O Mais Belo Vermelho

By GabrielaPimenta

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Julien Dufour está enredado em um casamento arranjado com a filha mais velha do Duque de Northumberland, amig... More

Capítulo 01 - Os gêmeos
Capítulo 02 - Igualmente diferentes
Capítulo 03 - Excêntricos
Capítulo 04 - Fascínio
Capítulo 05 - Tormento
Capítulo 06 - Ímpetos
Capítulo 07 - Estranhezas
Capitulo 08 - Segredos e intenções
Capítulo 09 - Sentimentos desconhecidos?
Capítulo 10 - Confrontos
Capítulo 11 - Receios e verdades
Capítulo 12 - Visita
Capítulo 13 - Amigos
Capítulo 14 - Pedaço por pedaço
Capítulo 15 - Tentativas
Capítulo 16 - Convidado
Capítulo 17 - Baile de noivado
Capítulo 18 - Cúmplices
Capítulo 19 - Entre chances e brindes ao fracasso
Capítulo 20 - Afundando em um transe
Capítulo 21 - Um lugar que só nós conhecemos
Capítulo 22 - Pela primeira e última vez
Capítulo 23 - Fantasmas do passado
Capítulo 24 - Vislumbres de quem sou
Capítulo 25 - E se eu ouvir?
Capítulo 26 - Rancores e feridas
Capítulo 27 - Entregando-se ao inevitável
Capítulo 28 - Talvez eu seja. Talvez sejamos
Capítulo 29 - Estes são meus temores
Capítulo 30 - Promessas indecente
Capítulo 31 - Confissões no armário
Capítulo 32 - Elo entre irmãos
Capítulo 33 - Inquietações
Capítulo 34 - Todas as imperfeitas coisas
Capítulo 35 - Novas cores e velhas angústias
Capítulo 36 - Fogo e água
Capítulo 37 - Nas entrelinhas
Capítulo 39 - Ao meu caro pai
Capítulo 40 - Enfrentando a realidade
Capítulo 41 - As marcas em minha pele
Capítulo 42 - Verdades através de mentiras
Capítulo 43 - Os sabores dos dias
Capítulo 44 - Sob a lápide
Capítulo 45 - Desalentos
Capítulo 46 - Uma linha sem volta
Capítulo 47 - Consequências
Capítulo 48 - Ecos no silêncio
Capítulo 49 - Contra tudo e contra todos
Capítulo 50 - Entre o passado e o futuro
Capítulo 51 - Ela se lembra
Capítulo 52 - Segredos que retornam
Capítulo 53 - Castelo de cartas
Capítulo 54 - Os ventos da mudança
Capítulo 55 - Batimentos pulsando em meus ouvidos
Capítulo 56 - Pequenos segredos sujos
Capítulo 57 - Plano encerrado. Planos que desmoronam
Capítulo 58 - Palavras que dão liberdade
Capítulo 59 - Perfeito em suas imperfeições
Capítulo 60 - Amores que iluminam o mundo
Epílogo

Capítulo 38 - Vínculos despedaçados

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By GabrielaPimenta

— Como assim vocês estão de partida? — indagou Julien, tentando controlar a surpresa.

Eloïs mostrou-se igualmente atordoado.

Nenhum deles conseguia entender o porquê, de uma hora para a outra, os gêmeos decidiram retornar a Northumberland. Nem mesmo o duque parecia compreender o que levara os filhos a subitamente insistirem para voltar, sendo que aparentavam estar tão alegres na cidade.

A notícia apenas veio de maneira inesperada durante o jantar.

— Recebemos uma carta de Northumberland essa tarde. — explicou Christinie — Informando que o uncial está hospedado em nossa casa, pois, contraiu uma gripe forte.

Hugh assentiu, espantado em saber que até um escocês daquele tamanho e teimoso caía de cama de vez em quando. Chegava a ser um pouco cômico, apesar da seriedade da circunstância.

— Estamos preocupados e por isso queremos voltar o mais brevemente possível.

