Amanhece um dia lindo, com o sol a cruzar as grades que davam acesso ao porão, tocando fortemente sobre o olho de Justina, quando aquela escrava acorda logo cedo. Ela sentia menos dores naquele momento e felizmente a sua febre havia cessado. Mesmo com a temperatura de seu corpo voltando ao normal, ela se sentia extremamente fraca e tinha ânsia de vômito constante, talvez pela fraqueza de seu corpo, que não conseguia mais reagir a todo aquele sofrimento como antes.
Ao sentir que estava muito debilitada e que não suportaria as 80 chibatadas que Scarlett, provavelmente, lhe daria no dia seguinte, Justina começa a falar em tom de despedida para a sua irmã Albertina e Josias assim que eles acordam:
- Josias e minha irmã, bom dia! Que dia iluminado e lindo é esse! Diz ela com um semblante mais tranquilo e demonstrando estar em absoluta paz.
- Bom dia minha irmã! Responde Albertina ao ver o semblante animado de sua irmã logo ao acordar. Ela não estava presente no momento em que Scarlett teve aquela conversa com Justina e por isso não sabia que a sua irmã seria castigada no domingo.
- Bom dia! Responde Josias com um semblante triste. Ele estava no porão no momento da conversa, mas, logo depois que Scarlett saiu, Justina pediu para que ele não contasse nada a ninguém para que eles não se preocupassem com ela. Justina naquele momento de sua vida só pensava nos seus irmãos de cor e queria evitar ao máximo o sofrimento deles.
Depois daquele momento a cumprimentar os dois, Justina começa a falar sobre o que viveu em tom de despedida:
- Como a nossa infância foi feliz naquelas terras do nosso pai não foi Albertina?
- Sim minha irmã, mesmo não tendo a felicidade de conseguir a liberdade plena, nós, enquanto estivemos lá, fomos escravas com muitas regalias. Pudemos brincar muito, correr pelos pastos, até andar a cavalo nos era permitido. Tempos muito bons aqueles. Ninguém mexia com a gente, pois todos tinham medo do patrão que nos protegia.
- Era sim. O nosso pai foi um grande homem e mesmo não tendo nos dado a liberdade nos deixou viver sob muita proteção enquanto ele era vivo. Tivemos muita liberdade naquelas terras e uma vida muito boa até ele falecer.
- O nosso segundo senhor, o nosso tio também era muito generoso minha irmã.
- Era sim. O pai de Scarlett era um homem bom e a sua esposa também. Nunca nos castigaram e sempre nos trataram bem. Até hoje eu não entendo porque Scarlett nasceu ruim assim.
- Eu também não. Responde Albertina.
- Mas de todos os momentos de minha vida, o mais feliz foi o nascimento de meu filho Artur. Era inacreditável que aquilo tudo estava acontecendo em minha vida. Até hoje eu acho que foi um sonho. Eu estava ao lado do homem que eu amava, ele também me amava intensamente e eu estava a ganhar um filho dele. Uma felicidade imensa. Diz Justina ao relembrar daquele momento de sua vida.
- É uma pena que ele se foi, não é minha irmã?
- Uma pena. Ele estava prometendo a minha liberdade e a do meu filho. Isso aconteceria muito em breve. Deu tudo errado. Minha vida, meus sonhos, se tornaram um pesadelo do dia para a noite.
- Eu posso imaginar o que está a passar minha irmã. Eu te amo tanto e sofro tanto por te ver assim. Responde Albertina.
- Sempre fomos inseparáveis não é minha irmã? Desde que você nasceu.
- Sempre, fazíamos tudo juntas, tomar banho no rio, passear pelos bosques, pegar frutas. Tudo juntas minha irmã. Espero que sempre seja assim.
- Temo que o sempre não dure mais muito minha irmã. Tenho lutado para ficar perto de você e do meu filho Artur. Vocês são a razão de minha existência, tive muitos momentos felizes ao lado de vocês dois e do meu amado Francisco que em breve encontrarei no céu.
- Que história é essa minha irmã? Você ainda vai viver muito minha irmã.
- Eu preciso te dizer uma coisa! Diz Justina com um semblante triste.
Naquele momento Josias já limpava as lágrimas dos seus olhos. O que fez com que Albertina ficasse desesperada. Quando antes de sua irmã começar a dizer ela questiona muito preocupada e a tremer:
- O que foi que aconteceu?
- Eu fiz aquilo que Scarlett queria. Eu disse a ela que não aguentava mais tanto sofrimento. Que eu havia me arrependido de ter nascido e pedi também que ela acabasse com o meu sofrimento naquele tronco de uma vez por todas. Diz Justina já com lágrimas a sair dos seus olhos.
Albertina vai ao desespero naquele momento. Quando começa a abraçar a sua irmã de forma desesperada questionando:
- Você não fez isso? Você não pode ter feito isso? Porque fez isso? Diz ela desesperada a chorar e gritar.
