O Mais Belo Vermelho

By GabrielaPimenta

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Julien Dufour está enredado em um casamento arranjado com a filha mais velha do Duque de Northumberland, amig... More

Capítulo 01 - Os gêmeos
Capítulo 02 - Igualmente diferentes
Capítulo 03 - Excêntricos
Capítulo 04 - Fascínio
Capítulo 05 - Tormento
Capítulo 06 - Ímpetos
Capítulo 07 - Estranhezas
Capitulo 08 - Segredos e intenções
Capítulo 09 - Sentimentos desconhecidos?
Capítulo 10 - Confrontos
Capítulo 11 - Receios e verdades
Capítulo 12 - Visita
Capítulo 13 - Amigos
Capítulo 14 - Pedaço por pedaço
Capítulo 15 - Tentativas
Capítulo 16 - Convidado
Capítulo 17 - Baile de noivado
Capítulo 18 - Cúmplices
Capítulo 19 - Entre chances e brindes ao fracasso
Capítulo 20 - Afundando em um transe
Capítulo 21 - Um lugar que só nós conhecemos
Capítulo 22 - Pela primeira e última vez
Capítulo 23 - Fantasmas do passado
Capítulo 24 - Vislumbres de quem sou
Capítulo 25 - E se eu ouvir?
Capítulo 26 - Rancores e feridas
Capítulo 27 - Entregando-se ao inevitável
Capítulo 28 - Talvez eu seja. Talvez sejamos
Capítulo 29 - Estes são meus temores
Capítulo 30 - Promessas indecente
Capítulo 31 - Confissões no armário
Capítulo 32 - Elo entre irmãos
Capítulo 33 - Inquietações
Capítulo 34 - Todas as imperfeitas coisas
Capítulo 36 - Fogo e água
Capítulo 37 - Nas entrelinhas
Capítulo 38 - Vínculos despedaçados
Capítulo 39 - Ao meu caro pai
Capítulo 40 - Enfrentando a realidade
Capítulo 41 - As marcas em minha pele
Capítulo 42 - Verdades através de mentiras
Capítulo 43 - Os sabores dos dias
Capítulo 44 - Sob a lápide
Capítulo 45 - Desalentos
Capítulo 46 - Uma linha sem volta
Capítulo 47 - Consequências
Capítulo 48 - Ecos no silêncio
Capítulo 49 - Contra tudo e contra todos
Capítulo 50 - Entre o passado e o futuro
Capítulo 51 - Ela se lembra
Capítulo 52 - Segredos que retornam
Capítulo 53 - Castelo de cartas
Capítulo 54 - Os ventos da mudança
Capítulo 55 - Batimentos pulsando em meus ouvidos
Capítulo 56 - Pequenos segredos sujos
Capítulo 57 - Plano encerrado. Planos que desmoronam
Capítulo 58 - Palavras que dão liberdade
Capítulo 59 - Perfeito em suas imperfeições
Capítulo 60 - Amores que iluminam o mundo
Epílogo

Capítulo 35 - Novas cores e velhas angústias

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By GabrielaPimenta

Olá pessoal, tudo bem? Eu espero que sim :3

Eu só queria avisar que acrescentei algumas coisas nos capítulos 30 e também no 34. Foram alguns detalhes que, enquanto revisava, pensei que seria melhor encaixar nesses momentos. Pois, fará mais sentido para a história, a partir do ponto em que estamos.

Então, se puderem reler esses dois capítulos, será muito bom para entender o que vai acontecer mais para frente.

Muito obrigada por acompanharem a história. Pelos votos e os comentários <3

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Ao abrir os olhos, Christinie reparou que Julien não estava mais ao seu lado.

Sobrara apenas o vazio de sua presença e as lembranças da noite tórrida que tiveram, além do cheiro delicioso do amado que ainda impregnava os lençóis. Ela não hesitou em inspirá-los, suspirando em seguida, o que lhe trouxe um sorriso bobo e apaixonado.