— Mas, e a sua consulta com o especialista? — questionou o duque.

— Haverá outras oportunidades. O próprio amigo do Daryl disse que esse tal especialista ficará na Inglaterra por tempo indeterminado. Podemos marcar para uma próxima vez.

— Bom, é verdade. — concordou.

Levou um pedaço de brioche a boca e o mastigou. Não tinha muito o que dizer ou pensar.

Julien e Eloïs, por outro lado, remoíam sentimentos mais sombrios. Sim, Lean era o único familiar materno com quem conviviam e estava em uma situação vulnerável, mas, porque eles precisavam partir para vê-lo? Não era como se ele estivesse prestes a morrer, certo?

Embora soubessem que seus pensamentos eram errôneos e insensíveis, não conseguiam detê-los. Seus corações eram egoístas demais. Pois, tudo iria ruir quando os gêmeos partissem.

As coisas seriam drasticamente diferentes em Northumberland.

Por que não podiam viver aquela doce e débil fantasia mais um pouco?

— Gostaríamos de partir pela manhã, se possível. — completou Christian.

— Não creio que isso seja viável. — respondeu Hugh — Posso pedir aos empregados que organizem seus pertences, mas vocês só conseguirão partir no próximo dia.

Os gêmeos não demonstraram muita resistência em concordar; o duque prosseguiu:

— A propósito, fiquei sabendo que Daryl também pretende retornar ao ducado. Enviarei um mensageiro ao The Albany pela manhã, perguntando se ele não quer uma carona.

— Ele havia comentado que seria um prazer acompanhar-nos de volta. — comentou Christinie — E, considerando que vamos para o mesmo lugar e ao mesmo tempo, seria bastante cômodo.

A conversa se estendeu. Contudo, apesar de a atmosfera aparentar ser a mesma dos outros dias, o silêncio quase sepulcral dos Dufour após o choque do primeiro momento, denotava que não estavam felizes com aquela decisão. Christian e Christinie entendiam como provavelmente seus amantes se sentiam, visto que tal decisão também pesava em seus âmagos.

Não seria fácil para nenhum deles. Christinie amava Julien, tanto quanto Christian amava Eloïs, mas era uma questão importante demais para que pudessem ignorar.

Existiam alguns tipos de amor mais fortes do que outros.

Uma vez que o assunto cessou, valendo-se da abertura, Christian perguntou:

— Já que teremos mais um dia, tudo bem se formos a um último passeio com Julien e Eloïs?

Os Dufour, pela primeira vez em minutos, olharam diretamente para os ruivinhos.

Hugh sequer ponderou para dizer que sim e mal imaginava ele que, em verdade, os gêmeos haviam planejado tudo. Sabiam que seria impossível que os criados conseguissem preparar uma viagem em questão de horas, o que, consequentemente, obrigá-los-ia a permanecer em Londres ao menos um outro dia. Era a oportunidade que precisavam para tirar os irmãos Dufour do casarão e assim explicarem longe da presença do duque o porquê de partirem tão abruptamente.

O pai não negaria aquele pedido, dadas as circunstâncias.

Assim que o jantar terminou, mesmo a contragosto, Christinie pediu licença e se retirou para ir ao seu aposento. O toque sorrateiro que deu na mão do irmão antes de levantar era o sinal de que o deixava responsável por avisar Julien e Eloïs; ela olhou para o amado e então subiu.

Quando, enfim, os três rapazes se juntaram a sala de estar sem a presença do duque, o ruivinho logo contou que não deveriam se encontrar naquela noite, isso porque Mariana estava desconfiada de sua irmã e seria perigoso para todos se, ocasionalmente, a criada flagrasse as visitas noturnas que andavam fazendo escondido. Não podiam dar ao luxo de serem pegos.

Os Dufour concordaram e disseram que esperariam para entender o que de fato acontecia.

