The Real Side

By hiddles-evans

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Segredos e mentiras fazem parte do nosso dia-a-dia. Em alguns momentos, simplesmente mentir ou ocultar fatos... More

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 35
Capítulo 36¹
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40

Capítulo 34

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By hiddles-evans

Mais tarde Steve teria que sair pelos corredores do prédio pedindo desculpas a todos que encontrasse, já que não conseguiria buscar em sua memória quais foram as pessoas que ele quase atropelava agora que corria com a maior velocidade que conseguia para o laboratório de Bruce. As faixas ainda em suas mãos auxiliavam ainda mais a quem o visse a entender que ele saíra às pressas do andar da academia, já que o suor que brilhava sob sua pele podia facilmente ser daquela pequena corrida para se reunir com o restante da equipe.

- Conseguiram identificar os sequestradores? – indagou Steve de uma vez, assim que colocara os pés no laboratório, sendo o único que faltava para a reunião estar completa. Sua respiração estava travada na garganta. Ele correra consideravelmente para chegar à sala, mas isso era de longe o menor empecilho que tinha para controlar sua respiração. Era aquela maldita ansiedade de obter pistas e talvez não terminar em outro maldito beco sem saída. Todos estavam sentados ao redor de uma das bancadas do ambiente, mas ele optou por ficar em pé. Se fosse alguma informação útil, já estava fácil para sair e se preparar, se não fosse, também podia sair de lá rápido.

- Petr Ivanov – leu Clint, ampliando o holograma com a imagem do homem para que o soldado conseguisse dar uma boa olhada. Ele e Natasha estavam há dias tentando descriptografar alguns arquivos da HYDRA que pareciam ser importantes, e agora agradecia por não terem desistido da tarefa nem um pouco fácil – Uma espécie de versão para espionagem do Soldado Invernal.

- Você tem que estar brincando – ofegou Tony. Mesmo sentindo que poderia andar de um lado para o outro naquela sala até fazer buracos no chão, ele havia tentado se controlar e optado por ficar sentado. Fora uma boa escolha, já que tornara mais fácil a tarefa de bater sua testa na bancada a sua frente, exteriorizando toda sua frustração.

- Existem outros Soldados Invernais, é isso? – questionou Thor confuso, com a mão no queixo. Se lembrava daquele codinome ter aparecido nas explicações de Avril sobre o que acontecera durante o tempo que ficara longe de Midgard, mas não se lembrava de exigir mais de um. Se sua memória não estava o traindo, um já era problemático o suficiente.

- Não, esse é diferente. É de outro momento, para necessidades diferentes – explicou Natasha, ainda passeando os olhos pelas informações, na esperança de encontrar algo que pudesse ter passado batido – É um programa abandonado. Só teve duas cobaias: Petr e a irmã, Dominik. Ela não sobreviveu. Ele é o único Corvo.

- Dominik – repetiu Tony, o nome lhe parecendo estranho em sua voz, mesmo que não entendesse o motivo.

- O nome te diz algo, Stark? – estranhou Natasha, principalmente quando o homem não a respondeu de imediato. Tony parecia estar longe, perdido em pensamentos.

- Não, é só... Nome bonito. Provavelmente a garota seria um amor de pessoa – desconversou o moreno, puxando uma tela próxima para ocupar tanto seus olhos como suas mãos – Programa Presságio. Soa como um lugar onde você só encontraria pessoas legais, não?

- Dois corvos são os mensageiros de meu pai... – comentou Thor, atraindo olhares curiosos – Vê-los é um bom sinal, mas não acho que seja o que essa dupla significa.

- Muitas culturas veem corvos como algo bem ruim. Mal sinal – suspirou Bruce, retirando os óculos do rosto e limpando as lentes em sua camisa – Sinal de morte.

- Senhor? – disse J.A.R.V.I.S., soando um tanto incerto, o que fez com que todos ficassem curiosos – Essas informações apareceram em uma das pesquisas da Srtª Stark certo tempo atrás.

- O que ela estava procurando, J.?

- Informações sobre Valerik Ivanova.

- Não sou especialista em sobrenomes russos, mas isso significa que ela e esse Petr são parentes, certo? – arriscou Tony, buscando a confirmação em Natasha, que assentiu com o cenho franzido – Qual a ligação dessa Valerik com esse programa?

- Ela foi a fundadora e mãe das duas cobaias.

- Por que Avril estava pesquisando sobre ela?

- Ela não chegou a especificar seus motivos, senhor.

- Ela estava escondendo alguma coisa...? – estranhou Clint, buscando alguma explicação em sua antiga parceira – Romanoff?

- Não notei nada diferente.

- Filha da p... – praguejou o arqueiro, controlando sua vontade de socar a mesa. Desde o desaparecimento de Avril, o número de móveis e aparelhos danificados no prédio havia aumentado exponencialmente, mesmo que eles tentassem se controlar – J.A.R.V.I.S., libera para mim o acesso aos arquivos da criatura, por favor. Tudo. Pesquisa, contatos, documentos... Na verdade, restaure tudo que ela apagou desde que chegou aqui, só por garantia.

- Não tenho autorização para isso, senhor.

- Eu autorizo – interveio Tony, estranhando em seguida seu sistema claramente hesitar diante da ordem.

- Temo que o senhor não tenha autoridade para isso também, senhor.

- Repete isso – ofegou o homem, um tom claro de desafio e indignação em sua voz. Era impossível ele ter perdido o controle da Torre mais uma vez. Ele checara milhões de vezes e até desabilitara uma tentativa de Avril se assumir o topo da hierarquia do sistema, mas nada desse gênero acontecera novamente. Além disso, ela estava trabalhando o tempo todo, estava sempre acompanhada. Não dava para ela ter feito aquilo sem que alguém...

- Protocolo de segurança 37F88HF – a voz potente de Steve interrompeu o pensamento de Tony segundos antes de ele conseguir montar alguma suspeita diante do soldado. Desde o primeiro momento que J.A.R.V.I.S. dissera que não tinha autorização que ambas as mãos do soldado estavam em seu rosto, apertando a testa. Seu olhar não abandonava o chão tanto para fugir dos olhares acusadores como para se concentrar na sequência de caracteres aleatórios que Avril havia criado, se esforçando para não errar – Rogers, Steven Grant.

- Protocolo de segurança ativo, Cap. Rogers. Iniciar medidas de segurança?

- Desative as medidas de segurança. Faça o backup de tudo que Avril mexeu nos últimos meses e libere o acesso para o Barton – ordenou ele, a voz cada vez mais grave, aos poucos compreendendo o erro que cometera. Erro de principiante – Retire Avril da hierarquia de autoridade, e reestabeleça Tony no lugar.

- Eu não estou acreditando nisso, Rogers – Tony praticamente cuspiu as palavras, apenas não se adiantando para o soldado por Bruce tê-lo segurado pelo braço – Mais de três meses e você decide que só agora era um bom momento?

- Acha que eu quero dificultar as coisas, Stark? Eu esqueci – retrucou o loiro, não muito diferente do bilionário. Estava tão focado nas buscas que não imaginara que poderia ser útil bisbilhotar nas coisas da mulher. Na verdade, em nenhum momento considerara que talvez Avril pudesse ter feito algo para que aquela situação acontecesse, e agora ele se sentia pior por ainda não ter percebido nada mais uma vez – Não me faz sentir nada melhor, se é o que você está imaginando.

- E como diabos você sabia como burlar isso? – perguntou Natasha, um tanto desconfiada.

- Porque alguém precisava ter acesso aos arquivos fantasmas caso algo acontecesse com ela – grunhiu o soldado, procurando com certo desespero algo para golpear e não encontrando. Se tivesse escolhido se sentar, talvez o laboratório de Tony estivesse com algumas telas a menos – Eu devia ter lembrado disso mais cedo...

- Nós não teríamos a conexão, Steve. Não precisa ficar assim – lembrou Natasha, fuzilando rapidamente Tony com os olhos antes de continuar – De qualquer jeito, não sabemos as motivações dela. Até onde sabemos, pode ser uma coincidência.

- Acha que é uma coincidência? – devolveu ele, mal-humorado. Natasha apenas retribuiu o olhar nada amigável.

- Acho que ela não sabia o que estava fazendo.

- É a cara dela isso... – resmungou Clint, afundando em sua cadeira – Quando ela sabe o que está fazendo? Devia ser proibido ela viver sem supervisão

- Ahn, gente? – chamou-os Bruce, com os olhos levemente arregalados. Já fazia alguns instantes que ele tivera o acesso liberado para os arquivos de Avril, e já encontrara algo logo do primeiro documento, só não conseguia encontrar palavras para explicar o que estava vendo, por isso optou por jogar a imagem para todos no meio da sala – Talvez de alguma forma ela soubesse o que estava fazendo.