As sensações continuavam intensas.

Mesmo que a ausência dele pesasse naquele momento, a ruivinha não se sentiu ultrajada ou usada, pois, tinha consciência de que seria impossível que o rapaz deixasse o quarto em outro horário que não fosse antes do amanhecer. Caso contrário, os criados poderiam flagrá-lo e o escândalo que se desenrolaria lhe causava arrepios só de imaginar. Afinal, embora desejasse que as coisas se resolvessem logo, sabia que a cautela era a maior aliada naquela situação.

Christinie olhou através da janela e sorriu ainda mais ao ver o lindo azul que pintava o céu lá fora. O dia, mais uma vez, estava lindo. Porém, extraordinariamente, ganhara novas cores na concepção da ruivinha. Cores vívidas e ardentes, que enchiam seu peito de alegria.

Apesar do cansaço, ela despreguiçou e, mesmo que o primeiro anseio de seu coração fosse encontrar Julien, precisava visitar o quarto de uma outra pessoa antes.

Pronta para sair da cama em busca de seu robe, Christinie sentiu uma pontada entre as pernas. Não era dolorosa, somente incômoda. E lembrar do motivo fez suas bochechas corarem, em um misto de vergonha e contentamento; ignorando a ardência, finalmente levantou e vestiu a camisola esquecida outrora no chão, e foi apanhar o robe de chambre. Depois de amarrá-lo, analisou os cachos ruivos e rebeldes, e decidiu que não tinha tempo para arrumá-los.

Ir ao quarto de Chris era mais importante.

Foi no instante em que deu a volta para seguir até a porta, que notou o que parecia ser um bilhete escrito a lápis debaixo de um vidro de perfume. Pegou e leu rapidamente.

Embora não estivesse assinado, sabia que era de Julien.

"Perdoe-me por não estar ao seu lado, meu amor, mas seria arriscado demais esperar o amanhecer. Velei seus sonhos pelo máximo de tempo que consegui e, mesmo contrariado, voltei para o meu quarto.

Obrigado por fazer de mim, o homem mais feliz desse mundo. Amo-te.

P.S.: estou levando o lençol sujo e irei me livrar dele para que ninguém suspeite".

Christinie apertou o bilhete contra o peito e olhou em direção a cama.

Tinha esquecido que, ao ser deflorada, as mulheres acabavam perdendo um pouco de sangue durante o ato. Era a prova de que eram 'imaculadas', explicou uma velha empregada anos atrás, ao questionar sobre o que acontecia nas noites de núpcias. Seu irmão Joseph estava prestes a casar e o ouvira comentar algo do gênero com Augustus. Sua curiosidade não permitiu que sossegasse até descobrir do que se tratava. Aquele, então, era um sangramento diferente do que as moças, alcançando certa idade, costumavam enfrentar todos os meses.

E que ela nunca enfrentara na vida.

Guardando o pedaço de papel dobrado cuidadosamente entre as roupas na gaveta, Christinie saiu do quarto e invadiu o do irmão, que ainda dormia e sequer escutou seus passos até a cama.

A ruivinha sorriu sapeca e atirou-se em cima do gêmeo, acordando-o num susto.

- Me assustou. - reclamou Christian.

- Desculpe.

Christinie se enfiou debaixo dos lençóis e abraçou a cintura do irmão, encarando-o com aquela expressão que ele sabia guardar alguma novidade ou ideia mirabolante - geralmente, era sempre a segunda opção.

- Bom dia para você também. - resmungou ele, com a voz levemente rouca.

- Voltou tarde do quarto do Eloïs?

- Quase ao amanhecer.

- Huh...

Christian se ajeitou e ficou de frente para a irmã, que cobriu a ambos com o lençol.

- Por que está tão animada logo de manhã? Não que isso seja raro.

- Aconteceu.

