No dia seguinte, os escravos estavam apostos para iniciar os trabalhos. Todos aquelas 30 homens contratados para a segurança, que chegaram no dia anterior, iriam a lavoura para fazer vigia no primeiro dia de trabalho dos escravos no novo regime. Os escravos são então separados de acordo com os critérios de Scarlett, para serem divididos nas três lavouras principais de sua fazenda.
Ela define as metas de cada um daqueles grupos e os escravos começam o trabalho de forma intensa, como nunca haviam trabalhado em sua vida. Parecia que Scarlett tinha realmente assustado aqueles trabalhadores, que não queriam ousar não cumprir as metas por ela estabelecida.
Scarlett acorda e vai logo perguntar a Antônio como havia sido o início dos trabalhos e ele responde que tudo ocorreu da melhor forma possível. Que ele pôde acompanhar o início dos trabalhos dos três grupos e que os escravos parecem trabalhar como nunca.
Quando Scarlett responde:
- Eu não disse que quando eu demonstrasse poder eles iriam me respeitar. Eles que não me respeitem para poderem ver! Diz Scarlett de forma direta e sorrindo.
- Apenas 6 escravas não conseguiram trabalhar. Duas delas levaram 40 chibatadas e estão imóveis. E outras 4 levaram 30 e estão também sem condições de trabalho. As que levaram de 20 pra menos estão trabalhando normalmente, mesmo sentindo muitas dores.
- Eu já imaginava que isso ocorreria. Deixe-as descansar. O importante é que elas e os demais aprenderam a lição. Não ousem me contrariar ou poderão morrer no tronco. Acho difícil que alguém tenha coragem de tentar qualquer revolta em minhas terras depois do que aconteceu ontem. Foram mais de duas horas e meia de chicotadas contínuas para todo o lado. Confesso que até eu mesma já estava cansada de tanta gritaria, sangue e sofrimento. Diz Scarlett sem esboçar muita reação em sua fala.
- É. Eu também senhora. Imagino os negros. Olhava para eles e estavam totalmente desesperados. Como se não acreditassem no que estava a ocorrer. Claro que eles conseguem se sentir no lugar do outro.
- A maioria desses negros, graças a benevolência do meu marido, nunca levaram uma chibatada se quer, não sabem o que é isso. Se eu estivesse no lugar deles eu nem queria saber, como não quero. Eu não sei como é, mas posso imaginar que dói e é muito pela reação que eles tem, então, sensação boa não é! Diz Scarlett a ranger os dentes, demonstrando um certo receio só de imaginar.
- É. Eu também fico só na imaginação senhora. Mas, entre receber algum dia e nunca, eu trabalharia intensamente para não receber nunca. Diz Antônio.
- É isso que eu espero deles. Responde Scarlett.
- Senhora. Os custos desse mês, devido a essas contratações extras, estão me preocupando muito. Gastamos 10 vezes mais do que ganhamos no mês passado e a tendência é que nesse mês gastemos, umas 8 vezes mais do que vamos ganhar, especialmente, devido a contratação desses homens para a atividade de ontem e o tempo em que os escravos ficaram praticamente sem trabalhar.
- Isso é investimento Antônio. Eu não me preocupo. Só saberemos o quanto esse investimento será lucrativo, quando tivermos os resultados de produtividade desses escravos nos primeiros três meses. Eu tenho certeza que vai aumentar e muito depois de ontem. Diz Scarlett confiante.
- Eu também espero que sim, mas estou preocupado.
- Se continuarmos nesse ritmo de perdas, temos mais moeda para quantos meses?
- Pouco mais de três meses senhora.
- A colheita é nesse tempo. As vendas demoram um pouco mais. Isso é realmente preocupante. No mês que vem, sem essas contratações extras desse começo de mês, os nossos gastos vão cair para quanto? Questiona Scarlett.
- Metade disso, mais ou menos senhora.
- Então teríamos dinheiro para mais seis meses, considerando a produtividade baixa dos últimos meses? É isso?
- Se não tivermos custos adicionais sim. Diz Antônio.
- Então estamos tranquilos. Não teremos custos adicionais. Economizarei ao máximo. Diz Scarlett. Quando complementa: - Eu sou boa nisso. Diz ela sorrindo.
Nesse momento alguém bate a porta abruptamente e entra logo em seguida assustado. Era Josias, que entra ofegante dizendo:
- Senhora, Justina está muito doente, com muita febre, não quer mais comer e não consegue se movimentar direito, as suas feridas, causadas ontem, estão horríveis, se nada for feito ela vai morrer! Diz aquele jovem completamente desesperado.