Um projeto simples, um protótipo que parecia mais uma fina coleira de metal aparentemente inofensiva, mas não de acordo com as anotações e fórmulas que seguiam os desenhos: o dispositivo parecia ser capaz de identificar quando Avril estava usando seus poderes e instantaneamente a apagar com uma descarga de energia considerável.

- É a versão dela da Veronica – constatou Bruce, enquanto todos ainda assimilavam a informação – A S.H.I.E.L.D. tinha conhecimento disso? Esse negócio nas mãos erradas...

- Meu palpite que esse era o projeto secreto em que ela trabalhava – suspirou Clint, girando a imagem à sua frente, analisando os detalhes da coleira mais de perto – Desde que Fury tinha a liberado para trabalhar que ela tinha um projeto separado, e agora eu agradeço por ela não ter passado isso para a S.H.I.E.L.D.

- Se ela não tivesse mantido segredo... – começou Bruce, soltando uma risada nervosa – A HYDRA teria mais isso contra ela. Poderia ser catastrófico.

- É vantagem para nós – comentou Natasha, ganhando alguns olhares um tanto inconformados – Se eles tiverem bagunçado as ideias dela como faziam com o Barnes, é uma maneira de detê-la.

- Isso é seguro? – perguntou Steve, incomodado. Até agora não conseguia se decidir qual cenário era pior: Avril como prisioneira e tendo o mesmo destino que Bucky. Ele queria acreditar que até agora não ter tido nenhum sinal da mulher ou alguma ação que parecesse seu estilo fosse um sinal de que ela estava sendo mantida como prisioneira, só que Avril era extremamente bem treinada, podia facilmente estar agindo bem debaixo de seu nariz se fosse isso que a HYDRA queria. A possibilidade de ter que enfrentá-la o devastava.

- A Srtª Stark fez diversos testes com o protótipo, mas ainda havia uma dúvida sobre como ele se comportaria em momentos que ela não seria capaz de desativar os poderes, como em casos de ferimentos graves – contou J.A.R.V.I.S., expondo para eles outro arquivo de anotações e suposições que a mulher tinha feito – Desconsiderando cenário, é completamente seguro.

Tony ponderou por alguns instantes, a fala de seu sistema lhe causando incômodo, já que o incitara a imaginar sua filha mais uma vez a ferida. O atentado em Washington para o homem ainda era muito recente, a sensação de seu coração parando por uma eternidade agora se tornara algo recorrente, que nunca lhe abandonava. Aquele vazio em seu peito. Uma vez ou outra ele se flagrava olhando para baixo para checar o brilho forte do reator em seu peito, apenas para se lembrar que ele não estava mais ali. Em alguns momentos, parecia que seu coração também não estava. Apenas o vazio. A falta de sua filha.

- Então mande fabricar, J.A.R.V.I.S. – ordenou ele, se levantando de sua cadeira. No caminho até a saída, ele se virara rapidamente para a dupla de ex-espiões, pedindo que continuassem a vasculhar os arquivos confidenciais de Avril, e o avisassem se encontrasse mais algo importante. Steve saiu logo em seu encalço, provavelmente rumando mais uma vez para a academia. Em qualquer outro dia ele teria chamado o soldado para conversar, mas hoje achou melhor não. Ele não podia negar que também estava um pouco irritado com Steve: tanto por ter acobertado sua filha como por não ter se lembrado disso antes. Ela nunca escondia coisas boas, ou inofensivas, Rogers já deveria ter aprendido aquilo. Se existia um manual de convivência, Tony tinha certeza que deveria haver vários parágrafos sobre aquilo.

Tony apertou o botão do elevador com violência, deixando todo o ar sair de seus pulmões em um suspiro cansado. Não, exausto. Três meses, quase quatro. Sentia que tinha feito tudo que podia, mas não era verdade, já sua filha não estava de volta. Ele precisava dela, saber que ela estava em casa, segura. Seu dever era protegê-la, e ele falhara. Todos seus esforços, tudo que ele criava era para proteger as duas pessoas mais importantes de sua vida, e não fora o suficiente. J.A.R.V.I.S. sequer perguntou qual era o destino, levando o elevador até o andar do laboratório de Avril. Ele estava cansado, mas precisava trabalhar. Precisava de algo para resgatá-la e a mantê-la segura depois. Como de costume, o homem parara em frente à porta do laboratório da filha, ainda incapaz de sequer tocar na porta. Ele queria entrar, notar os costumes de organização da mulher nos menores objetos, mas nunca conseguia passar da porta. De alguma forma aquilo lhe parecia uma maneira de se apegar a alguém que havia partido, e sua filha ainda estava viva. E ela provavelmente o mataria se tirasse algo do lugar.

Frustrado, Tony deu meia volta e retornou para o elevador, pedindo para que Bruce se juntasse a ele assim que possível. Ele precisava fazer algo, e talvez Ultron tivesse que deixar de ser apenas uma ideia distante.

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Avril pretendia seguir diretamente para o gerador quando chegara na cabana, assumindo que Barnes não iria querer passar mais tempo congelando que o necessário, mas temia estragar os alimentos que tinha comprado, por isso decidiu entrar primeiro. Barnes estava mais uma vez deitado no sofá, em uma confusão de cobertores. Ela o cumprimentara ao passar pela sala e seguir para a cozinha, estranhando ao não ouvir ele a cumprimentar de volta. O silêncio estranho do soldado a incomodou, e ela não conseguiu disfarçar o incômodo enquanto depositara o que comprara de alimentos na bancada, deixando apenas as peças do gerador na sacola.

Quando abrira a boca para questionar Barnes sobre a repentina falta de educação, ele já estava próximo demais, a prensando contra as portas do armário. Suas mãos quiseram seguir para seu pescoço e tentar afastar o antebraço do homem que atrapalhava sua respiração, mas optou por não se mexer. Ele sabia. De alguma forma muito bizarra, ele já sabia, e Avril não conseguiria e nem tentaria defender. Não fora necessário mais do que alguns segundos para que ela se arrependesse da decisão idiota, só que não tinha para onde correr. Querendo ou não, ela teria que seguir com o plano.

- Você nem reagiu...! – rosnou ele, desorientado pela confirmação de suas suspeitas tão óbvia nos olhos assustados de Avril, tirando o antebraço de seu pescoço e recuando alguns passos antes que fizesse alguma besteira – Você me entregou, não é? Responde, garota!

- Eu preciso voltar para a HYDRA, e eles não vão me aceitar se eu não voltar com você – contou ela com cuidado, evitando olhar para o homem para não ver o desapontamento expresso em seu rosto.

- Você é o que, idiota? Passou todos esses dias se remoendo por ter sido arrastada a força para a HYDRA e agora quer voltar? O que diabos há de errado com você? – berrou o homem, atingindo o batente da porta da cozinha em um movimento exasperado do braço de metal, fazendo com um pedaços de madeira voassem longe, deixando um buraco na parede – Você deveria querer distância deles! Tudo que eu fiz foi te proteger e é assim que você retribui?! Eu não vou voltar. Eu me mato antes de permitir que eles me usem novamente.

- Você mesmo disse, Barnes... – lembrou a mulher, a voz baixa e falha. Ela não estava assustada pela reação do soldado, pelo contrário, esperava até mais do que aquilo. O problema era o remorso que crescia em seu peito – Você não tem todas as respostas, e eu preciso delas.

Barnes passou alguns segundos estudando o rosto da morena, esperando encontrar algum vestígio que indicasse que aquilo tudo não passava de uma brincadeira muito das sem graças, rindo alto ao perceber que ela realmente estava falando sério. Nos últimos dias havia identificado uma ingenuidade perigosa na jovem, mas aquilo ultrapassava os limites humanamente possíveis.

- Acha que vai simplesmente chegar lá e eles vão explicar tudo para você?! – ironizou ele, travando a mão de metal embaixo da mesa no meio da cozinha e a atirando para o lado – Eles vêm mentindo há anos, pirralha. Não vai ser seu sorriso bonito que vai fazer eles mudarem.

- E-eu só preciso de algo escrito, algum registro. Relatórios de missão.

- Não acredita em mim? – indagou Barnes, mais ofendido do que esperava. Depois do tanto que se arriscara, ela ainda não confiava nele? – É disso que se trata?

- Petr não acreditaria – contou ela, e aos poucos os punhos do soldado foram relaxando, entendendo as motivações da jovem – Ele foi tão enganado ou mais do que eu. Ele merece sair daquele lugar, pelo menos ter a chance de escolher sair ou não. Só que ele não vai acreditar no que você diz. Vou precisar de provas. Apenas levantar dúvidas não vai funcionar com ele.