- O que aconteceu? - questionou, meio sonolento.

A ruivinha observou o irmão coçar um dos olhos, em sinal de que não despertara completamente. Mas isso mudou ao dizer:

- Julien e eu... Nós fizemos amor ontem à noite.

Se ainda existia algum resquício de sono em Christian, dissipou no segundo em que tais palavras alcançaram seus ouvidos. Ele arregalou os olhos claros de maneira que Christinie quase pôde confundi-los com 'bolinhas de gude'.

- Vocês... Não posso acreditar!

- Mas é verdade.

Entreolharam-se um instante. Emoções distintas fluindo de um para o outro.

- E... Como foi? - indagou ele.

- Não sei explicar ao certo. - fez uma careta pensativa - Começou com as carícias de costume, mas era... Diferente... Especial... E quando nos unimos, foi um pouco estranho e desconfortável. Mas depois foi muito, muito bom.

- Como o Augustus disse?

- Ele disse isso alguma vez? - franziu o cenho.

- Bom, ao menos para mim.

- Eu não sei o que nosso irmão disse, mas foi realmente prazeroso.

- Será que... Entre dois homens...?

- Eu acho que sim. - encolheu os ombros - Não deve ter alguma diferença, certo?!

- Mas eu não tenho, bem, o que você tem. Como funcionaria?

Christinie refletiu um segundo. Ele tinha razão, de certa forma.

Como deveria ser entre dois rapazes?

- Não acredito que seja menos prazeroso, só mais... Complicado?! Você terá que descobrir com o Eloïs. É o único jeito.

Ele balançou a cabeça, consentindo.

A ruivinha continuou narrando o que acontecera na noite anterior, focando especialmente na conversa tensa que tiveram a respeito de sua infertilidade e as dificuldades que surgiriam.

- Eu agi mal, admito. Não deveria ter permitido que minhas emoções aflorassem daquele jeito. Fui impulsiva e cegada pela insegurança. Como enfrentarei os obstáculos que virão pela frente, se, no primeiro empecilho, já estou desistindo? Sou tão imatura, céus!

Christian esboçou um sorrisinho e inclinou a cabeça para observar a irmã. Disse:

- Ter consciência disso não é sinal de que está amadurecendo? Ninguém pode ser confiante cem por cento do tempo, Chrisie, é normal perder a fé em si mesmo às vezes. Especialmente quando se refere a algo sobre a pessoa que você ama. Não se condene por isso.

- Você está certo. Mas, apesar disso, como vou encará-lo quando descermos? Não somente pelo comportamento que tive, mas também pelo o que fizemos? Seria mais fácil se ele estivesse ao meu lado na cama. Tenho medo de não conseguir disfarçar em frente aos demais.

- Não se preocupe tanto com isso, huh? Basta agir naturalmente.

- Se quer dizer por "naturalmente", querer me jogar nos braços dele e ao mesmo tempo fugir para longe, talvez você veja acontecer isso logo mais.

Christian deu risada. Não duvidava que ela pudesse agir dessa maneira. No entanto, percebeu que tal agitação era igualmente reflexo do nervosismo. Mais do que envergonhada por ter feito amor com Julien, sua irmã também estava envergonhada pela breve apreensão no que se referia a infertilidade que poderia interferir ainda mais aquele relacionamento complicado.

Querendo tirar o foco dela para que se sentisse mais tranquila, Christian sugeriu:

- Que tal se formos passear? - inclinou-se em um gesto entusiasmado - Só nós dois?

Os lábios de Christinie se curvaram em um risinho animado antes de ela responder:

- Claro! E para onde vamos?

- Não sei. Podemos caminhar pela cidade e encontrar algo interessante para fazer.

- Por que não? Teremos a tarde toda livre e não haverá ninguém em casa.

