesmo que tenha sido minha escolha.

— Então tá fechado.

Oi, gente! É a Mary. Estou com a última e segunda atualização do dia. Eu meio que decidi postar até aqui para que vocês conhecessem esses capítulos que são uma espécie de catapulta para o desenrolar da história. E bem, a pegada da Gênesis e Pandora são amigas de infâncias. Tem muitas discussões bobas e tudo mais. Mas antes de qualquer propósito, Gênesis tem um coração gigante e tem motivo para ficar chateada em vários níveis. E esse é o propósito do acordo. Aliás, eu espero que algumas coisas fiquem mais nítidas nos próximos capítulos, mas dêem uma certa atenção para o modo como a Gênesis trata algumas coisas em específico.

Muita. Sério. Nada é por acaso. O cão é bem articulado.

Eu também quero que vocês entendam um pouco sobre o que fez Alana e Gênesis se separarem tão repentinamente e algumas coisas. Há males que vem para o bem, devo dizer de antemão.

A música que tem nesse capítulo é uma das minhas favoritas enquanto escrevo e digamos que a vibe é muito Pandora. Movie Star do CIX, caso não tenha ficado visível. Vocês vão conhecer de pouco em pouco como foi essa amizade e porque tantos fantasmas — e ao mesmo tempo uma política invisível que as tornam inseparáveis.

[Aliás, espero que vocês já tenham notado algo sobre as mensagens — por mais bobinho que seja.]

Estão prontos para preencher a lista de Gênesis erroneamente? Estamos só começando. E claro, não poderá faltar farpas, discussões e tensões. E banheira, patos e jogos de fliperama.

O Instagram do livro é @genesisoato e minhas redes sociais são @marysabade.


(Até logo, eu espero.)

Continue Reading

You'll Also Like

1.1M 108K 166
Livro de humor baseado em situações que nós (gays) vivemos cotidianamente e pontos engraçados da nossa sexualidade. #Primeiro lugar na categoria hum...
50.1K 4.3K 40
|completa| Harry Styles é chamado de muitas coisas, mas principalmente vadia. A mesma velha história, ao mesmo tempo inédita e com um final diferente.
253 107 30
Mas ainda te amo, em meu secreto altar, neste ultrarromântico, e sombrio mar
128K 624 3
Se expor nunca foi uma tarefa fácil para Giovanna Moraes. Enfrentando sua ansiedade, ela se tornou uma youtuber famosa e agora é uma voz para jovens...