Barnes fechou os olhos com força, ambas as mãos rumando para seus cabelos. Era uma decisão cretina, mas a pirralha de alguma forma destorcida tinha uma razão para aquilo. Sem ela, seu irmão seria considerado apenas mais um agente da HYDRA, e se ela merecia uma colher de chá, o mesmo deveria ser oferecido a ele, embora a situação fosse bem mais complicada para o Corvo mais velho. Avril assistiu o soldado aos poucos aumentando a distância entre eles, aquele antigo desespero óbvio em seus olhos, e o remorso que remoía em seu peito apenas aumentando por saber que aquela vez ela era o motivo. Que tipo de escolha era entregar Barnes para tentar – com imensas possibilidades de falha – tirar seu irmão de lá? Onde estavam todos os discursos que fizera em defesa do soldado nos últimos meses? Como iria viver com um fantasma daqueles?

- Some daqui, Barnes – grunhiu ela por fim, cotovelando uma das portas do armário às suas costas em um movimento rápido que deixara um buraco na madeira.

- O que?

- Eu mandei você sumir – rosnou ela, revirando os olhos ao ver a confusão apenas aumentar no cenho franzido do homem. No pouco que se lembrava, seus surtos de bom senso não duravam muito, por isso era melhor se apressar – Isso não tem nada a ver com você. Eu lido com isso sozinha.

- Depois desse tempo todo desaparecida, acha mesmo que eles vão te aceitar?

- Se eles pensarem que você me manteve aqui contra a minha vontade...

- Não gosto das suas ideias – interrompeu-a ele, lhe dando as costas e rumando para a sala, e ela logo se pôs a segui-lo.

- Eu tentei te entregar, James. Confiou em mim e eu te apunhalei pelas costas – insistiu ela, o puxando pelo braço em um movimento brusco antes que ele pudesse se afastar demais, ficando a milímetros de distância do homem quando ele se virou – Você está bravo comigo. Vá em frente e desconte. Dificulte para eles me reconhecerem.

- Eu não v...! – ofegou Barnes, seus olhos arregalando assim que compreendeu por completo o plano da mulher.

- Você vai – continuou ela, aumentando o aperto em seu braço até ele fazer um movimento rápido e o tecido escorregar de seus dedos – Porque se eles chegarem aqui e não encontrarem sequer um arranhão em mim, não tenho certeza se eles vão fazer questão que eu sobreviva à punição.

- Você cometeu um erro, criança. Podemos consertar. Continuar fugindo – Barnes abandonou toda a hostilidade de uma vez, tomando o rosto da mulher com o máximo de cuidado que possuía para que ela não tentasse fugir – Eles nunca vão nos achar. Eu te protejo. Recuperamos nossas memórias juntos, só... Não volte para lá.

- Eu não... – começou Avril, quase considerando a opção. Tinha que admitir que era o caminho mais fácil, mas valeria a pena? Se colocar a frente de todos e desperdiçar a chance de salvar alguém? Deixar Krigor impune? Aquele tipo de remorso era algo com que ela conseguiria viver? – Eu tenho coisa para descobrir. Eu não posso deixar a HYDRA. Isso tudo não é apenas sobre mim.

- Eu sou a sua única salvação, garota – disse Barnes, sério. Sua expressão quase amolecera ao notar os olhos da mulher começarem a marejar, tendo que respirar fundo para se manter firme, principalmente quando ela envolveu suas mãos com as dela – E você não vai me ver novamente se eu passar por aquela porta.

- Eu preciso de respostas, e você não as tem, Barnes – lembrou ela, apertando as mãos dele, ambas geladas em contraste com as suas que estavam até quentes demais – Por favor.

- Você sabe as perguntas agora, mas, quando eles te pegarem, eles vão limpar sua mente novamente – argumentou o soldado, realmente sem saber o que fazer. Ele simplesmente lhe daria as costas? Já seria algo quase impensável imaginando que ela teria sucesso no que planejava, mas aquela ideia era um maldito plano suicida – Você vai voltar a ser um fantoche.

- Se eu lembrei uma vez, posso lembrar de novo – Avril tentara soar firme, mas não conseguira nem se convencer com aquelas palavras. Ela não estava acostumada com aquele tipo de otimismo idiota, e era arriscado se tornar adepta a ele naquele momento. Não dava para saber qual seriam as ações da HYDRA assim que a tivessem mais uma vez, mas era a melhor chance que tinha.

- Você é louca – constatou Barnes, rindo de nervoso – Você é absolutamente louca.

- E estou só me aquecendo...

- Você está com medo – sussurrou o soldado, como se não fosse algo claro na mulher: a respiração desregulada, as mãos tremendo, e as lágrimas já passeando livremente pelo seu rosto corado.

- Eu já passei dessa fase faz um tempo – confessou ela rindo de leve enquanto deixou sua testa se apoiar no ombro do homem, que logo tirou as mãos de seu rosto para a envolver em um abraço apertado – Se tiver algo acima de amedrontada, eu estou por lá.

- Tem que haver outro jeito de obter as respostas que você quer – tentou ele mais uma vez, apoiando o queixo em sua cabeça – Não me obrigue te abandonar.

- Tarde demais para mudar de ideia, Bucky – murmurou ela, se afastando minimamente para voltar a fitar seus olhos, para não deixar dúvidas que as coisas seriam daquele jeito. Nos olhos claros do soldado ela conseguira ver que aquilo também não estava sendo fácil para ele, mas pelo menos era melhor do que arrastá-lo junto para aquele inferno. Um dos dois escapar já era lucro mais lucro do que o esperado – Saia daqui antes que seja tarde demais para você também.

- Feche seus olhos – pediu ele em um sussurro, beijando a testa da mulher enquanto afagava seus cabelos fora de ordem. Ele respirou fundo uma, duas vezes, mas não surtiu efeito. Barnes já conseguiu ouvir seus batimentos em seus ouvidos, mas sabia que o único som que continuaria a ouvir pelos próximos dias seria dos golpes que teria que desferir na mulher, por isso também fechou os olhos. Os sons já o atormentaria o suficiente, não precisava de recursos visuais – E não abra por nada, entendeu?

Avril assentiu e recuou alguns passos, mantendo os olhos fechados com empenho até sentir o primeiro golpe, que lhe acertara a lateral do rosto. Seus instintos quase imploravam para poder ver o que acontecia, mesmo com ela tendo completa noção da localização de tudo ao seu redor. Ela não caíra no primeiro soco, apenas cambaleara para o lado. O segundo golpe já fora uma joelhada nas costelas, o som característico de osso se quebrando chegando aos seus ouvidos, mas ela só caíra quando Barnes encaixou um chute até que leve em seu abdômen, que a fez atravessar a parede que dividia a sala da cozinha. O impacto de sua cabeça contra o chão bagunçara um pouco seus sentidos, mas não a impedira de sentir o homem se sentar sobre suas pernas, respirando fundo por já saber o que vinha pela frente.

Barnes agradeceu mentalmente por ela tentar reprimir os gemidos a cada golpe, mas em certo ponto ela não tinha mais controle. Suspeitava que ela se permitira sentir todas as dores como forma de punição por estar forçando-o àquilo, mas se obrigou a não pensar naquilo porque definitivamente não fazia com que ele se sentisse melhor. Quando os gemidos começaram a se extinguir, ele parou. Se sentiu tentado a abrir os olhos, mas não o fez. Ele ainda conseguia ouvir a respiração fraca da mulher, e se apegaria àquele detalhe. Ela estava respirando. Ele deixaria a cabana, e ela estava respirando. Sem permitir pensar no que aconteceria com ela depois. Ela estava respirando, nada mais importava.

Ele se levantara um pouco tonto, cambaleando para longe do corpo inconsciente da mulher, apenas abrindo os olhos quando a cozinha já estava às suas costas, quase se jogando de volta ao chão ao notar como suas mãos estavam embebidas do sangue quente de Avril. Aquilo não podia estar acontecendo de novo. Ele prometera que aquilo nunca mais se repetiria. Sem mais sangue inocente em suas mãos. Mais uma vez sangue inocente em suas mãos. De alguém que ele deveria proteger.

Barnes passara rapidamente no banheiro, passando um pouco de água e sabão nas mãos com pressa. Se se demorasse mais do que o necessário, mudaria de ideia e mataria qualquer agente da HYDRA que ousasse pisar naquele lugar. Esperava realmente que o plano de Avril funcionasse, porque ele se culparia daquilo pela eternidade caso contrário, mesmo sem ter outras opções. Poderia continuar se opondo à mulher, mas não conseguiria fazer com que ela mudasse de ideia. Por isso ele pegou a mochila com seus pertences e logo deixou a cabana, rumando para o mais longe possível daquele lugar. Se desse sorte, talvez encontrasse alguma manchete de jornal anunciando a volta de Avril Stark para os Vingadores.

---

Avril tentava normalizar sua respiração mesmo com as intensas cargas de eletricidade que percorriam o seu corpo. De princípio ela imaginara que mal sentiria qualquer que fosse a punição que seus superiores imaginariam para ela, já que sua condição física não era exatamente das melhores, mas cada golpe ela parecia estar sentindo com mais intensidade do que realmente tinha. Fosse a eletricidade, a quantia considerável de soro que eles haviam injetado nela novamente, o fato era que fazia tempos que a mulher não sentia tanta dor.