Em comum acordo, eles ficaram mais algum tempo deitados e trocando confidências, até que houve uma batida na porta. Christian afastou o lençol ao ouvir o ruído de que alguém entrara e a criada Mariana tomou um susto ao ver os irmãos deitados na cama e abraçados. Pigarreou.

Por que aqueles dois eram tão estranhos?

- Milorde, logo o desjejum será servido. - disse a criada, um tanto desconfortável - Precisam de ajuda para vestirem as roupas?

- Não. Muito obrigado. - respondeu ele, amigavelmente.

Mariana lançou um último olhar e fez uma reverência para se retirar.

Os gêmeos trocaram olhares e riram cúmplices, antes de Christinie voltar para o próprio quarto.

Minutos depois, eles se juntaram ao pai e aos Dufour na saleta de café da manhã. A ruivinha conteve suas emoções e sentou no lugar de costume assim que cumprimentou a todos. Contudo, no segundo em que seus olhos encontraram os de Julien, seu coração disparou de imediato. A intensidade daquele gesto teve outro significado. Era ainda mais intrínseco, visceral. Tão cru e palpável, que foi quase impossível de esconder. Mas os jovens amantes conseguiram.

O desjejum, durante algum tempo, aparentava ser como todos os dias. Porém, quebrando esse pressentimento, um valete pediu permissão para entrar e se aproximou rapidamente do duque, esticando em seguida a bandeja que segurava para ele, que apanhou o bilhete que ali estava.

Leu e, então, observou os gêmeos.

- O doutor Daryl quer encontrar vocês essa tarde.

[...]

A diligência dos Bamborough fez uma pausa em frente ao The Albany, de onde Daryl saiu um tanto afobado para encontrar os gêmeos que estavam a sua espera e o receberam com os sorrisos amistosos de sempre. O jovem médico sorriu de volta e entregou um papel ao cocheiro, este que não tardou em colocar os animais para andar; por fim, Daryl cumprimentou-os:

- Olá, como estão? Fazem alguns dias que não os vejo. Desculpem-me. Sei que disse que conseguiria visitá-los em dois dias após a nossa chegada, mas os outros assuntos que vim resolver na cidade acabaram atrasando, e por isso tarde em mandar o mensageiro.

- Não se preocupe. - respondeu Christinie - Sabemos que é uma pessoa ocupada. Além disso, de qualquer modo, praticamente o obrigamos a aceitar que viéssemos juntos nessa viagem.

- Oh, claro que não. - fez um gesto com as mãos, negando, e sorriu gentilmente - Foi um prazer trazê-los comigo. E será um prazer caso queiram me fazer companhia na volta também.

Os gêmeos se empertigaram com a possibilidade, e Christian foi quem perguntou:

- Estará voltando para Northumberland em breve?

- Sim. Já fiquei muitos dias afastado do ducado e, apesar de ter deixado meu assistente como responsável, sei que não é ético permanecer longe. Provavelmente eu retorne, no mais tardar, no final dessa semana. Quero esperar o resultado dos exames de vocês para então conversar com o duque.

Ambos concordaram e mantiveram-se quietos.

Se Daryl dispusesse a levá-los de volta, o duque não se oporia e os dois teriam que deixar Londres até o final da semana. Foram para a capital com a justificativa de cuidarem da saúde.

Porém, depois que tudo estivesse resolvido, que desculpa teriam para continuar ali?

Nenhum deles queria partir, não quando podiam estar na companhia de Julien e Eloïs sem levantar suspeitas ou com receio de serem pegos nas visitas furtivas que faziam durante a noite. Apesar de continuar sendo escondido, eles experimentavam de uma liberdade que obviamente não teriam no palácio em Northumberland, onde o restante da família se encontrava.

Onde Suzanne estava à espera do noivo.

Onde aquele lindo sonho de amor terminaria.

Precisavam pensar em uma maneira de permanecerem em Londres até o final da temporada, dali a pouco menos de um mês, quando enfim voltariam para casa com o pai e os Dufour.