Julien, mesmo inserido no diálogo que seu irmão e cunhado tentavam manter, sentia a falta de Christinie ao seu lado. O vazio da ausência dela só fazia crescer a angústia da inevitável separação, pois, os dias seriam daquela maneira quando partissem; ele não prolongou sua permanência ali. Seu humor estava longe de permitir que se distraísse. Além disso, queria dar ao menos um pouco de privacidade ao casal, já que eles também teriam que se afastar.

O mais velho subiu lentamente as escadas e caminhou da mesma forma pelo corredor. Antes de entrar no quarto, olhou fixamente para a porta da ruivinha e, suspirando, refugiou-se.

A sombra da separação perturbou seu sono.

No dia seguinte, respeitando o horário marcado, Julien desceu na companhia do irmão para encontrarem os gêmeos. Eles conversariam no decorrer do brunch, aquela refeição tão britânica.

Christinie conteve o impulso de lançar-se nos braços do amado. Passara somente uma noite longe do calor reconfortante dele e tinha a impressão de que seu peito explodiria de saudades. Como suportaria a distância quando parecia que estava prestes a padecer com uma única noite?

Teria que ser forte. Mais do que já era.

Escolheram um pequeno, mas acolhedor, restaurante na região de Islington. Um lugar reservado e longe dos nobres olhares alheios era o ideal para àquela conversa. Foram agradavelmente recepcionados por uma mocinha que deveria ter quase a idade de Christinie e pediram um brunch completo, com direito a brie e presunto cru, além de pães e omeletes bem recheados.

Reunidos em torno da mesa estreita, os quatro jovens puseram-se a falar. No caso, os gêmeos.

— Sei que pareceu precipitado e realmente foi. Mas temos um bom motivo para retornar a Northumberland e não é necessariamente o nosso tio. — explicou Christinie, em voz baixa.

Os pratos não demoraram a chegar, tão apetitosos que roubaram a atenção deles por um instante. A mesma mocinha que os recepcionara, serviu o black tea e em seguida misturou com leite.

Uma vez que ela se afastou, a conversa foi retomada.

— Ele não esteve doente? — questionou Julien, adicionado um cubo de açúcar em sua bebida.

— Sim, esteve. Mas já melhorou. — respondeu Christinie — Comentou isso na carta também.

— Se não estão voltando por causa da saúde de Lean, então por quê?

Os irmãos Dufour permaneceram quietos, cheios de expectativas, e Christian disse:

— O uncial, bem, ele encontrou o Augustus.

— Augustus? O segundo filho mais velho? — indagou Eloïs, intrigado.

— Sim.

— Mas nós pensamos que...

Eloïs deixou a frase inacabada. O que ele pensava, afinal?

Foram poucas as vezes em que escutara o nome do segundo filho mais velho e somente em comentários esporádicos. Quase não se sabia sobre ele. Era como se a existência de Augustus fosse um assunto proibido, o que, por conseguinte, dava margem para muitas interpretações.

Das mais óbvias até as mais desagradáveis.

Houve um minuto de silêncio, isso até Christinie tomar a iniciativa de dizer:

— Nosso irmão foi embora anos atrás. Digamos que, depois disso, falar sobre ele se tornou algo delicado para nós. Ao menos, para os nossos irmãos e.... Nosso pai.

— Especialmente para ele. — complementou Christian — Por essa razão, quisemos conversar com vocês longe do casarão. Nosso pai não pode saber que o Augustus foi encontrado.

Tanto Julien quanto Eloïs consentiram, mas os questionamentos acerca disso não demoraram a vir. No entanto, poucas respostas obtiveram, pois os gêmeos disseram que era algo que carecia de mais tempo para explicar. Tratava-se de uma longa e complicada história.

Mais um dos tantos segredos que permeavam a família Bamborough.

E, ainda que fossem sofrer com a distância depois daquele mês memorável que passaram juntos, era um assunto que não poderia esperar. Não mais do que já haviam esperado.

Foram longos anos de espera.

Christinie, então, passou para o próximo tópico da conversa; olhando para Julien, ela disse:

— Meu irmão deve ter lhe contado sobre Mariana.