- Onde está o Soldado Invernal? – perguntou Markus, o agente que havia sido encarregado do interrogatório. Antes mesmo que ela pudesse abrir a boca para responder, ele liberara outra descarga elétrica, fazendo com que ela perdesse o fôlego.

- Eu... Não... Sei! – grunhiu a mulher por entre os dentes. Suas unhas cravadas na palma da mão tentavam aliviar a tensão, e aos poucos começavam a perfurar a pele, tímidas gostas de sangue escorrendo até seus pulsos e sujando as travas de metal que a seguravam no lugar.

- Por que o deixou escapar?

- Eu não deixei!

- Por que está mentindo?

- Eu não estou!

- Quem você é?

- Ninguém...!

- O que você é?

- H-HYDRA...

Krigor assistia tudo por trás do vidro com o semblante sério, os braços travados em frente ao corpo. Não sabia dizer se a garota estava mentindo ou não, mas o fato era que de qualquer forma não podia mais confiar nem na garota nem em sua mente. Se ela tivesse passado apenas um dia ou dois desaparecida, talvez pudesse lhe dar o benefício da dúvida, mas havia se passado mais de um mês. O Soldado Invernal era poderoso, mas não conseguiria mantê-la sob controle por tanto tempo. De alguma forma ele havia conseguido que a garota escolhesse ficar ao seu lado. Até o pedido de resgate de Dominik lhe parecia estranho, demorara tempo demais. Krigor sequer queria continuar pensando naquilo, se sentia tentado a acreditar que Dominik estava apenas tentando fazer seu trabalho da melhor forma que podia, mas algo lhe dizia que acreditar naquilo era ingenuidade demais.

Não podia ser uma coincidência ela ter passado tanto tempo logo com o soldado que se rebelara ao começar a recobrar suas memórias.

- O que fazemos, senhor? – perguntou Ivan, visualmente cansado. O interrogatório já durava algumas horas, e ele tinha que estar sempre atento para caso algo saísse do controle – Ela está instável. Não podemos ter certeza se ela está mentindo ou não. O encontro com o Invernal pode ter desestabilizado a mente dela, memórias apagadas podem ter voltado.

- Então refaçam o processo. Limpem a memória dela novamente, mas dessa vez direito.

- Sim, senhor.

Avril soube exatamente o momento em que estava perdida.

Grosas lágrimas começaram a escorrer por seu rosto quando avistou Ivan se aproximando com um protetor bucal em mãos, e ela automaticamente abriu a boca antes de ele precisar lhe dar a ordem. Lembrava vagamente de um cenário semelhante com isso, e algo lhe dizia que não viria coisa boa. Quando o processo começou, em meios aos gritos a mulher tentava se apegar a apenas um pensamento.

Se ela lembrara uma vez, podia lembrar novamente.

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Seus ouvidos zumbiam, mas não parecia ter som ao seu redor. Sua respiração parecia estar sendo alta, só que não conseguia captar o ruído. Seus olhos já estavam abertos, e mesmo assim não conseguia focalizar seu olhar em algo. Aos poucos, sua audição foi voltando ao normal, e os primeiros sons que ela conseguiu identificar foi de uma voz masculina próxima, murmurando pausadamente e sem pressa palavras que parecia aleatórias, e que de alguma forma faziam com que seus músculos se tensionassem.

- Dezenove. Água-marinha. Pólvora. Oito. Rua vazia. Anthony. Nove. Habitável. Introdução... – ela não havia tentado contar o número de palavras, mas percebera que não chegara a compreender a última, como se de repente seus ouvidos tivessem cheios de água e os sons tivessem se tornados confusos.

- Pronta para obedecer – murmurou ela em resposta, sem saber ao certo o motivo. Sua cabeça doía, mas algo lhe dizia que era melhor não se queixar. Ivan logo aparecera a sua frente, lhe fazendo algumas perguntas que pareciam sem sentido, mas que ela respondeu de qualquer forma. Ela por algum motivo esperava que logo fosse enviada para seu quarto e pudesse descansar um pouco, mas ainda ficou pelo o que poderiam ter sido horas naquela sala, ainda presa pelos braços e tornozelos.

Ivan e Markus haviam sido categoricamente claros: ela havia cometido um deslize, para dizer o mínimo. Em nenhum momento chegaram de fato a especificar que erro ela tinha cometido – algo importante de se comentar, já que por algum motivo ela não conseguia se lembrar das últimas missões em que saíra –, e isso a incomodou um pouco, mesmo que não tenha expressado aquele sentimento. Tivera que pacientemente ouvir o discurso dos dois homens, assentindo nos momentos certos, e só depois ela foi liberada. Ninguém a escoltara para seu quarto, mas ela podia dizer que alguém a vigiava pelas câmeras, acompanhando seus movimentos.

A sensação de que tinha algo errado apenas aumentou quando seu irmão apareceu mais tarde em seu quarto, parecendo tão perturbado quando ela.

Petr estava uma pilha de nervos, e não sabia o que fazer. Não sabia separar o que estava sentindo: raiva, culpa, e indignação era o máximo que ele conseguia identificar. Ninguém lhe avisara que haviam localizado sua irmã, nem que uma operação de resgate fora colocada em prática imediatamente. No último mês, seu número de missões havia sido reduzido drasticamente para zero, seus superiores temendo algum tipo de rebelião caso saísse da base, mas ele se iludira pensando que teria permissão para mais uma vez resgatar Dominik assim que tivessem sua localização, e se enganara. Tivera apenas a informação de que ela estava de volta algumas horas atrás, enquanto ela mais uma vez passava pelo processo de limpeza das memórias, e isso o deixou mais irritado.

Ela não era um maldito brinquedo, e mesmo assim seu pai continuava a autorizar aqueles processos. Ele deveria protege-la, e a cada dia Petr apenas conseguia notar ele fazendo exatamente o contrário.

- Nikky? – ele a chamou em um sussurro, incerto se deveria entrar no quarto ou não. As luzes estavam quase todas apagadas, e ele ainda conseguia distinguir a silhueta da irmã deitada de barriga para cima, encarando o teto – Você está bem?

- Por que não estaria? – retrucou ela, virando a cabeça minimamente para a porta. O homem teve que engolir em seco sob o olhar frio da morena, as íris tomadas por aquele brilho azul característico da exaustão – Eles disseram que eu desapontei toda a organização. Só não me falaram como.

- Não é importante – garantiu ele, fechando a porta as suas costas e se sentando na beirada da cama. Dominik não parecera gostar da resposta, também se sentando. Ela não sabia explicar o motivo, mas sentiam que estavam ofendendo sua inteligência, ainda mais quando alguém tentava desconversar.

- Como eu vou ser capaz de não repetir o mesmo erro se não sei no que errei? – disse ela, constatando o óbvio. Todos estavam agindo de forma diferente perto dela, como se temessem até respirar de forma diferente, e seu irmão não era exceção. Isso estava começando a irritar, mais até do que a dor latejante em sua cabeça que não passava de jeito nenhum e ela não conseguia ignorar.

- Apenas não erre. É para isso que nós estamos aqui – disse ele, dessa vez não vacilando sob o olhar irritado que a irmã lhe lançara – Somos a elite dos agentes da HYDRA.

- Pensei que a elite fosse o Invernal – retrucou ela, cruzando os braços, e por alguns segundos Petr se questionou se eles tinham realmente limpado a memória dela direito. Tinha uma certa fúria em seus olhos, que intensificava o tom azul brilhante do poder em suas veias. Ao mesmo tempo que parecia que ela sabia de alguma coisa, também parecia que ela estava apenas perdida, o que não significava que ela não sentia que algo estava errado. Instinto. Isso eles não tinham como dominar, e agora Petr temia que aquela fosse a chave para Dominik se rebelar.

- O Invernal foi ultrapassado, nós somos mais poderosos que ele – disse o homem, forçando as palavras a deixarem sua boca. Parecia que uma mão invisível estava apertando sua garganta, o repreendendo pelas mentiras que planejava dizer, e os olhos atentos de Dominik pareciam estar cientes de tudo.

- E ele foi simplesmente descartado porque foi superado? – ela riu, uma risada irônica que fez um arrepio ruim percorrer o corpo do homem – E o que vão fazer conosco quando nós formos superados? Não somos nada diferente do Barnes.

- Por que está falando isso?

- Não sei... Só me sinto estranha. Cansada – resmungou Dominik, passando as mãos nervosamente pelo rosto antes de voltar a se deitar, suspirando alto. Seu tom de voz se alterara imensamente, em um contraste notório com segundos atrás, quase como se fosse outra pessoa. Quando voltou a fitar Petr, seus olhos já apresentavam a coloração mais próxima do natural – Pedi que me apagassem, mas disseram que eu precisava passar por treinamento de novo. É por isso que está aqui?

- Não recebi ordens hoje – estranhou o moreno, balançando a cabeça de leve – Apenas vim ver se você estava bem.