A carruagem rodou pelas principais ruas da cidade, até entrar na região de Bloomsbury, conhecida por abrigar muitos novos ricos. E onde se localizava o consultório do colega de profissão e amigo pessoal de Daryl, especialista em reabilitação auditiva, Saymon.

O cocheiro estacionou em frente a um edifício de janelas largas e brancas após receber um sinal. Devido ao horário, a rua encontrava-se bastante movimentada e alguns curiosos pararam para observar a opulenta carruagem que havia chegado. Não era comum que moradores das outras áreas ricas fizessem visitas por ali. Afinal, as famílias mais prestigiadas e endinheiradas mantinham-se em seus próprios círculos exclusivos. Não era à toa que chamavam atenção.

Depois de desembarcarem, Daryl guiou os gêmeos para o interior do prédio e cumprimentou um senhor de barba grisalha que aparentemente era o senhorio. "O doutor está a sua espera", foi o que disse, apontando para a escadaria de madeira no final do pequeno corredor.

Os três caminharam em silêncio. Subiram ao segundo andar e pararam diante da última porta, de um branco tão luzente quanto das janelas na fachada lá fora; Daryl bateu duas vezes.

- Oh, enfim chegaram. - um homem na mesma faixa etária de Daryl, de cabelos muito escuros e lisos, atendeu e sorriu cordialmente - Entrem, por favor, e fiquem à vontade.

Assim fizeram e os dois médicos cumprimentaram um ao outro.

- É um prazer revê-lo, caro amigo.

- Digo o mesmo. - apertaram as mãos - Esses são os filhos mais novos do duque de Northumberland, que eu havia comentado em nossa última conversa, dias atrás.

- Oh, sim. - aproximou-se dos gêmeos - Muito prazer, eu sou o doutor Saymon.

Apertou a mão de Christian e beijou o dorso da de Christinie; observou-os.

- Céus! Como podem ser tão parecidos?

- Todos dizem isso. - comentou Daryl, sorrindo - São, de fato, bastante semelhantes.

Saymon balançou a cabeça e indicou o sofá próximo, convidando-os a sentar.

O consultório, em verdade, era dentro do apartamento do jovem médico. Um dos quartos fora transformado em um espaço para atender os pacientes enquanto o restante luzia como uma morada normal, à não ser por um ou outro detalhe que evidenciava quem morava ali. Por exemplo: um esqueleto pendurado num suporte, "enfeitando" o canto esquerdo da sala.

Apesar de ter feito uma breve explicação outrora, Daryl repassou o caso dos gêmeos com mais detalhes e do que se tratava as enfermidades. Saymon era especialista na condição de Christian, mas, devido ao tempo em que estava morando em Londres, mantinha contato com alguns bons médicos que eram especializados em questões femininas e de fertilidade.

Honestamente, Christinie não dava muita importância para o fato de ser estéril e menos ainda tinha esperanças de que um dia seu quadro seria revertido para que fosse capaz de conceber.

Crescera vendo suas irmãs sendo moldadas para cumprir com o papel de esposa e mãe, e nada além disso. Sem qualquer outra expectativa além de gerar uma família e agradar pessoas que sequer tinham alguma relação com suas vidas. Condenadas ao silêncio do ambiente doméstico.

Se fosse para ela encontrar uma cura e então começar a viver sobre a expectativas que todas as jovens de sua idade viviam, preferia não saber qual era. A infertilidade não lhe preocupava mais. Nunca preocupou, em verdade. A única vez que realmente ficara apreensiva com a própria condição foi por causa daquele episódio no parque. Julien, sendo herdeiro de um condado, eventualmente viriam as cobranças para que ela gerasse seus filhos. Mas ele demonstrou na noite passada, intensa e apaixonadamente, que não dava qualquer importância para isso.

Amava-a independentemente de poder engravidar ou não, e era o bastante.