— Sim, e admito que fiquei espantado. Será que estávamos sendo óbvios demais?

— Eu não sei. Apesar de ter pensado a mesma coisa.

— Mas, afinal, o que ela disse?

— Eu a ouvi fazendo comentários maldosos a outra criada enquanto estendiam os lençóis. Primeiramente sobre Christian e eu, que éramos estranhos e talvez até estivéssemos em uma relação incestuosa pela forma que tratamos um ao outro. Que somos dois imorais.

— Mas que disparate! — exclamou Julien, irritado — Como se atreve?

— Foi exatamente o que pensei. — bufou — Além disso, ela também sugeriu que eu estava tentando seduzi-lo de propósito, já que não posso ter filhos e quero preencher esse "vazio". Quando desci da árvore, exasperada, eu a farpei. Disse que deveria tomar cuidado com o que falava, pois, todo aquele veneno poderia matá-la um dia. E foi a partir disso que ela me acusou abertamente de roubar o noivo de minha irmã. O que, de certo modo, não deixa de ser verdade.

A ruivinha lembrou da confissão que Mariana fizera de maneira insolente quanto a Julien e seu desejo de tê-lo para si, porém, não trouxe à tona. Não valia a pena tal aborrecimento.

Após um longo gole no chá, quase como se estivesse enfiando goela abaixo adjetivos nada educados, Eloïs devolveu a xícara e rebateu com seu tom de voz cheio de reprovação:

— Só que você não está roubando ninguém, Chrisie, já que meu irmão a ama. E vice-versa.

Christinie ruborizou com o apoio inesperado do – atrevia-se a dizer – cunhado e assentiu. Acreditava no mesmo, contudo, era lisonjeiro saber que mais alguém tinha essa percepção. Que alguém mais a estimava e defendia; Julien, tal-qualmente admirado com as palavras do irmãozinho, alcançou a mão da amada por debaixo da mesa e reforçou:

— O El está certo. Não tenha a impressão de que está cometendo algo impróprio ou vergonhoso. Desde o início, meu compromisso com Suzanne foi acordado entre os nossos pais e sem afeto algum. Me apaixonei por você e não tenho qualquer arrependimento quanto a isso. Aceitei esse amor e, apesar de todas as inseguranças que enfrentei, sei que não estamos errados.

Retribuindo o aperto singelo dos dedos esguios e cálidos contra os seus, a ruivinha falou:

— Eu fraquejei uma vez, ao acreditar que não era o suficiente para você devido a minha condição, mas não o farei de novo. Sim, carrego minha culpa, só que não sou uma crápula por amá-lo. E nem Mariana e nem ninguém irá me convencer do contrário.

Julien e Christinie trocaram olhares. A intensidade daquele ato, dos orbes castanhos dele mergulhando nos orbes claros dela, transmitia silenciosamente uma promessa para toda a vida.

De amar e lutar até que não sobrasse outra alternativa aos demais além de aceitar.

Christian ficou impressionado com a determinação de sua irmã e, tomando-a minimamente para si, apanhou a mão de Eloïs furtivamente por debaixo da mesa. Os rapazes se entreolharam, com um pouco mais de discrição, e fizeram suas próprias promessas veladas. Sorriram.

Aquela foi, inesperadamente, a despedida que precisavam ter.

Ao longo de todo o dia, houve uma enorme comoção de empregados para organizar os pertences dos gêmeos. A resposta de Daryl chegou perto da hora do chá. Ele não negou o pedido de Hugh, embora tenha ficado deveras surpreso com a mensagem repentina, e ainda mais porque Christinie perderia a oportunidade de se consultar com um especialista tão famoso. Mas, dada a urgência da circunstância, julgou que um motivo muito forte lhe obrigava a tal.

Hugh fez questão de que preparassem um farto jantar aos filhos e eles desfrutaram, fortuitamente, desse momento entre conversas despretensiosas e risos; embora soubessem que os encontraria em poucas semanas, os Dufour ainda se sentiam desanimados com a partida dos gêmeos, mas reprimiram esse sentimento para dar aos ruivinhos uma noite agradável.