- Eu realmente fiz besteira, não é? – contatou a mulher, o rosto contorcido em uma expressão apreensiva – Nunca te vi assim, tão preocupado.

- Você cometeu um deslize. Mas não foi culpa sua, foi minha – contou ele, encolhendo os ombros e fitando os próprios pés. Deveria ter sido mais insistente ao se opor a decisão de seu pai de deixar Dominik sair em missões sem sua supervisão. Aquele episódio poderia ter sido tão facilmente evitado que ele não conseguia se livrar do sentimento de culpa – Não vou permitir que aconteça novamente.

- Do que você está falando?

- Somos uma equipe, Nikky. Eu e você. Somos irmãos acima de tudo – contou ele, com algo em sua voz que lhe deu a impressão de que ele repetia aquilo pela milésima vez, mas ela nunca aprendia – É meu dever te proteger, e vice e versa.

- Você não deveria falar esse tipo de coisa... Você vai acabar sendo punido! – murmurou ela apressada, assim que notou o que a incomodava na fala do irmão – Nós não fomos feitos para ter emoções, você sabe disso também quanto eu.

- O que você não está me contando, Dominik? – questionou Petr de uma vez, começando a ficar irritado com as constantes mudanças de abordagem da irmã. Parecia que ele estava discutindo com pessoas diferentes que tomavam o lugar da outra sem o menor aviso, e ele não sabia como proceder.

- Ivanov – uma voz rosnou, fazendo com que a dupla se virasse para a porta. Markus estava no portal, com um sorriso irritante nos lábios – Garota Ivanov. Você vem comigo. A sala de treinamento já está pronta.

- Posso saber por que não me colocaram como responsável dessa vez? – questionou Petr, sinalizando para que sua irmã não saísse do lugar.

- Não – riu o homem, alargando o sorriso. Já fazia um certo tempo que a arrogância dos mais novos dos Ivanov estava o incomodando, e ele definitivamente estava contente por Krigor finalmente estar abrindo os olhos e colocando a dupla em seu devido lugar – Confidencial. Vá perguntar para o papai.

Petr estava pronto para partir com punhos fechados para cima do homem, mas a mão firme de Dominik em seu ombro o fez parar. Era estranho, mas parecia que a mulher estava mais estável mentalmente do que ele, embora fosse claro também o seu desconforto. Dominik de repente parecia ser a mais velha da dupla, que sabia exatamente como agir e o que dizer. Talvez fosse algum tipo de instinto que as lavagens cerebrais não conseguiam apagar, que permitia que ela pudesse ainda saber exatamente como manipular as pessoas sem levantar suspeitas. Ou fosse algo tão dela que sequer precisava estar ciente dessa habilidade para utilizá-la.

Dominik passou a mão pelos cabelos escuros do irmão carinhosamente antes de deixar o quarto e seguir o agente de expressão fechada que seria seu avaliador por sabe-se lá quanto tempo. No fundo ela se culpava por tanto reclamar de Clint na época em que ele era responsável por seus treinos, porém sequer conseguir dizer quem essa pessoa devia ser e porque aqueles detalhes tão aleatórios e tão singulares continuavam a invadir sua mente, e aquela sensação estranha de algo estar fora do lugar cada vez a dominava mais.

Ela precisava de respostas, e precisava encontrá-las logo.

---

Dominik acordou com seu irmão esmurrando sua porta, o que a fez levantar em um pulo, sem saber o que estava acontecendo. Seus sentidos deveriam funcionar perfeitamente assim que ela acordasse, mas em alguns dias especiais isso não acontecia, e aquele era um desses. Petr tivera que controlar sua vontade de rir ao dar de cara com sua irmã emburrada e de rosto amassado assim que ela abriu a porta de uma vez, perguntando se alguém estava morrendo ou se eles estavam sob ataque.

- Saímos em dez minutos – anunciou ele, já girando os calcanhares e correndo para o fim do corredor.

- Por que eu estou sendo avisada tão em cima da hora? – gritou ela, se apoiando no batente da porta. Petr parou no meio do caminho, ponderando se deveria contar o que estava acontecendo de uma vez ou se era melhor inventar algo.

- Estavam questionando se você ir nessa missão era realmente uma boa ideia – contou ele de uma vez, deixando a morena desconfiada – Vamos invadir uma base da S.H.I.E.L.D. em que você passou muito tempo.

- Manchester? – arriscou ela, tentando controlar o nó que automaticamente se formara em sua garganta. Aquilo não era bom, não era nada bom. Uma coisa era recobrar suas memórias, outra bem diferente era ficar frente a frente com pessoas com que ela costumava conviver diariamente. Ainda havia algumas lacunas abismais para serem completas, e ela temia que isso acontecesse no pior momento possível – Por que não seria uma boa ideia eu ficar de fora?

- O intuito é ser um ataque rápido e silencioso. Se você for, as chances de virar uma bagunça são grandes – explicou Petr – Porque eles vão te reconhecer e essas coisas.

- Como se eles fossem viver tempo o suficiente para me reconhecer e espalhar a notícia – resmungou Dominik, revirando os olhos – Te encontro em cinco minutos.

Depois que fechou a porta, ela ainda esperou ficar fora da área de percepção de seu irmão, permitindo que seus batimentos acelerassem como bem entendiam enquanto trocava suas roupas pelo uniforme. Ao mesmo tempo que aquilo era bom, também era péssimo. Ela teria que manter o disfarce, bancar a agente da HYDRA mesmo se fosse reconhecida, e provavelmente seria. A menor hesitação para puxar o gatilho e atirar em um antigo aliado seria o suficiente para que Petr levasse as suspeitas aos superiores, e tudo iria por água abaixo. Erros mais do que nunca não seriam permitidos.

No trajeto até Manchester, Dominik se mantivera em silêncio, o que ninguém estranhou. Assentia apenas uma vez ou outra quando alguém lhe passava alguma instrução, se mantendo afastada no fundo da nave. Quando Petr se sentara ao seu lado para lhe mostrar a planta da base, ela apenas prestou atenção por educação – afinal, conhecia aqueles corredores de olhos fechados. Sua tarefa se tratava apenas de conseguir alguns documentos importantes da S.H.I.EL.D., enquanto o restante da equipe se encarregaria de recolher algumas armas que eles classificaram como interessantes do arsenal daquela estação. Em um primeiro momento Dominik pensou em questionar o motivo de estar sendo tirada da linha de frente, mas só depois lhe ocorreu que aquela escolha era inteligente: a S.H.I.E.L.D. inicialmente se preocuparia em proteger o seu arsenal, e os poucos que acabassem entrando em seu caminho ficaria sem reação por avistarem a desaparecida Avril Stark. Ela não gostara nem um pouco do plano, mas não podia dizer que não era uma boa estratégia.

O técnico da equipe logo conseguiu invadir o firewall da base, danificando permanentemente o sistema de segurança do local. Era de extrema importância que eles não conseguissem contatar suporte, além de não estar incluso nos planos a informação de que o segundo Corvo estava de volta, e muito menos quem ele era. Ainda não era o momento, aquela última cartada estava reservada para a queda dos Vingadores, mas talvez já estivesse próxima. Assim que deixaram a nave, a equipe de dez pessoa se separou, Dominik seguindo para o lado o posto para ao que os outros seguiam seu irmão. Ela iria por uma entrada diferente, um pouco afastada do seu destino, mas pelo menos chamaria menos atenção. Poucos agentes entraram em seu caminho enquanto ela viajava pelas sombras dos corredores, praticamente passando despercebida, precisando finalizar apenas um ou outro que estavam mais atentos ao que acontecia ao se redor. Como o objetivo principal não era que ela entrasse de fato na luta de verdade, seu poder de fogo havia sido reduzido: duas pistolas presas em suas coxas e uma um pouco maior às suas costas, além de algumas lâminas escondidas em suas botas. Já não era de seu costume desperdiçar munição, mas aquele era um dia especial. Cada disparo tinha que ser certeiro já que seu número havia sido drasticamente reduzido.

Assim como ela esperava, um rosto ou outro lhe era familiar, mas ninguém chegou a reconhecê-la devido à máscara escura que protegia a parte de baixo de seu rosto. A mulher estava tendo que manter um controle ainda mais refinado do que estava habituada, já que a menor hesitação ou tremor em suas mãos seria o suficiente para seu irmão ter as confirmações que precisava. Demorara mais do que ela se orgulhava para conseguir manter certa estabilidade mental, e o estrago já tinha sido feito: nem ela e nem Petr haviam esquecido a conversa depois que ela voltara de mais uma visita à máquina que deveria sumir com suas memórias, mesmo que não tocassem naquele assunto. Ambos esperavam um deslize do outro: Petr atento a qualquer indício de que sua irmã se lembrava da estadia com o Soldado Invernal ou até mesmo a vida com os Vingadores; e Avril torcendo para notar algum indício de que seu irmão sabia que algo estava errado naquela história, e que a ajudaria a desvendar. Por isso ela teve que se manter o mais indiferente o possível mesmo quando sua mente gritava para ela não puxar o gatilho.