De fato, ela só insistia em continuar com aquelas consultas inúteis em consideração ao pai, que, entre todos, era o mais esperançoso.

Os médicos conversaram mais alguns minutos e então chamaram Christian para o quarto ao lado, a fim de iniciarem os exames. Christinie não se incomodou em ficar sozinha e lançou um olhar encorajador para o irmão, que logo desapareceu de sua vista.

Ela suspirou e analisou ao redor, tomando consciência do tamanho do lugar. Se soubesse que teria de esperar, trá-lo-ia um livro para distrair-se. A questão era que, sozinha e sem ter o que fazer, seu lado curioso aflorava em demasia e era quase impossível controlá-lo. Especialmente estando em um lugar com tantas coisas interessantes para explorar; levantou devagar e começou a perambular pela sala, observando tudo o que lhe parecia relevante. Passou bons minutos sanando sua curiosidade, tomando o devido cuidado para não ser indiscreta ou quebrar algo.

Enquanto isso, no quarto e em companhia dos médicos, Christian respondia as mesmas perguntas com as quais estava habituado das consultas anteriores, ao longo de tantos anos.

- Tenho feito muito esforço para ouvir em meio a ruídos e também não consigo compreender quando há muitas pessoas no local onde estou. Fico cansado sempre que vou a eventos com vários convidados e música alta. Pois, tenho que prestar bastante atenção se falam comigo.

Christian ocultou o detalhe de que, apesar disso, conseguia ler perfeitamente o que as pessoas estavam falando através dos movimentos dos lábios. Algo que praticara com Christinie desde que os primeiros sinais da surdez apareceram. Era justamente esse detalhe que fazia com que ninguém percebesse as trocas. Pois, conseguia agir como uma pessoa completamente saudável e ninguém fora capaz de distinguir a diferença entre os dois - além dos irmãos Dufour.

Saymon anuiu e fez algumas anotações. Em seguida, perguntou:

- Daryl comentou que você toca violoncelo, certo? - o ruivinho assentiu, mesmo não sendo verdade - E como você se sente? Digo, em relação a ouvir o instrumento?

- Não tenho grandes problemas. Como é um som mais limpo, digamos assim, e que estou familiarizado, consigo lidar perfeitamente bem com isso.

Mas ele não conseguia. Não mais.

Christian percebia que, pouco a pouco, escutar o piano custava um esforço redobrado e isso o assustava muito. Tinha que inclinar cada vez mais a cabeça em direção as teclas para ouvir. E ele também guardou essa informação, com medo que, se dissesse, lhe proibissem de tocar.

Mais anotações.

- E você sente alguma tontura ao caminhar?

- Não.

- Huh. Isso é um bom sinal. Significa que não entrou no estágio mais avançado da surdez. - colocou o prontuário sobre a mesa e arregaçou um pouco as mangas da camisa - Vamos fazer alguns testes agora, tudo bem?

Do lado de fora, Christinie encarava o esqueleto alojado no canto da sala. Era a primeira vez que via um exemplar de perto e não nas páginas dos livros que costumava ler escondido. Aquilo realmente havia sido uma pessoa? Ela viraria um desses depois de morrer? Era estranho pensar que seu corpo era constituído e ficava de pé graças àquele montante de ossos agrupados.

Mais estranho ainda era pensar que, um dia, ela poderia se tornar o esqueleto pendurado na sala de estar de alguém. Quase como um símbolo de status. Não era mórbido demais? Bom, considerando que era a casa de um médico e que o esqueleto tenha ajudado a salvar muita gente, talvez não fosse tanto assim. Então, de certa forma, era justificável - mas não menos sombrio.

A propósito, refletindo sobre o assunto e rumando para outros desdobramentos deste, será que algum dia as mulheres teriam permissão para estudarem medicina também? Não achava justo que somente os homens tivessem esse privilégio, tal como acontecia nos conservatórios, já que acreditava que as mulheres cuidavam muito bem dos doentes também - assim como tocavam.