A última noite juntos durante os longos dias que viriam.

Na madrugada, contrariando o pedido de Christinie e ignorando o evidente perigo, Julien cruzou o corredor escuro e silencioso, e entrou sem bater no quarto da ruivinha. Não foi surpresa encontrá-la acordada, e menos ainda ver a felicidade estampada em seu lindo rosto sardento.

Afinal, por mais que tivesse pedido, ele sabia que a amada estaria à sua espera.

Mesmo com o coração dolorido, Julien espantou o desalento e caminhou em direção a Christinie, que o recebeu de braços abertos e o beijou com verdadeiro anseio.

E, como desejavam ardentemente, se entregaram a paixão.

[...]

Como se não tivesse acabado de sair de uma gripo forte, Lean galopava nos arredores do palácio, não somente para esticar o corpo como também para ficar o mais longe possível de Suzanne. Depois da tórrida aventura que tiveram em seu quarto, o ânimo entre eles piorara consideravelmente. Nem mesmo seu amor era capaz de lidar com a teimosia daquela moiteil*.

O que mais lhe irritava, além da cabeça-dura dela, era o fato de que ficava rememorando aquele momento. Chegou ao ponto de tocar-se, mallachd!* As sensações ainda pulsavam vívidas em seu maldito corpo traidor, tal como aquelas imagens lascivas dançavam dentro de sua cabeça.

Os gemidos, os beijos fogosos, os olhares... A violência do encontro de seus corpos....

Céus! Poderia facilmente enlouquecer.

Se não estivesse esperando a resposta dos sobrinhos, teria ido embora na manhã seguinte. Voltado para a Escócia e não botaria os pés naquela porcaria de lugar durante muito tempo.

Mas tinha que aguentar, pois, algo de maior importância estava em jogo. Maior do que seus conturbados e estúpidos sentimentos. Lidara com o desprezo de Suzanne desde a fracassada fuga, em que passara a madrugada esperando esperançosamente por ela, e decepcionando-se ao ter certeza de que fora abandonado. Não teria problemas em suportar mais alguns dias.

Seu coração já estava calejado.

Apreciando a paisagem, com o intuito de distrair os pensamentos o mínimo que fosse, Lean estreitou os olhos por conta do Sol e avistou ao longe a carruagem. Surpreendeu-se. O brasão da família Bamborough era tão ridiculamente opulento, que ignorá-lo ou confundi-lo seria impossível. "Ingleses e suas desnecessárias ostentações", debochou. Não imaginou, contudo, que a resposta para sua carta chegaria tão rápido, menos ainda que os sobrinhos viriam pessoalmente para isso; sem mais delongas, galopou imediatamente de encontro a ela.

O cocheiro puxou as rédeas assim que Lean se aproximou. Daryl, estranhando a súbita parada, colocou a cabeça para fora e sorriu ao ver o escocês. Tal como o restante da família, mesmo com as adversidades, também eram conhecidos de longa data; cumprimentou-o.

— Vocês vão gostar de saber quem veio recepcioná-los. — disse o jovem médico aos gêmeos.

Tanto Christinie quanto Christian se espremeram para espiar através da janela. Lean acenou.

Eles saíram da carruagem e correram para abraçar o tio, que saltou do cavalo e agarrou a ambos em um abraço apertado, e, costumeiramente, beijou o topo da cabeça de cada um. Sorriram.

Faziam meses que não se viam, ainda que tenha sido uma das visitas mais rápidas em comparação as anteriores, em que ficavam quase um ano afastados. Mas havia uma razão.

Não foi necessário muito para que os ruivinhos entendessem que a ocasião era ideal. No palácio, não teriam privacidade para discutir sobre o assunto da carta que os trouxera de volta.

Lean, servindo-se disso, olhou para o jovem médico e falou:

— Não se preocupe, Daryl. Levarei os gêmeos em segurança mais tarde.