Scarlett muito nervosa pela interrupção de sua conversa com Antônio de forma abrupta e sem Josias pedir licença, se aproxima daquele jovem, quando ele fica ofegante a olhar nos olhos daquela senhora, percebendo que ela estava muito brava com aquela situação. Nesse momento, Scarlett lhe acerta um intenso tapa em seu rosto, que o faz cair imediatamente no chão. Ele sente uma dor enorme seguida de uma intensa queimação em sua face esquerda, quando lágrimas começam a sair de seus olhos espontaneamente. Scarlett em pé e imóvel olha para o chão e para Antônio, que simplesmente fica a olhar para aquela cena sem saber muito bem o que fazer. Quando aquele silêncio é interrompido por aquela senhora:
- Quem te deu ordens para entrar no meu quarto dessa forma? Questiona Scarlett em tom firme e ameaçador.
- Perdão senhora é porque agora a pouco vi Justina e ela está muito fraca. Fiquei com muito medo dela morrer. A senhora me pediu para cuidar dela, por isso vim logo falar com a senhora. As feridas dela estão muito inflamadas. Acho que se continuar assim ela pode não resistir. A febre dela está muito intensa e ela não quer comer nada. Diz Josias falando seguidamente sem pausa ainda deitado no chão.
- Levante escravo. E não faça mais isso de maneira nenhuma em sua vida, ou eu te coloco imediatamente no tronco e faço você ficar igual a Justina. Diz Scarlett em tom ameaçador.
- Misericórdia senhora. Perdão pelo que fiz. Reponde Josias quando é interrompido por aquela senhora.
- Eu mandei você falar alguma coisa Josias? Mandei? Você fala demais sabia. Qualquer hora dessas eu mando cortar a sua língua. Aí resolvemos esse problema de uma vez por todas. Diz Scarlett em tom direto e sério.
Josias engole seco após aquela fala da sua senhora, ele sabia que aquilo poderia ter sentido figurado, mas, conhecendo a sua dona, ele sabia que aquilo poderia ter também um sentido real. Ele meche a língua em sua boa e aquilo lhe causa um imenso desespero, ele não imaginava o que seria ficar sem ela.
Scarlett então pensa um pouco enquanto Antônio e aquele jovem rapaz estavam de pé em sua frente. E então ela diz:
- Chame Albertina na lavoura e peça ela para cuidar da irmã. Peça que ela chame uma das negras curandeiras e que ela passe os remédios em Justina. Eu não quero que ela morra tão cedo. Eu preciso cumprir com a minha vingança lenta e duradoura, conforme imaginei. Diz aquela senhora em tom direto.
- Porque não chamamos um médico senhora? Ela está muito doente, temo que uma curandeira não consiga resolver. E se ela morrer? Questiona Josias desesperado.
- Um médico é caro, eu não vou pagar um preço desses para cuidar de uma escrava que queria a minha morte. Nem por uma boa causa como é me vingar dela e senti-la sofrer de forma lenta e duradoura. A curandeira resolve, ela já cuidou de outros negros muito piores do que Justina, ela vai ficar bem. Caso ela morra, não tem problemas, você ficará no lugar dela e sofrerá todas as punições que ela sofreria até que se complete o tempo que gostaria que ela ficasse viva a sofrer, ou peça para morrer no tronco, como ela tem a condição de fazer para acabar com o sofrimento. Diz aquela senhora em tom ameaçador.
Josias naquele momento se desespera mais intensamente, o seu corpo arrepia inteiro. Ele passa aos mãos sobre os seus cabelos e não diz mais nada. O suor percorria a sua testa, aquele jovem suava frio. O silêncio interrompe aquele espaço por mais alguns segundos. Scarlett gostava de ver as pessoas assim, desesperadas. Ela adorava dominar as pessoas psicologicamente, causar terror extremo aos seus escravos. Isso a levava a um prazer descomunal.
Em meio a esse tempo em que Josias se encontrava perplexo a imaginar e processar tudo que a sua dona havia lhe dito. Scarlett quebra aquele silêncio e questiona:
- O que ainda está fazendo aqui Josias? Não vai atender as minhas ordens? E se a escrava não resistir? Ela precisa da curandeira e logo. Diz Scarlett.
Imediatamente Josias volta ao seu estado normal e diz de forma assustada:
- Sim senhora. Eu já vou indo atrás de Albertina e da melhor curandeira que temos nessa fazenda. Justina não vai morrer. Ela não pode morrer. Diz Josias ao se retirar correndo daquele quarto, enquanto Scarlett olha para ele e para Antônio que continuava imóvel ao ver aquele diálogo.
Assim que Josias saiu, Antônio questionou:
- A senhora precisa de mais alguma coisa?
- Não, por mim está tudo bem. Muito obrigada! Responde Justina.
- Disponha senhora. Diz Antônio ao sair do quarto indo em direção ao seu escritório.