Logo, por que não as deixar exercer a profissão?

Esperava que, no futuro, as mulheres pudessem não somente tratar os doentes, como também tocar um simples instrumento por amor e não como parte da educação para ser refinada.

Quase meia hora se foi e, enfim, os três homens saíram do quarto trancados. Christinie, que folheava o jornal da manhã depois de confrontar o esqueleto e fazer sua breve reflexão solitária acerca de tantas questões, levantou no que eles se aproximaram; Saymon disse:

- Lady Christinie, tudo bem se vier comigo para conversarmos um pouco?

- Oh, tudo bem.

Ela olhou para o irmão, que demonstrava claramente estar com dor de cabeça depois da consulta, e acompanhou o médico até o quarto em que esteve nos últimos minutos.

- Sente-se, por favor.

- Obrigada.

Diante de Saymon, a ruivinha deixou o olhar vagar rapidamente pelo cômodo, para só então prestar atenção no jovem médico; houve um minuto de silêncio e ele começou a falar:

- Como eu tinha dito anteriormente, apesar de eu não ser especialista em sua enfermidade, conheço alguns médicos que se destacam no tratamento da fertilidade feminina e outros problemas mais... Íntimos. Porém, infelizmente, nenhum deles está disponível no momento.

- Compreendo.

- Conhece o doutor Mayer? - ela balançou a cabeça em negação, e ele prosseguiu - Ele pretende vir da Alemanha para a Inglaterra agora que obteve o doutorado e é um dos nomes mais famosos em relação a anatomia e fisiologia, em especial da feminina. Posso conversar com algumas pessoas para conseguir entrar em contato com ele. Tenho certeza de que o doutor não se negará a atender a filha do duque de Northumberland. Mas isso pode demorar uns dias.

Perante a possibilidade que se abria, Christinie endireitou-se na cadeira, e questionou:

- Quantos dias?

- Não sei ao certo. Talvez demore até o final da temporada.

A ruivinha reprimiu um sorriso e apenas sacudiu a cabeça.

Ali estava a chance que precisava.

- Entendo como pode ser demorado. Mas, creio que não há problema.

- Converse com o seu pai, por favor, e entre em contato comigo o mais rápido possível.

- Tudo bem.

Saymon sorriu educadamente e fez um gesto para que saíssem do quarto.

Após outra troca de palavras entre os médicos, enfim, Daryl e os gêmeos foram embora. Christian, de imediato, refugiou-se no assento do canto da diligência para fechar os olhos e descansar até chegarem ao casarão. Ninguém o deteve, pois, sabiam que era necessário.

No trajeto de volta, em meio a um silêncio confortável, um questionamento trouxe Christinie de volta dos próprios devaneios. Ela franziu as sobrancelhas. A voz dele era muito baixa.

- O que disse?

- Posso pedir um favor? - murmurou Daryl, nitidamente envergonhado.

- Claro. O que é?

- A senhorita gosta muito de ler, não é?! Poderia me acompanhar até uma livraria? Quero comprar algo que seja do gosto de uma dama e não sei o que seria mais apropriado.

A ruivinha lançou um sorrisinho matreiro para o rapaz, que tratou logo de explicar:

- Não é nada demais! Apenas um agrado que prometi levar a uma amiga.

- Amiga?

O olhar questionador que ela lançou seguido pelo erguer de uma sobrancelha foi o bastante para o rosto de Daryl corar de vergonha. Era a primeira vez que ele fazia aquela expressão.

Era, inesperadamente, muito adorável.

- Por favor, não... Faça isso. - ciciou o rapaz.

Christinie sorriu e, não querendo constrangê-lo ainda mais, apenas disse:

- Te ajudarei no que precisar.

Daryl, mesmo encabulado, retribuiu o sorriso e recostou no assento.

Talvez demorasse um pouco mais para admitir que estava decidido a cortejar Adelyn.

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