— Não duvido de suas palavras, Lean. Sei que estão em boas mãos. — respondeu — Bom, já que é o caso, me certificarei que os pertences deles sejam entregues no palácio e também aproveitarei para fazer uma rápida visita as outras irmãs, e avisar do nosso retorno.

Para ver, em especial, Adelyn e entregar-lhe o presente. Mas não assumiria isso.

Ainda não.

Em companhia do tio, os gêmeos observaram a diligência retomar o caminho para o palácio, e só então seguiram para um local em que pudessem sentar e conversar mais à vontade.

Ao pé de uma árvore, próxima a área do bosque, os três sentaram sob a sombra das largas folhagens e não tardaram a entrar na questão que prevalecia em seus pensamentos há dias.

— Não contaram ao pai de vocês, certo? — questionou Lean.

— Não. Inventamos outra justificativa, embora tenhamos dito que viríamos encontrá-lo. — assegurou Christinie — Contamos que ficou doente e dissemos que estávamos preocupados.

— Pois bem.

— O senhor realmente encontrou o Augustus? De verdade? — indagou Christian.

— Na verdade, quem o encontrou foi Joseph. Melhor dizendo, um informante dele.

— Do nosso irmão mais velho?

— Isso mesmo. — suspirou — Desde a partida turbulenta do Augustus, seu irmão e eu trocamos correspondências, e decidimos que tentaríamos encontrá-lo. Passamos os últimos dois anos fazendo isso secretamente. Não queríamos levantar suspeitas, principalmente do Hugh.

— E onde ele está? Como ele está? — questionou Christinie, inquieta.

— Ao que parece, ele está bem. O informante de Joseph disse que o Augustus está na América.

— América? Tão longe?

— Considerando que ele não queria associar a vida com o nome do pai, entende-se porque rumou para o novo continente. Além do mais, sendo apenas um homem "comum" e sem título de nobreza, ele não tem qualquer obrigação junto da coroa britânica e não precisa voltar.

— Faz sentido. — murmurou Christian — E sabem se ele ainda está com aquela moça?

— Não. Ela morreu no parto do segundo filho Augustus está sozinho e cuida das crianças.

— Oh, Deus! Ar bràthair bochd*.

Lean prosseguiu com as explicações, não somente da carta que recebera de Joseph trazendo as novidades, como também de tudo o que eles fizeram para encobrir a busca por Augustus.

Fez-se um minuto de silêncio, até que Christinie perguntasse:

— E o que pretendem fazer? Quero dizer, vocês não iriam procurá-lo ao longo desses anos sem motivo algum, não é? Ainda que tivessem a curiosidade de saber como e onde ele está, não passariam tanto tempo em busca do nosso irmão por nada. Certo?!

— Bom, isso é verdade. — acrescentou Christian — Augustus deixou uma carta para cada um de nós antes de partir, dizendo que não precisaríamos nos preocupar, pois viveria do jeito que achava correto. Joseph até mesmo disse em confidência que confiava em nosso irmão.

Impressionado como sempre com a esperteza de seus sobrinhos, Lean suspirou, e disse:

— Francamente, eu apenas ajudei um amigo de infância a procurar o irmão mais novo, que também era meu amigo. Mas Joseph parece ter planos envolvendo o Augustus e não sei quais são, infelizmente. Teremos que esperar a fim de entender o que pretende. Somente vim para avisá-los que ele está bem, já que sei o quanto vocês ainda sofrem com a partida dele.

Embora metade do mistério a respeito de Augustus tenha sido solucionado, outro crescia ao redor dessa história. Quais seriam os planos de Joseph, afinal? Por que se empenhara tanto em procurar o irmão? Mesmo de início, ainda que não possuíssem tanta informação, não parecia que o mais velho queria simplesmente reconstruir os vínculos despedaçados de anos atrás.

Como dissera Lean, em suma, não havia outra opção além de esperar.

[...]