Josias naquele momento não conseguia dizer de forma tranquila, mas em meio ao choro intenso daquelas duas, ele tenta explicar também chorando intensamente o que havia ocorrido:
- Scarlett queria castigar novamente Justina com aqueles escravos e ela preferiu a morte Albertina, foi isso que aconteceu.
- Eu vou lá matar aquela perversa! Diz Albertina em tom irado. Quando Justina a segura e diz:
- Você não vai fazer nada minha irmã. Por favor, eu preciso de alguém para cuidar de Artur nessa terra. Eu só morrerei mais tranquila se souber que você estará com ele para consolá-lo e para aconselhá-lo daqui para frente. Eu quero que me faça uma promessa aqui agora.
- Eu não vou conseguir minha irmã. Eu não vou conseguir viver sem você. Nós vivemos a nossa vida inteira juntas. Diz Albertina desesperada a chorar.
- Vai sim. Você é forte minha irmã. Eu sei que vai superar tudo isso! Tem que ser forte para dar força ao meu filho. Por favor. Eu quero que você me prometa uma coisa aqui agora.
Albertina não conseguia dizer nada naquele momento. Tudo que ela conseguia fazer era chorar compulsivamente, não tinha controle de suas emoções. Quando Justina questiona novamente:
- Por favor minha irmã eu só conseguirei partir tranquila se você me prometer uma coisa. Promete pra mim?
- O que você quer minha irmã? Responde Albertina quase sem conseguir em meio a aquele desespero.
- Eu quero que quando eu partir, você seja a mãe do meu filho nessa terra. Que cuide dele e o oriente para que ele seja um bom homem e que lute sempre pela sua liberdade, continuando o meu legado nessa terra.
- Eu farei isso minha irmã. Pode deixar que eu farei isso. Mas, por favor, não morra. Tem que ter outra saída.
Naquele momento Josias apenas chorava ao lado daquelas duas. Ele havia aprendido a gostar de Justina intensamente e admirar a sua força ao suportar todos aqueles castigos daquela senhora. Quando Justina diz:
- Não há saída minha irmã. Eu sinto que o meu momento chegou mesmo. Estou sem forças para lutar e tentar qualquer coisa nesse momento. Scarlett me deixou muito fraca em seus últimos castigos. O meu momento chegou. Mas, amanhã será um dia importante para todos nós negros. Eu farei algo para deixar um legado para vocês refletirem.
Albertina muito preocupada questiona:
- O que vai fazer minha irmã? Não vai afrontar a nossa dona novamente?
- Eu já sou uma morta viva nessa terra minha irmã, aconteça o que acontecer, amanhã eu estarei morta antes do almoço. Eu preciso passar alguma mensagem. Como te disse, eu vou morrer, minha alma que eles dizem que eu não tenho por ser negra, mas que eu tenho certeza que tenho, eu sei que se vai, mas a minha ideia ficará no coração de vocês e sei que um dia ela irá se cristalizar, porque uma ideia nunca morre. Diz Justina em tom decidido.
- Eu tenho medo dessas suas ações minha irmã. Responde Albertina demonstrando receio, quando Justina complementa a sua fala:
- O medo nos aprisiona Albertina, um dia você entenderá isso. Lembre-se, o pássaro só sente a liberdade do voo quando ele se arrisca e perde o medo de voar.
Após aquela fala de Justina, Albertina, Josias e todos que estavam naquele espaço a descansar, incluindo os demais escravos que ficavam naquele porão, ficam a refletir sobre a frase daquela mulher. Justina estava decidida a colocar para todos a importância do sonho pela liberdade.
Na parte de cima daquela casa, Scarlett passa aquele dia feliz da vida. Em sua mente a sua vitória perante a Justina, seria finalmente alcançada. Ela decidiu não avisar nada para Murilo, pois não queria que ele tentasse salvar aquela escrava. Pediu para que Tenório ficasse de olho nele e aquele homem combinou com Murilo de irem a cidade para trazer algumas mercadorias, evitando que ele soubesse que a sua amada seria castigada no dia seguinte, provavelmente, até a morte.
Antes de dormir, Scarlett sorria várias vezes, pensando que na manhã do dia seguinte ela teria a sua vitória final ao acabar com a vida daquela escrava, que a desafiou por tantas vezes, perante todos. O seu poder a partir daquele momento seria ainda mais reconhecido pelos seus escravos, que iriam descobrir do que ela era capaz. Na concepção de Scarlett, depois que ela matasse aquela escrava na frente de todos, eles jamais seriam ousariam contrariá-la, pois ficariam com um medo extremo de terem o mesmo destino que Justina teve. Ela vai dormir naquela noite sonhando com o dia seguinte, no momento em que pegaria naquele chicote e faria o que sempre sonhou enquanto esteve casada com Francisco, castigaria aquela escrava até a morte!