Um pouco depois que as coisas começaram a ficar agitadas do lado oposto da base, Dominik já estava bem próxima da central de dados. Os agentes ali já estavam alterados por terem perdido o controle visual da situação, piorando ainda mais quando um inimigo invadiu a sala. Os três mais próximos à porta sequer viram o que os atingiu, e mais alguns de seus colegas se juntaram ao número de abatidos antes mesmo de seus corpos chegarem ao chão. Os agentes mais distantes tentavam alvejar a mulher, mas ela era mais ágil, desviando os disparos e ainda conseguindo atingir alguns alvos. No fundo da sala ela conseguira identificar Sam Watson, que caíra depois de ser atingida no ombro esquerdo. Dominik já tinha desistido de se iludir imaginando que talvez a mulher não estivesse ali hoje, por isso foi fácil manter a compostura.

Sam, por outro lado, ficou alguns momentos a mais abaixada no chão protegida por uma mesa. Tinha algo no atacante que lhe era familiar demais, algo que ficou óbvio quando ela perdeu a máscara depois de ser golpeada no rosto por um de seus colegas que conseguira encontrar uma brecha em sua defesa, sendo em seguida arremessado em direção a parede mais distante por um chute potente, e não se levantando depois de atingir o chão. O rosto mais magro, a pele mais pálida, olheiras profundas que parecia quase alcançar o tom da máscara que há instantes cobria seu rosto, ou até mesmo o tom dos cabelos que pareciam agora também mais escuros. Ela estava diferente, mas não irreconhecível.

A loira assistiu Avril Stark atirar nos dois últimos agentes ainda vivos, devolver as pistolas ao coldre, e se direcionar para uma das estações da sala, digitando alguma sequência de códigos com agilidade antes de plugar um drive na entrada próxima à tela em que trabalhava. Sam prendera os lábios entre os dentes com força para evitar deixar escapar algum som involuntário enquanto se esticava para tentar alcançar sua arma que acabara caindo muito longe dela, apenas para ver um buraco de bala sendo criado no chão centímetros de sua mão. Quando voltou a olhar para a mulher confortavelmente sentada, uma de suas pistolas estava próxima ao teclado, um aviso para que ela não fizesse mais movimentos arriscado.

- Avril? – gaguejou Sam, mal conseguindo levantar o corpo do chão. Pela quantidade de sangue que ela já via ao seu lado e pela tontura repentina, ela acreditava que o tiro atingira uma artéria, uma precisão que não seria surpresa nenhuma se aquela fosse mesmo sua amiga desaparecida – Avril, é você?

- Os códigos, Sam – foi a única coisa que a mulher disse, sem interromper a seu trabalho ágil no teclado. Tanto como para ter acesso aos documentos que procurava como para os salvar em um drive externo era necessária a autorização de um agente de nível alto, e algo lhe dizia que sua senha de acesso já tinha sido desativada há muito tempo.

- Ai meu Deus, é você! – ofegou a loira, se sentando com dificuldade, apoiando as costas na parede mais próxima. Sua principal tarefa era tentar parar a hemorragia em seu ombro, mas a única coisa que ela conseguia fazer era encarar a mulher, estupefata – O que você está fazendo?

- Corvo, status.

- Tudo sob controle aqui. Extraindo os documentos – contou ela, levando uma mão ao comunicador assim que identificou a voz do irmão. Sam ao fundo produziu um som que parecia uma mistura de grunhido e gemido, recuando mais para a parede enquanto pressionava o ferimento de entrada. A loira estava com uma hemorragia bem complicada, ainda mais por também ter o ferimento de saída do projétil – Preciso que você me dê os códigos, Watson.

- Você vai ter que me matar antes – rosnou a mulher, no que pareceu um súbito momento de ousadia, o que fez com que a morena risse.

- Não, eu te mato depois – corrigiu Avril, parando momentaneamente de digitar para girar sua cadeira em direção à loira caída – Eu posso tentar descobrir sozinha, mas seria muito melhor você mostrar alguma utilidade. A HYDRA não gosta de quem não tem algo a adicionar.

- E-eu vou vomitar... – murmurou a mulher, fechando os olhos com força e jogando a cabeça para trás. Sam não sabia se a náusea que lhe atingira tinha como origem sua tontura ou as palavras que acabara de ouvir – Você... Como eles...? Você não é isso!

Avril vacilou minimamente. Em certos momentos ela tinha um pouco de dificuldade em classificar o que ela era ou não, mas como Sam afirmava aquilo com base em suas crenças, não podia dizer que ela estava erada. Ela não era aquilo. Ela não sabia o que era, mas esperava que não fosse aquilo. A cada dia que se passava Avril sentia que o tempo não estava a seu favor, e agora tinha certeza daquilo mais do que nunca. Já se arrependendo de suas ações, ela abriu uma nova janela em sua tela, digitando algo rápido e logo confirmando sua ação.

- Eu criei uma interferência nos sinais de comunicação desse lado da base – anunciou ela, girando sua cadeira mais uma vez e apoiando os cotovelos nos joelhos – Temos um pouco menos de um minuto, Sam, e eu preciso dos códigos.

- Avril? – repetiu a mulher com receio, mais confusa do que antes, se é que aquilo era possível. A expressão da morena havia mudado tanto em alguns meros segundos que chegava a parecer outra pessoa.

- Eu não ficaria feliz, não há a menor chance de você sair viva dessa.

- Você...?

- Eu sou da HYDRA. Isso não quer dizer que eu não sei quem você é, ou que eu não lembro. Isso apenas quer dizer que você está com problemas bem sérios – explicou a mulher de uma vez, assistindo a antiga amiga balançar a cabeça em descrença – Se eu tentar te salvar, eu sou desmascarada. Se eu não atirar em você para matar, meu irmão vai se encarregar de fazer você desejar que eu tivesse te matado. Percebeu o beco sem saída?

- No que você se meteu dessa vez?

- Eu já nasci nessa bagunça – respondeu ela, soltando uma risada amargurada – E preciso dos códigos.

- E eu não posso te dar – disse Sam pausadamente, depois de muito ponderar. Não importava se aquela mulher a sua frente era alguém que ela gostava de acreditar que conhecia. Ela era outra pessoa agora, isso mudava completamente as coisas.

Avril mordeu o lábio inferior enquanto assentia algumas vezes, antes de girar o corpo e pegar mais uma vez sua pistola que deixara sobre a mesa. Sam sentira o disparo atingindo sua coxa, próximo à virilha. Sequer precisava olhar para o ferimento para constatar outra artéria comprometida.

- Você vai sangrar até a morte – avisou Avril, voltando sua atenção para o teclado ao seu lado.

- Vou morrer sabendo que não te ajudei.

Avril engoliu em seco. Ela não precisava da ajuda da mulher, ela sabia muito bem invadir o firewall da S.H.I.E.L.D., não importava quantas medidas eles tomassem para o tornar a prova de Stark. Aquilo tudo era apenas para disfarçar o que ela estava fazendo de fato, já que estava sendo monitorada: um vírus discreto que poderia passar despercebido nas defesas da HYDRA e facilitar a tarefa dos hackers na Torre dos Vingadores em conseguir informações. Aquilo estaria escondido no meio dos documentos que ela viera extrair, e ninguém perceberia, nem se a HYDRA tivesse outra mente como a sua para fazer a varredura dos documentos. O problema que aquele era um passo arriscado, e as chances de seu plano falharem eram muito maiores do que as chances de sucesso. Só que aquela poderia ser a única janela que teria em muito tempo, e Avril estava cansada de fingir que sabia lidar com tudo aquilo. Seu sangue não era tão frio, pelo contrário.

Ele fervia.

- Obrigada pela cooperação, Sam – anunciou a mulher, desconectando o drive onde todo seu trabalho estava salvo e o guardando em um dos compartimentos de seu traje. O olhar da loira se tornou um pouco confuso – Como essa área da base está tomada pela HYDRA, socorro apenas vai aparecer quando decidirmos ir embora, e, julgando pela quantidade de sangue que você já perdeu... Eu sinto muito.

- Dominik! O que aconteceu?! – voz de Petr voltou a gritar em seu ouvido, anunciando que a interferência tinha acabado.

- Alguém causou uma interferência nos sinais desse lado da base, não consegui notar a origem... – mentiu ela, o olhar travado no de Sam, que parecia capaz de a matar com as próprias mãos se não estivesse comprometida – Extração de documentos completa. Precisa de suporte?

- Não, volte para a nave. E a garota?

- Vai morrer nos próximos minutos. Ela não foi muito legal comigo.

- Finalize o alvo, Dominik. Não brinque comigo, eu vou saber se você não finalizar.