O coração do jovem médico disparou no momento em que a carruagem estacionou em frente a morada dos Bamborough. Mesmo tendo passado tão pouco tempo, seu peito estava carregado da mais genuína saudade. Instintivamente, tocou a maleta em que o livro se encontrava embrulhado e enfim saltou da diligência. Respirou o ar puro do campo, tão diferente da atribulada Londres, e seguiu o mordomo que veio recebê-lo na porta. Logo fora anunciado.

Adelyn quase não conseguiu disfarçar a animação ao saber que Daryl retornara. Assim que a empregada saiu de seu quarto, levantou da cadeira e colocou-se diante do espelho, querendo ficar o mais apresentável possível. Suas mãos tremelicavam enquanto desamarrotava o vestido.

Ao longo daquelas duas semanas, pensara demasiadamente no jovem médico. Nas poucas, mas espirituosas conversas que tiveram, nos sorrisos que trocaram e como partilhavam profundamente o amor pela literatura. E, é claro, recordara da singela promessa que ele fizera ao dizer que traria um novo livro quando voltasse de viagem.

Apesar da eventualidade de que fossem palavras vazias ou o rapaz – ocupado como era – esquecer-se de algo tão frívolo, em um canto escondido de seu coração, apegou-se àquelas falas e não leu qualquer outro livro na ausência dele, à não ser os que já havia lido.

Apesar das expectativas realistas que tentava manter, tinha certo medo de se decepcionar.

Quando cruzou a porta da sala de estar, Adelyn sentiu o coração disparar. O olhar do rapaz não demorou a encontrar o seu, e ela pensou que iria derreter com o sorriso que recebeu em troca.

Deus! Porque estava se comportando daquela maneira tão embaraçosa?

— Lady Adelyn, que bom revê-la. — disse Daryl, freando a vontade de abraçá-la.

Mesmo sem saber, seu coração batia tão rápido quanto o dela. Era como se estivessem ligados.

Mantendo as aparências, Adelyn se aproximou e sentou ao lado de Queeny em um dos sofás. Inteirou-se rapidamente do que falavam e ficou feliz em descobrir que os gêmeos também haviam voltado. Era solitário não tê-los por perto – e bastante silencioso, diga-se de passagem.

A conversa não se estendeu muito. Além de seus afazeres, era notório o quanto Daryl parecia exausto da longa viagem, e provavelmente queria descansar antes de retomar o trabalho. Adelyn quis sugerir a irmã mais velha que o convidasse para ficar, mas seria estranho se o fizesse, tendo em vista que geralmente não tomava partido nesse tipo de coisa. Porém, sequer precisou lutar contra seu nervosismo para se fazer ouvir, já que Suzanne teve a iniciativa.

Seus olhos cintilaram perante a oportunidade de estar mais tempo na companhia dele. E, sorrindo disfarçadamente, Daryl ficou contente ao notar e então responder que aceitava.

— Eu não quero abusar de sua hospitalidade, lady Suzanne, mas poderia ceder a biblioteca por alguns minutos? Preciso terminar alguns relatórios das compras que fiz em Londres.

— Oh, não é incômodo nenhum. Fique à vontade e use pelo tempo que precisar.

A moça sorriu gentilmente.

Se Suzanne estava aborrecida com a volta dos gêmeos e ainda mais com a presença de Lean, ela sabia dissimular muito bem seu desgosto. Nem parecia que estava de mau humor há dias.

A única coisa que ela não conseguia dissimular era sua falta de entendimento para o que aquele pedido modesto de Daryl verdadeiramente queria expressar. Mas Adelyn compreendia.

O olhar dele foi o suficiente.

Era um convite para encontrá-lo.

— Bom, irei até a diligência pegar alguns pertences essenciais, e pedir que mantenham o restante preparado para sair amanhã cedo. — comentou Daryl ao levantar.

Adelyn, de supetão, fez o mesmo e disse:

— Pedirei a uma criada que arrume outro dos quartos de hóspedes.

Ela fez um gesto para que o rapaz passasse e, longe dos olhares alheios, ele sussurrou:

— Me encontre daqui a uma hora.

Os minutos nunca se arrastaram tanto quanto naquela próxima hora.

Empenhando-se em ser discreta, Adelyn desceu para a biblioteca sem que as irmãs ou os criados desconfiassem, e sentiu que o coração pularia do peito no instante em que parou diante da porta. Respirou fundo, com receio de que o médico não estivesse lá, e sorriu inconscientemente ao entrar e encontrá-lo compenetrado em alguns papéis. Que logo perderam a importância no que ele ergueu a cabeça e a viu. Trocaram olhares. Cada qual sendo inundado por uma emoção.

— Você veio. — murmurou Daryl.

— Por que pensou que eu não viria? — indagou ela com certo humor.

Constrangido, o rapaz pigarreou de leve, e disse:

— Honestamente, eu não sei.

A jovem sorriu e se aproximou. Cada passo era uma batida rápida em seu peito.

Assim que ela parou ao seu lado, Daryl tirou o livro embrulhado com cuidado de dentro da maleta e o entregou. Os olhos de Adelyn se arregalaram, maravilhados e desconcertados.

— Oh, você realmente trouxe?!

— Por que você achou que eu não traria? — imitou a pergunta anterior dela, sorrindo.

Adelyn desembrulhou o livro e acariciou a capa com as pontas dos dedos.

— O Casamento do Céu e do Inferno? — indagou ela — Nunca ouvi falar.

— Sinceramente, eu não sei se deveria tê-lo comprado, mas Christinie...

— Christinie?

— Ela me ajudou. — esfregou as mãos, envergonhado — Eu não sabia o que comprar.

A jovem sorriu. Era encantador vê-lo corado.

— Sobre o que se trata esse livro?

— É uma série de textos escritos imitando a profecia bíblica, mas expressando as próprias crenças românticas do autor, William Blake. O título é uma referência irônica à obra teológica de Emanuel Swedenborg, Paraíso e o Inferno, pelo o que disse o vendedor da livraria.

— Não acredito que o meu pai aprovaria um livro como esse. — murmurou ela, hipnotizada pela xilografia da capa, e soltou um risinho — Exatamente por esse motivo que eu gostei.

Daryl foi incapaz de conter a risada.

Não importava o tempo ou a distância, ficava cada vez mais apaixonado por aquela dama.

— Espero não levá-la para o mau caminho. — caçoou ele.

— Os livros nunca levam ninguém para o mau caminho, se a pessoa souber compreender a mensagem por trás deles. — Adelyn recostou na beirada da mesa e, com um atrevimento desconhecido, disse — E, se for com o senhor, não me importo de seguir esse mau caminho.

Daryl resfolegou. Seus batimentos aumentando.

Encararam um ao outro.

Motivado pelo mesmo atrevimento desconhecido e movido pelo desejo que formigava em seu corpo, ele a encurralou entre seus braços estendidos e a mesa, e inclinou o rosto para frente.

— Eu... Posso beijar você? — sussurrou ele.

Adelyn não respondeu. Somente fechou os olhos e esperou que os lábios do rapaz encostassem nos seus. Não sabia o que sentia por ele ou se, o que quer que fosse, seria retribuído algum dia. Mas, em seu interior, deixar-se levar parecia tão certo. Certo demais para que ignorasse.

O beijo foi suave e terno. Mesmo com sua inexperiência, Adelyn se esforçou para acompanhar os movimentos de Daryl, que foi gentil e cuidadoso. Pois, como presumira, era o primeiro beijo dela. O primeiro de muitos que, rezava, fosse o único homem no mundo inteiro a dar.

Assim que suas bocas se afastaram, o rapaz cravou os olhos escuros nos dela, e ditou:

— Quando seu pai retornar, pedirei formalmente para cortejá-la.

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*moiteil: orgulhosa 

*mallachd: maldição 

*Ar bràthair bochd: "nosso pobre irmão"

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