Avril respirou fundo e tirou sua pistola do coldre, colocando a mulher mais uma vez em sua mira. Sam ajeitou sua postura contra a parede as suas costas, desistindo de tentar diminuir a hemorragia em sua perna, esperando pelo disparo final, que não demorou muito. Seu semblante indiferente não condizia aos seus batimentos acelerados pelo desespero, um completo oposto à mulher a sua frente: Avril tinha a expressão levemente contorcida, mas seus batimentos apenas indicavam que nada daquilo estava fora do comum. Petr podia monitorar seus sinais vitais, mas não conseguiria ler sua expressão daquela distância. Aquilo já era mais do que o suficiente para mostrar para Sam que não era aquilo que ela queria fazer.

O disparo quase não produzira som graças ao silenciador acoplado na pistola, mas mesmo assim Avril o ouvira pelo resto da noite.

- Pronto – anunciou ela, sem tirar os olhos do corpo agora sem vida da loira – Não sei porque você está fazendo um caso disso. Isso era para ser um teste?

- Talvez. Mas fique feliz, você foi aprovada.

---

As mãos de Steve suavam mesmo com a baixa temperatura. Era uma pista muito recente, mas não deixava de ser uma pista. Uma prova de que Avril estava viva, e aparentemente bem. Claro que a parte mais sombria da sua mente não o deixava esquecer o que aquilo deveria significar, mas ele se esforçava o máximo para ignorar. Ela está viva, qualquer outra coisa pode ser consertada. Ou pelo menos era nisso que ele precisava acreditar, senão perderia de vez a sanidade.

Tony e Clint o seguiam logo atrás, todos trajando roupas civis comuns – sob vários protestos do Stark. Demorara mais do que a dupla de loiros se orgulhava para convencê-lo de que terno não era a vestimenta mais discreta do mundo, mas que sair de moletom também não ajudava em nada. Eles haviam pousado a nave um pouco afastada do centro da cidade para não chamar atenção, com Natasha ficando para trás como segurança. Como se tratava de uma operação menor, não havia necessidade de mobilizar toda a equipe, por isso Thor e Bruce aceitaram sem problemas ficar na Torre – talvez o asgardiano tivesse feito um pouco de cara feia, mas acabara concordando. Era uma cidade pequena, bem simples, e fora consideravelmente fácil encontrar a tal loja de onde Avril tinha saído. Para a sorte deles, não havia mais ninguém no estabelecimento além do responsável, o que dava a eles uma pouco mais de segurança.

- Senhora? – pigarreou Steve, tentando chamar a atenção da mulher atrás do balcão, que estava entretida com uma revista.

- Pois não, meu jovem? – sorriu ela, e mesmo com Tony e Clint virando o rosto, ainda conseguira ouvi-los rindo baixo.

- Estamos procurando por essa mulher... – contou o soldado, mostrando na tela de seu celular uma foto recente de Avril – As imagens de trânsito dizem que ela entrou na sua loja, alguns dias. Se lembra dela?

A senhora buscou o par de óculos pendurado na blusa, se debruçando na bancada para ter uma visão melhor, abrindo um largo sorriso assim que reconheceu a mulher na imagem: o cabelo um pouco mais comprido e bem tratado, a pele de uma aparência mais saudável, e os olhos com mais brilho. Mas o sorriso era o mesmo.

- Ah, mas é claro que me lembro! Lauren, um amor de garota! Tinha algo especial nela que até agora não consegui compreender. Uma pena era aquele namorado estranho dela...

- Lauren? – repetiu Tony em voz baixa, agora um pouco mais confuso. Avril estava usando o nome da mãe, deveria significar alguma coisa, ele só não sabia se era bom ou não.

- Namorado? – estranhou Clint, tirando seu próprio celular do bolso, ampliando uma foto de Petr – Esse homem? Ele estava com ela?

- Não, não. Acredito que não. É uma foto recente? – perguntou a mulher, tentando buscar em sua memória a imagem do companheiro da jovem, mas ele não se parecia em nada com o homem da imagem – Porque o rapaz tinha um cabelo bem cumprido, e não tão escuro. Uma barba grossa. E olhos azuis também. Não é esse rapaz da foto. Ele apareceu aqui apenas uma ou duas vezes, e não se demorou muito, escondia o rosto... Não gosto de julgar as pessoas, mas ele me pareceu um tanto desconfiado. Já ela era um amor.

- Senhora... – ofegou Tony, arrancando o celular das mãos do arqueiro e selecionando outra imagem: uma foto antiga de Bucky Barnes – O tal namorado parecia com esse homem?

- Sim, é ele! – confirmou a mulher assim que seus olhos caíram na imagem, sequer notando os três homens estremecerem – Um pouco mais velho, mais barbudo e com cabelo comprido. O olhar é o mesmo. Difícil de esquecer...

- Ela está com o Barnes? – ofegou Clint para os dois, um tanto exasperado – Ambos estão com a HYDRA?

- Está tudo bem com a jovem? – questionou a mulher, antes que eles pudessem iniciar de fato uma discussão – O tal namorado é perigoso?

- Ambos estão desaparecidos, dona – contou Steve, depois de respirar fundo e tentar aliviar sua tensão ao passar a mão pelos cabelos em um movimento demorado. Era a primeira pista que tinha em meses de Bucky, e ele estava na companhia de Avril, o que deixava sua mente ainda mais confusa. Se eles estavam juntos, por que não voltaram para ele? – Já faz um bom tempo.

- Oh céus...! Tem algo em que eu possa ajudar? – ofegou a mulher, com ambas as mãos na boca e os olhos arregalados – Tenho quase certeza de onde eles estão acomodados.

- Seria de muita ajuda, dona.

- As gravações do seu sistema de segurança também seriam muito úteis – emendou Clint, quando a mulher se levantava e ia atrás de algum pedaço de papel para tentar improvisar algum mapa. Ouvira alguém comentar que o casal estava acomodado na floresta, e ela tinha bastante familiaridade com a área e as cabanas de lá.

- É de vocês – disse ela, apontando para a pequena sala de segurança enquanto trabalhava em seus traços. Os três homens trocaram olhares rápidos, e rumaram para o local.

Clint, sentindo que talvez fosse o com a cabeça mais no lugar do trio, ocupou a cadeira giratória velha que estava em frente ao sistema de segurança, logo buscando as imagens do dia que Avril fora capturada pelo sistema de trânsito. Não demorou muito para que eles conseguissem identificar seu corpo coberto de várias camadas de agasalho entrando na imagem, retirando o boné surrado que estava coberto de neve enquanto se adiantava para conversar com a senhora no caixa, lhe mostrando um largo sorriso. A senhora também tinha arriscado mais ou menos em que dia Avril tinha aparecido na loja na companhia do Bucky – essa eles demoraram um pouco mais para encontrar –, a imagem dos dois na tela aparecendo um pouco depois da senhora aparecer com o mapa improvisado e lhe dar instruções.

- Pelo menos ela parece bem... – comentou Clint, parando de assistir a mulher passear pelos corredores e olhando rapidamente para os dois homens às suas costas – Já vocês não parecem nem um pouco bem.

- Como poderíamos? – resmungou Steve, soltando uma risada irônica.

- Seja um pouco mais inteligente, Rogers – repreendeu-o o arqueiro, apontando para a tela com a imagem congelada – Isso parece o tipo de missão para o Soldado Invernal? Eles não estão uniformizados.

- Você acha que eles não estão com a HYDRA? – estranhou Tony, mesmo que concordando com o arqueiro. Realmente não parecia normal a HYDRA manter os dois naquele fim de mundo, nem se tivesse sob disfarce. Avril podia ser uma espiã, mas Barnes não era.

- Me parece um pouco bizarro eles mandarem os dois comprarem mantimentos.

- Se eles fugiram... – começou Steve, com pesar na voz. Ele não queria verbalizar aquela pergunta, parecia que ela estava presa em sua garganta – Por que não foram para a Torre?

- Aí já é algo que vamos ter que perguntar diretamente para eles – suspirou Clint, voltando sua atenção para a mesa para fazer uma cópia das filmagens. Ele só não terminou a tarefa porque a voz de Natasha ecoou em seus ouvidos, fazendo que suas mãos ficassem suspensas sob o teclado.

- Precisamos sair daqui agora – disse a ruiva, a voz deixando claro que a situação era séria – HYDRA atacou uma antiga base da S.H.I.E.L.D. Temos que ir para lá agora.

- Voltamos a ser faxineiros da S.H.I.E.L.D.? – debochou Tony, fazendo um gesto com a mão para que o arqueiro acelerasse – Que base foi atacada?

- Manchester.

- Eles levaram alguma coisa?

- Armas e documentos.

- Por que eu tenho a impressão de que as armas da Fase 2 ainda estavam lá? – resmungou Clint, desplugando o drive com as filmagens salvas e o guardando no bolso do agasalho enquanto se levantava, seguindo os dois homens para fora da loja – Ligue para a Sam, ela será capaz de dar mais detalhes.

- Esse é o problema, Clint – Natasha deixou que um silêncio estranho se instalasse, sabendo que a reação do arqueiro não seria das melhores – Não houve sobreviventes ao ataque.

Os três Vingadores vacilaram em seus passos ao mesmo tempo. Nos últimos meses a HYDRA tinha diminuído consideravelmente seu número de ataque, já que estavam gastando boa parte do pessoal para se defender da equipe de super-heróis, por isso um ataque daquele nível era algo que os pegara desprevenidos. A base de Manchester era uma das mais bem protegidas da S.H.I.E.L.D., acomodava um número alto de agentes talentosos e abrigava armas poderosas. Eles não haviam conseguido dominar aquela base nem quando os intrusos se revelaram, e de alguma forma agora eles haviam conseguido derrubá-la. Tony convocara sua armadura e seguira com Steve para o tal local que a mulher da loja indicara, na esperança de no mínimo encontrar mais alguma pista do paradeiro de Avril e Bucky, enquanto Clint seguira em direção oposta, para ver com Natasha as informações que eles já tinham sob o ataque.

- Não é fácil te deixar apreensiva, Romanoff – comentou o arqueiro, ocupando o lugar de copiloto ao lado da ruiva – Desembucha.

Natasha revirou os olhos, mas não conseguiu diminuir a tensão em seus músculos. Se não tivesse desligado sua linha direta com a Torre, a ex-espiã ainda estaria ouvindo os gritos inconformados de Thor, e Bruce inutilmente tentando o acalmar. No fundo, ela estava com inveja do cientista: um deus irritado era bem mais fácil de lidar do que com aqueles três.

- Nós conseguimos algumas informações sobre a equipe que atacou em Manchester.

- E por que você está hesitando tanto em contar? – estranhou o homem, desconfiado – É alguém que conhecemos?

- Dominik Ivanova – disse a ruiva com cuidado, mas daquele nome para ele ainda não tinha importância nenhuma.

- Por que esse nome não me é estranho? – questionou Clint, no exato momento que Tony e Steve retornaram. Aparentemente, acontecera uma briga na casa, e Sexta-Feira havia identificado o sangue encontrado lá como o de Avril. A dupla recém-chegada estranho uma reação tão indiferente da mulher, que apenas avisou que eles estavam decolando mais uma vez – Nat? De onde a gente conhece essa tal Dominik?

- Dominik? – repetiu Tony, enquanto retirava sua armadura – Quem é Dominik? Por que esse nome de novo?

- Esse nome te incomoda, Stark? – perguntou Natasha, o tom de enigma pegando todos de surpresa. A ruiva não sabia dizer se estava enrolando por receio das reações ou preparando terreno. Qualquer que fosse a desculpa, ela não mudaria de estratégia agora. Tony apenas deu de ombros, se jogando na cadeira mais próxima assim que trajava apenas suas roupas de tecido.

- É só um nome.

- E Lauren Smith?

Dos três homens, apenas Steve se manteve indiferente.

- A mãe da Av? – estranhou Tony, sua expressão agora completamente séria – Espero que você tenha um ponto em que queria chegar, Romanoff. Eu não gosto exatamente de falar dela.

- Por que a morte dela foi estranha? – arriscou a mulher, colocando a nave no piloto automático e girando sua cadeira para o grupo, gesto que Clint imitou, mesmo sem saber o que estava acontecendo – Enquanto vocês estavam atrás de pistas e Bruce e eu estávamos analisando o que aconteceu em Manchester, uma base da HYDRA em Moscou foi hackeada. Não acredito que eles já tenham percebido ainda, mas nós percebemos. Foi alguém de dentro.

- Avril? – arriscou Clint, querendo soar esperançoso, mas se conteve. Natasha não estava transmitindo uma energia muito boa e dessa vez parecia ter um bom motivo.

- Não acredito que ela ainda esteja no nosso lado.

- Se importa de justificar uma acusação desse nível? – resmungou Tony, quase ofendido por não ouvir Steve repreendendo a mulher. Claro que ele já tinha tido tempo o suficiente para aceitar que existia a possibilidade de eles estarem manipulando sua filha, mas a forma que Natasha falara era quase como se ela estivesse escolhido mudar de lado.

- Ela que atacou a base em Manchester, Stark – contou ela, a expressão indiferente, mas as palavras quase não conseguindo passar por sua garganta – As equipes de resgate conseguiram recuperar as gravações de emergência do celular da agente Watson. Avril foi a que roubou os documentos enquanto o outro Corvo foi atrás das armas.

- Outro Corvo? – repetiu Clint, finalmente conseguindo pegar alguma referência nas informações que a ruiva soltava que pareciam aleatórias – Como o tal Petr Ivanov? Ele não era o único corvo?

- A irmã caçula dele também usa o mesmo codinome.

- Ela não tinha morrido? HYDRA está recrutando fantasmas agora? – resmungou Steve, sua expressão passando de confusa para assustada assim que alguns nomes voltaram a sua mente – Espera, você está dizend...?

- Avril é o outro Corvo – contou a ruiva, erguendo as sobrancelhas em direção ao Stark – Já se lembrou por que o nome Dominik te incomoda, Tony? Você já sabia, não é?

- Dominik foi o nome que a Lauren escolheu para a Av – contou Tony em um sussurro, seu olhar não conseguindo se manter estável por mais de dois segundos – O que você está insinuando...

- Com a ajuda do vírus que apareceu hoje, conseguimos algumas informações sobre os membros do Projeto Presságio interessantes... – contou a mulher – Coisas como a caçula da família estar na ativa, e Lauren Smith ter sido o disfarce que Valerik Ivanov usou quando passou mais de um ano infiltrada nas Indústrias Stark.

De todas as reações possíveis, Tony escolheu a mais inusitada.

Ele começou a rir.

- I-isso... Isso é a coisa mais bizarra que eu escutei nesses últimos tempos... – ofegava ele entre risadas, massageando a testa – Logo depois da história da Avril morando com o Barnes...

- Tony...

- Não, sério – interrompeu-a o homem, rapidamente assumindo uma postura rígida – Deixa eu ver se eu entendi... Lauren... Não, qual que era o nome? Valerik? Essa aí espiona minha família e as empresas por sei lá quantos meses, desaparece enquanto estava grávida da minha filha, volta para a HYDRA para brincar de cientista, e simplesmente volta depois para deixar o bebê comigo? É nisso que você quer que eu acredite?

- Acredito que há algumas lacunas nessa história.

- Não, tem a porcaria de uma outra história, isso sim! – berrou Tony, gesticulando com raiva. Ele até ameaçara se levantar, mas Steve fora mais rápido, o segurando pelo braço.

- Tony, se acalm...

- Me acalmar? Você por acaso ouviu o que ela disse?! – grunhiu o moreno, mudando seu alvo para o soldado – Ou você está acreditando nela?

- Você vai realmente me dizer que isso tudo não faz nem um pouco de sentindo? – suspirou Steve, escolhendo suas palavras com cuidado. Claro que ele não queria acreditar naquilo, mas não era questão de querer, podia ser a maldita verdade. Acreditar ou não naquilo não era o que importava. Avril podia ser da S.H.I.EL.D., da HYDRA, ou qualquer outra coisa. A única coisa que importava era ter ela de volta – As habilidades da Avril, esse tal Petr a sequestrando...? Até aqui, se eles fizeram ela acreditar que ela é um deles, ela poderia muito bem estar tentando recuperar o Bucky, mas falhou. Só tinha sangue dela naquela casa, Tony. Houve uma luta, e ela perdeu.

- Você vai se arrepender de ter dito isso, Rogers – murmurou Tony, a raiva clara em seus olhos enquanto tirava seu braço do aperto do soldado – Minha filha não é da HYDRA.

- Toda essa discussão não tem importância – disse Natasha, virando sua cadeira para frente e tirando a nave do piloto automático – Nós temos algumas coordenadas para bases da HYDRA que desconhecíamos, e estamos assumindo que de onde saíra o vírus é onde Avril está, então é para lá que vamos.

- Thor e Bruce?

- Esperando a gente chegar na Torre, Capitão.

- E se for uma armadilha? – questionou Clint em um sussurro, um longo silêncio se estendendo depois daquela questão em aberto. A história toda parecia suspeita demais, não dava para negar. Um ataque daqueles e logo em seguida uma quebra daquele nível de segurança de dados. Talvez Avril realmente fosse a responsável, talvez estivesse apenas bancando a agente da HYDRA até ter uma chance real de escapar. O problema era se basear apenas naquelas suposições. Se ela realmente era o tal segundo Corvo, sabe-se lá que tipo de experiências ela havia sido submetida, que tipo de habilidade agora ela possuía. Lutar contra ela e contra a HYDRA ao mesmo tempo era um cenário arriscado.

- Se for uma armadilha, nós vamos diretamente para ela – respondeu Natasha, confirmando mais uma vez que eles estavam viajando na velocidade máxima.

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